Wednesday 29 May 2013

Baobahadur - Dote: Um Mal Social (1974)

Cumpre-me desta vez demonstrar, embora com fracas possibilidades, que a Sra. D. Berta Menezes Bragança confundia redondamente o chamado dote em voga neste território, com o dote previsto no regime dotal, a que se referem os artigos 1134 a 1165 do Código Civil Português, em vigor.

O regime tipo previsto no artigo 1108 do citado Código é o casamento, segundo o regime de comunhão de bens ou segundo o costume do pais, que é mais comum ou vulgar e, assim, geralmente seguido cá em Goa, mas umas vezes com a clausula de separação de bens, no caso da falta de prole sobreviva.

Isso demonstra que esse regime de casamento era o adoptado pelo povo em geral, não só em Goa, mas em toda a parte do território português, no qual ficava abrangido tanto Portugal, como as colónias portuguesas entre as quais figurava o antigo Estado da Índia, até a sua libertação.

Não é, portanto, verdade que o casamento segundo o regime dotal fosse ou seja o mais vulgar aqui.

Consequentemente, tudo quanto disse Sra. D. Berta na sua palestra em causa, e ensinou o grande Mestre Cunha Gonçalves, no seu Tratado de Direito Civil, no tocante ao regime dotal não tem relevância tratando-se do regime seguido pela grande maioria da população de Goa, Damão e Diu.

É certo que há contratos antenupciais em que se emprega, umas vezes, a expressão dote, em vez da importância em dinheiro ou em jóias com que a noiva entra para o casal, mas isso não quer dizer que esse regime é dotal. Antes pelo contrário, é o da comunhão geral dos bens, com a condição de esse dote, que, as verdade, é o quantitativo em dinheiro, em jóias ou ainda em enxoval, ser tomado na conta na futura legitima paterna e materna, por conseguinte, todo esse montante é de ser tomado, obrigatoriamente, em conta, aquando da partilha dos bens do casal dos pais de noiva, para defialr a sua legitima e consequente aplicação de bens.

Pela lei de sucessão em vigor nesta nossa terra, tanto os filhos como as filhas herdam igualmente dos pais. Não há assim desigualdade de direitos entre o homem e a mulher, como entende a ilustre palestrante, por a dita lei ser uniforme para todos.

Eu pediria a Sra. D. Berta que se desse à maçada de passar uma vista sobre todos os Acts, relativamente ao casamento, que estão em vigor na restante parte da Índia, para se convencer daquilo que eu digo, e estou certo de que me dará inteira razão, convencendo-se de que a lei portuguesa, vigente nesta terra, é a melhor entre as leis sobre o casamento que vigoram no resto do país e que são, em regra, diferentes segundo a religião que cada um professa.

Em meu entender, os 12 anos que passaram sobre o sacudimento do “domínio colonial portuguesa” são poucos em relação aos 27 anos, aproximadamente, que decorreram sobre a independência da Índia, porquanto os nossos parlamentares não foram capazes de nos proporcionar uma lei uniforme para a Nação inteira, que superasse a vigente neste território.

Não tem, portanto, a Sr. D. Berta razão para se queixar de que não obstante termos “os nossos direitos regulados pela Constituição Indiana, continuamente, paradoxalmente, a manter a legislação portuguesa.”

Há mais uma afirmação, pouco exacta, da Sra. D. Berta quando diz que proclamando a Constituição Indiana a igualdade absoluta de todos os cidadãos, garante aos mesmos a sua individualidade e dignidade, e essas são incompatíveis com a lei portuguesa (o sublinhado é meu).

Permita-me que diga, com franqueza, que essa afirmação é derivada da ignorância da lei portuguesa, sobretudo a do casamento em vigor, uma das duas Leis que o Governo Provisório da República Portuguesa promulgou em 25 de Dezembro de 1910, isto é, logo após a implantação da República Portuguesa, para não falar das outras, foi e é considerada como uma das melhores que Portugal promulgou, fazendo daquele Governo parte os liberais Joaquim Teófilo Braga, António José de Almeida, Afonso Costa, Bernardino Machado, Manuel Brito Camacho, etc.

Confundindo o dote de Goa com o regime dotal do Direito Civil Português, a Sra. D. Berta discordando da opinião do Mestre Cunha Gonçalves, de saudosíssima memória, quando ele diz que “o regime dotal é o mais seguro e vantajoso para os direitos da mulher e filhos”, faz considerações que acho algum tanto ousadas, mas merecem desculpas por terem sido feitas, não propositadamente, mas sim, irreflectidamente, sem conhecimento devido de causa.

Mas há mais uma afirmação da Sra. D. Berta que carece de ser rebatida, e é esta: “O dote é um processo de ludibriar as filhas da parte que lhes cabe por lei na herança dos pais. Aproveitando da sua ignorância ou inconsciência de direitos, consta-se, por exemplo, na escritura que a noiva leva o dote X e desiste de concorrer à herança dos pais. E não é raro acontecer que a herança é muito superior ao dote. O motivo desse “equivoco do notário”, somo lhe chama Dr. Cunha Gonçalves mais não é do que um bem engendrada arte de enganar, pois consiste em beneficiar os filhos em detrimento das filhas.:

Continuando, diz a Sra. D. Berta que “essa imoralidade de os próprios pais discriminarem entre os filhos logrando as filhas denota o critério primitivo que se inspira consciente ou subconscientemente, na desigualdade e inferioridade da mulher. É certo que a lei prevê que as filhas dotadas podem concorrer para a herança, mas esse processo é longo, servindo para criar animosidade e desarmonia entre os herdeiros. Como já vimos, mesmo em casos raros, em que não se pratica esse sistema de fraude e se cumpre a lei dotal, tal qual ela é, a situação da mulher é pouco edificante.”

Não tenho Tratado de Direito Civil a mão, nem vejo a sua necessidade, para concluir se as afirmações constantes dos trechos transcritos são do Comentador ou da própria palestrante, mas não compreendo como é que as passagens transcritas podem ter a sua aplicação na hipótese de um contrato antenupcial celebrado na vida dos pais, porquanto a legitima dos filhos (nos quais se incluem também filhas) só se pode apurar após o falecimento de algum dos pais ou de ambos, segundo o caso.

Um contrato nesse gosto em que a noiva porventura desista da herança dos pais não é permitido à fase do que preceitua o art. 2042 do Código Civil, que diz: “Ninguém pode, nem sequer por contrato nupcial, renunciar à sucessão da pessoa viva..”. Esse for feito, será sempre nulo de direito.

Há, de certo, um equivoco – e grande – da parte da Sra. D. Berta, derivado certamente do facto de pretender tratar de questões (segue na 4a pagina) de direito, sem conhecer direito, “O Direito” e há também atrevimento, até certo ponto indesculpável, de discordar, levianamente, do que Cunha Gonçalves ensinou em vida, ensina agora e continuará a ensinar de futuro a todo quanto seriamente pretender aprender o Direito Civil.

Todavia, devo dizer a Sra. D. Berta que estou inteiramente de acordo quando ela diz que “cabe às mulheres de Goa, sobretudo da nova geração, afirmar a sua dignidade e o respeito que lhes é devido”, mas discordo quando diz que devem as mesmas demandar a “terminação da primitiva e odiosa legislação estrangeira, que representa uma anomalia”, pois acho que enquanto nós não tenhamos uma legislação digna deste nome e que seja melhor do que a que está em vigor, acho que deve continuar vigente, a qual não é nada inconstitucional.

Ao terminar, pedia à Sra. D. Berta que esteja na vanguarda do movimento no sentido de extirpar, de uma vez para sempre, o mal do dote a que me referi no meu primeiro escrito e que na realidade, está roendo a nossa sociedade, porque é aquele um verdadeiro mal social, não se preocupando muito com o dote de fala o regime dotal.

Espero que a Sra. D. Berta me desculpará, se porventura, se sentir incomodada com alguma ou algumas das passagens ou das expressões deste meu trabalho e creia que apreciei imenso o seu esforço, no sentido de se inteirar dum assunto não muito de fácil alcance, no interesse único da Mulher de Goa, pretendendo a sua emancipação.

No comments:

Post a Comment