“O problema hoje não é de ECOLOGIA ou de extração da AREIA das praias de MOBOR, mas o de Desenvolvimento, para quem? E à custa de quem? 200 famílias, milhares de pescadores e lavradores de palmeiras não vão gozar de um hotel de cinco estrelas com piscinas e aeródromos...
Mas não sei, às vezes é tão difícil escolher numa situação existencial: seria melhor a excavação na Praia para levar a AREIA ou um hotel?”
Era uma noite magoada de 76 ou 77. Vieram contar-me a mãe proletária de Francisco Rodrigues, o grande idealista pioneiro dos movimentos ecológicos em Goa, havia sido presa em Margão porque mãe e filho lutavam contra a excavação da areia em Mobor. Ao longo dos anos, desde Cavelossim a Utordá, fizeram greves de fome, comícios, até arrancamos promessas ao Congresso em 77 e 80 que lutariam para acabar com a Extracção da Areia. Na década dos 0, como as lembranças acorrem ao calor do reencontro com a terra alienada em Sancoale, o Arquitecto Urbano Lobo e Mathany Saldanha levantavam o problema da mortandade de peixe em Velsão devido aos efluentes do Reservatório Bhiase e o exczema das crianças. Outra década, outro ânimo de luta, porém, o mesmo idealismo frente aos salafrários Relações públicas, como diria Jorge Amado.
As notícias vêm filtradas em rumores. De Agonda em Canacona falam os peixes e as praias, um Hotel de cinco estrelas, quem sabe um casino, um aeródromo, loucas recepcionistas-secretárias para todo o serviço, como exige um projecto de tão grande valor. Mas esse desenvolvimento da região extrema do Sul de Goa, a quem vai favorecer? Certamente, os pescadores e os lavradores de palmeira não poderão frequentar ambiente de tanto luxo, nem necessitam tal luxo na carestia em que vivem, aliás todos os goeses. Mas dirão os tais salafrários: a terra tem de ser desenvolvida e entre as opções de uma Hidroelectrica, uma estação nuclear, minas de areia e um Hotel, o Hotel salvará a ecologia da região e será um benefício a longo prazo. Um outro argumento aduzido é o de que a lavra de palmeira não é uma industria e os filhos dos lavradores com a democratização do ensino acham muito mais proveitoso ir ao Golfo como mecânicos contabilistas, etc do que subir a descer a palmeira duas vezes ao dia e usar um alambique antigo com a lenha tão cara.
Profissões tradicionais, herdadas dos pais a filhos quase sempre na mesma família às de Ramponkares e lavradores de palmeira à sura, a dúvida que se impõe nesta época febril de desenvolvimento é a da continuação destas profissões frente a mecanização dos barcos de pesca, portos piscatórios, armazéns-frigoríficos nas praias e fábricas de aguardentes regionais como o Feni e o Caju. São dúvidas dolorosas e angustiantes para quem pensa o decorrer do processo de desenvolvimento com súbitas notificações na Gazeta Oficial expropriando terrenos e teimosamente recusa-se a aceitar que daqui a cinco ou dez anos os goeses serão como os East Indians (os tais norteiros) de Bombaim. Neste contexto de conta-corrente do desenvolvimento vale a pena lembrar o sistema de Prioridades e lamentar na ausência de um Plano sistemático organizado por uma equipe de especialistas e de um Governo capaz (na voz do líder da oposição, Adv. Ramakant Khalap, temos um Governo que abdicou dos seus poderes perante o Administrador deste Território), toda a espécie de salafrários tipo Relações Públicas pode levar avante quaisquer projectos desde que esteja pronto a pagar comissões e tenha contactos... no topo da pirâmide dos poder.
Nestas condições, urge aos homens de liderança e quantos são ouvidos e amados pelas massas, desde Morgim até Agonda (ambas aldeias de pescadores) decidir se para além do negativismo da agitação pura e simples e dentro dos parâmetros do amor à Terra – defesa das profissões tradicionais e do habitat – tradição e progresso para salvar a ecologia – mudança e desenvolvimento, há possibilidades de aceitar o menor mal como é o caso de um hotel versus uma fábrica de, por exemplo, ácido sulfúrico, desde que esse mal menor trate de reabilitar quantos vão perder o lar, o tecto e o habitat. No caso de Mobor, como me explicou o ex MLA e distinto advogado Ferdino Rebelo, o que se objecta é a extensão da área expropriada – 15 laques de metros quadrados e não o projecto que tem as suas vantagens. E naturalmente há que defender o aspecto humano das famílias de Mobor – 135 famílias que vão ficar sem texto e outros tantos lavradores de palmeiras. Em Agonda também, o homem tem de ser defendido.
A terra e o homem e que se não repita o crime de Sancoale, onde o camarão desapareceu para todo o sempre e o Arsénico e o Ácido sulfúrico são os ingredientes da fauna marítima... Que haja flexibilidade e tolerância e em nome do Desenvolvimento, salafrários das relações públicas não acabem com as nossas profissões tradicionais e o direito ao habitat. Que Goa continue.