Thursday 29 August 2013

Joseph Barros - A Poesia Indo-Portuguesa (1953)

Índia…! Berço da civilização ariana que deu ao mundo novas luzes e novas directrizes, novos horizontes e novos ambientes nos vários ramos do saber humano. A raça ariana, talvez a mais distinta raça do mundo em grande cabedal e legou a humanidade um riquíssimo património cultural que desafiando a voragem devoradora do tempo vai-se asseverando cada vez mais nos pergaminhos das letras e ciências.

A Índia legou ao mundo filósofos de renome internacional como Swami Vivekananda e Radakrishna, teólogos como Shenkaracharia, Mabavira e Jeina, legistas como Kantila, poetas como Kalidasa e Tagore, cientistas com Raman e Abbé Faria e ascetas como Ramdas, Pe. Agnelo e Pe. José Vaz.

É na pitoresca região da Índia Ocidental, conhecida nos compêndios de geografia de antanho como Gomantak, a actual Goa, que se vê na sua plena e áurea exuberância a realização concreta do sonho doirado do grande nobelista Tagore – a fusão entre o oriente e ocidente.

Goa, esse cobiçado Jardim de Malabar à beira-mar plantado é o elo entre o Oriente e Ocidente ou antes um ponto de fusão entre a cultura Ocidental e Oriental.

A Índia bafejou o sopro benéfico do Ociente. Ele deu-nos humanistas como Annie Besant e Ronald Ross, longuistas como Pe. Maffei, missionários como S. Francisco Xavier, poetas como Kipling e Tomás Ribeiro, o fundador do Instituto Vasco da Gama, guerreiros como Duarte Pacheco e estadistas como William Bentine e Afonso de Albuquerque.

Um visitante estrangeiro a quem tivemos a honra de entrevistar declarou-nos mais ou menos o seguinte: “you are a lucky people... In Goa we meet the East and the West – a supreme synthesis of both. Here we do not know which is East and which is West, only a harmonious blend.”

Mais provavelmente o erudito visitante e escritor referia-se ao celebre aforismo do seu ilustre conterrâneo o poeta inglês Rudyard Kipling que anos atrás por um fatal equivoco escrevera no seu Ballad of East and West:

“Oh East is East
And West is West
And never the twain
Shall meet.
Till Earth and Sky
Stand presently at
God’s great judgement seat”

À Goa cabe a glória de ser o ponto de encontro dessas duas culturas – a “Suprema Síntese”, a “harmoniosa fusão” – que o nosso entrevistado, o novelista Evelyn Waugh, a classificou como tal. Evidentemente como algures afirmou o Sr. Dr. Wolfango da Silva, somente os “homens de mesquinhos horizontes mal compreendem que não existe na Natureza o Oriente nem o Ocidente. Se partirmos do paralelo em que estamos, caminhando na sua direcção, cairemos sempre no Oriente ou no Ocidente. Deus fez este mundo redondo para nele nos encontrarmos e nos conhecermos. É por isso que vemos Goethe cantar as glórias do Xacuntalá e Max Müller meditar por entre os gelos da sua região os esplendores radiantes da Índia...

Ao contacto da civilização europeia esta grande península ressurge e não sei se voltará ao padrão antigo de esplendor e glória de uma raça sublime que ninguém sabe donde surgiu e desapareceu para sempre deixando-nos legados preciosos que constituem a admiração de todas as civilizações

Da fusão do Oriente com o Ocidente apareceu em Goa a cultura indo-portuguesa. A poesia luso-indiana a que Ethel Pope na sua obra “Índia in Portuguese Literature” se refere em termos de grande apreço, é o resultado benefíco do intercâmbio de duas culturas – a Oriental e a Ocidental.

Ethel Pope cita os nomes dos poetas goeses tais como Nascimento Mendonça, Paulino Dias, Mariano Gracias e outros como exemplos típicos desta fusão cultural e classifica as suas composições poéticas como “Indo-Portuguese” ou Luso-Indianas.

Damos neste artigo uma breve resenha de algumas das composições literárias dos nossos importantes poetas luso-indianos.

Parece-nos que Nascimento Mendonça é o “maior poeta” indo-português e Vatsalá é sem dúvida a sua melhor composição literária. Esse poema parece ter sido influenciado pelo drama Shakuntalá de Kalidasa. Vatsalá usa quase os mesmos enredos para apossar-se do Rixi como a Manika no caso de Vismamitra.

Vatsalá, a formosa bailadeira dos seus vinte anos, cheia de jóias e de guisos lança um olhar lânguido e voluptuoso a um Rixi semi-nu e louca de amor e exclama”

“Que delírio me abrasa
Os seios palpitantes?
Rompeste como um sol
Na noite que não finda
Ó lúbrica visão divina...
Mas que importa?...
Sou moça e sou formosa ainda.”

E aproximando-se do Rixi que parecia estar sentado sereno, gélido e imutável, ajoelha-se de repente soluçando:

“Eis-me enfim a teus pés,
Suave e peregrina...
De perfumes undi
Meu corpo de rainha
E venho por teu beijo ardente
Que alucina.
Eu sou como uma deusa,
A teu lado sozinha,
E lembra o meu olhar
A tímida chitela,
Sob os meus pés exulta
Ainda a erva daninha

Bem sei que tu és casto;
E não vês que sou bela?
No meu será
Como o rei triunfante
Que nunca teme a dar,
Porque pode esquecê-la.

Sou a torre-do-sonho,
Airosa e luciolante,
O retiro de amor
Das almas doridas,
Engrinalda-se ao ver-me
A alma soluçante.

Mas só por ti deixei,
Como as ranins vencidas,
Meu leito de rubis
E de astros cravejado.

A airosa e luciolante Vatsalá ergue-se do chão como a flor de champak, volteia como o moruoni e diz:

Abre o teu coração
Como um cofre inviolado,
Onde nunca fulgiu
O luar das quimeras,
Puro e sereno
Como as virgens sem pecado.

Ai! Deixa-me cingir-te
Tal como as verdes heras
O tronco da palmeira,
A tua carne dura,
Eu sou a graça,
O viço, a luz das primaveras.

O enredo recrudesce. Vatsalá apossa-se do Rixi; mas a sua felicidade tem pouca dura. A vítima é arrebatada pela Morte. Vatsalá segue o caminho de Sati e une-se ao Rixi na pira fúnebre.

Mais um outro poema cheio de graça e beleza é o Hino a Prithivi onde o poeta canta um hino enternecido a Terra Bendita, berço de Visvacarma, Budha e Dante:

Mas o poeta não esquece que esse Prithivi, que ele tanto ama, é ao mesmo tempo um Calvário e um Paraíso, um berço de fadas amorosas e ao mesmo tempo um covil de tigres e hienas:

Terra – Calvário e Paraíso,
Lodo que a luz volve em arminho
Flor que beijo e lama que piso,
Terra, sepulcro e berço.
Terra, bendita Mãe das Rosas,
Do rubro cacto e as açucenas,
Berço de fadas amorosas
Covil de tigres e hienas!

Se em tuas urzes, venenosa,
Silva a Cobra do Mal e a Dor,
Também a Flor pura e formosa
Nasce em teu seio criador.

O poeta termina o hino a Prithivi num tom de optimismo. O seu coração embora dilacerado e dorido sente os lampejos da Eternidade:

Sejas bendita eternamente
Tu que és Calvário-Paraíso
Filha do sol aurifulgente
Flor que beijo, lama que piso.

Um outro poeta indo-português de destaque é Mariano Gracias que em verdes anos revelara os seus dons poéticos. Abalou para a Metrópole aos 24 anos, onde passou bom tempo da sua vida. Algumas das suas mais importantes publicações são: Alto Mar, Agonia, Missal de um Crente, Regresso ao Lar e Poentes.

Quase em todos os seus trabalhos, Mariano Gracias procurou interpretar a vida segundo as normas e formas da filosofia indiana. A sua poesia demonstra larga erudição e um profundo conchecimento da cosmogonia indiana. Daí o Génio da Raça:

Foi a Índia de luz berço lendário
Da civilização. Extraordinário
Pais de sonho e lenda! Um povo ideal,
De imenso génio e altíssima moral.

Terra de sábios, de imortais postas,
Filósofos, videntes e os ascetas,
Walmiki, Somadeva, Kalidasa
Budha, Manu, Panini e Wyasse.

E foi este clarão grande e profundo
Onde de oiro rolando sobre o mundo
Que alagou com a sua claridade
As vindouras nações – A Humanidade.

Durante a sua estadia em Coimbra o nosso poeta levou uma vida muito agitada. Deixou gravado no Penedo da Saudade em Coimbra essas maviosas quadras:

Ó Noitadas de Coimbra
Ó Pálidas Madrugadas,
No meu peito ainda timbra
O choro das guitarradas
Coimbra, tenho saudade
Do choupal erguido além
Do Penedo da Saudade
Saudades tenho também.

Nas “Nossas Almas”, o poeta revela a sua firme e inabalável convicção na existência duma vida futura. Não discute mas crê porque a razão é estreita e o mortal não pode desvendar os mistérios do Além:

Ninguém sabe explicar das almas o destino,
Ninguém pode seguir o seu giro fatal,
A razão é estreita e o olhar pequenino,
O mortal não desvenda o enigma do Imortal.

Inconsciente sempre em louco desatino,
Ah! Quanta alma percorre uma longa espiral.
E quanta já desceu com consciência e tino,
As fulvas espirais concêntricas do Mal.
E as que subiram já...
E as que sobem agora...
A que azul, a que céu,
A que mundo, a que aurora
Elas foram parar, elas irão poder.

Errantes sempre em
Seus longos giros fatais,
Nossas almas irmãs,
Nossas almas iguais,
Noutra vida melhor
Ainda se hão-de encontrar.

O outro poeta que também não podemos deixar de mencionar é Paulino Dias cuja trajectória poética deixou rastos luminosos na poesia indo-portuguesa. Dotado dum espírito culto como Tennyson e cheio de entusiamso como Byron a sua poesia reveste-se de esplendor sensual e místico. Na Prece a Vittala o poeta exprime a sua inquietação:

Vi de longe a tua forma
Vi de longe... e que foi na minha alma
Calma...
Vem por mim correndo Vittala.

Fiz a ablução sagrada em Bivari
Vesti a faixa rala, e reverente,
Crente...
Eu vi o teu devoto Pundolica.
Fui com ele.. Vittala... Santifica
A minha eterna devoção por ti.

Entrei no teu pagode, ahi... ahi...
Onde está tua imagem pura... linda...
Ainda...
Não estou consolada, satisfeita,
Vem correndo Vittala...
No meu peito vasa uma doce
Adoração por ti.
Chegou cançada e triste a Pandarpur.
Que formas que eu passei por todas eras
Feras...
Tu dá-me a redenção, dá-me o descanso;
Nos Yugas e nos mundos eu me canso
E não encontro nada além de ti.
Vem para mim oh caçador...
Acode, salva-me Vittala
Eu deixo só minha esperança em ti.

A prece a Vittala termina em uma nota de optimismo que é um bálsamo para as chagas recônditas da alma. O poeta nutre a esperança duma vida melhor e crê no raiar duma era nova.

É bem vasta a galeria dos poetas indo-portugueses que enriqueceram o nosso património cultural com os seus inúmeros e multifacetados trabalhos poéticos.

Não nos é possível mencionar neste artigo todos os poetas indo-portugueses que moldando duma maneira encantadora e maravilhosa a bela língua do Camões legaram ao mundo de letras a poesia indo-portuguesa.

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