Talento e Modestia
Entrámos no edifício sem sabermos em que repartição trabalhava Judit Beatriz de Sousa. Deparamos com o Sr. José Souto que nos resolveu o problema, num gesto elegante que não podíamos deixar de trazer a público – foi ele mesmo a chamar a poetisa.
Já na frente daquele sorriso modesto um tanto ou quanto místico que nos embaraça, vimo-nos impossibilitados de expor imediatamente o que nos levara ali porque a nossa interlocutora atacou diversos assuntos ligados às letras e nós fomos na onde do entusiasmo que percorreu os gestos e as frases de JUDIT.
Falou-se do movimento poético em Portugal, dos mais representativos valores da nossa poesia de hoje, da necessidade de contesto permanente com os bons poetas, da forma e dos temas (disse-nos que está a procurar novos), dos Jogos Florais de Goa, etc.
E a propósito deste certame, a poetisa declarou-nos que, por princípio, não gostava de concorrer. Lá terá as suas razões que achamos de mau gosto discutir.
E quando finalmente notamos que estávamos a roubar tempo de que a “funcionária dos Correios” precisava, lançamos, então o nosso pedido: queríamos um poema para o Número de Pascoa.
Olhou-nos, naquele modo simples e desprendido que define um temperamento e respondeu: “não sei se estarei à altura de qualquer coisa digna dum número especial, mas vou tentar satisfazer o seu desejo”.
Aquelas palavras saíram com tanta sinceridade, tão naturalmente, que nos impressionaram. É que na verdade é difícil alguém pensar tão mal de si como esta talentosa artífice do sonho. Felizmente para nós a poetisa não tem razão. A demonstrá-lo está este poema que Judit intitulou:
Poema da Rua
Eu ando sozinha
Amparada à minha sombra
Na rua.
Há tanta gente na rua
Mas a minha sombra
Continua
Amparando aquela que sou eu.
Tanta gente conhecida
Que agora na minha Vida
É como areia fugida
Por entre os dedos...
Olham-me e dizem segredos:
- “Sexta-Feira de Paixão
Uma sábia distraída...
É uma interrogação...
Parece que está na lua...”
Sei lá que mais, aqui, alem,
Murmura quando me vê
Esta gente que vai e vem
Na Rua
No vaivém da Vida
Envelhecendo...
Entrámos no edifício sem sabermos em que repartição trabalhava Judit Beatriz de Sousa. Deparamos com o Sr. José Souto que nos resolveu o problema, num gesto elegante que não podíamos deixar de trazer a público – foi ele mesmo a chamar a poetisa.
Já na frente daquele sorriso modesto um tanto ou quanto místico que nos embaraça, vimo-nos impossibilitados de expor imediatamente o que nos levara ali porque a nossa interlocutora atacou diversos assuntos ligados às letras e nós fomos na onde do entusiasmo que percorreu os gestos e as frases de JUDIT.
Falou-se do movimento poético em Portugal, dos mais representativos valores da nossa poesia de hoje, da necessidade de contesto permanente com os bons poetas, da forma e dos temas (disse-nos que está a procurar novos), dos Jogos Florais de Goa, etc.
E a propósito deste certame, a poetisa declarou-nos que, por princípio, não gostava de concorrer. Lá terá as suas razões que achamos de mau gosto discutir.
E quando finalmente notamos que estávamos a roubar tempo de que a “funcionária dos Correios” precisava, lançamos, então o nosso pedido: queríamos um poema para o Número de Pascoa.
Olhou-nos, naquele modo simples e desprendido que define um temperamento e respondeu: “não sei se estarei à altura de qualquer coisa digna dum número especial, mas vou tentar satisfazer o seu desejo”.
Aquelas palavras saíram com tanta sinceridade, tão naturalmente, que nos impressionaram. É que na verdade é difícil alguém pensar tão mal de si como esta talentosa artífice do sonho. Felizmente para nós a poetisa não tem razão. A demonstrá-lo está este poema que Judit intitulou:
Poema da Rua
Eu ando sozinha
Amparada à minha sombra
Na rua.
Há tanta gente na rua
Mas a minha sombra
Continua
Amparando aquela que sou eu.
Tanta gente conhecida
Que agora na minha Vida
É como areia fugida
Por entre os dedos...
Olham-me e dizem segredos:
- “Sexta-Feira de Paixão
Uma sábia distraída...
É uma interrogação...
Parece que está na lua...”
Sei lá que mais, aqui, alem,
Murmura quando me vê
Esta gente que vai e vem
Na Rua
No vaivém da Vida
Envelhecendo...
De longe veio um Poema
Alberto Barros e Sá anda por terras distantes, curtindo entre os solavancos da existência, uma saudade teimosa da sua querida Goa – desta mulher bonita que um dia adormeceu encostada ao Gates, ouvindo as lendas que o mar lhe contava, sôfrego do seu corpo dengoso e quente.
Não pudemos, por isso, tratar directamente da pretensão de “O Heraldo” com o goês que retratou a sua alma lírica nas páginas de O Destino – livro que ainda não apareceu em letra de Imprensa mas que se encontra pronto a seguir para a tipografia.
Felizmente há sempre alguém que se dispõe a colaborar, caso contrário não teríamos podido incluir nestes inéditos o poema que aí vai, cuja publicação foi autorizada pelo autor, através de pessoa amiga.
Tem, assim, o sabor de lembrança que se manda de longe, já que se não pode vir. Um aceno amigo que o homem do cais atira ao viajante desconhecido.
Daqui enviamos a Barros e Sá tudo o que nos é dado pelo seu gesto: a nossa gratidão e a nossa amizade. E que a poesia continue a guiá-lo nos caminhos da beleza, embora a quiséssemos menos subjectiva que nesta.
Visão
Sonhei em vão
Um sonho lindo
Que é feito dele?
Esvaiu-se
Quando sobressaltado
Me Levantei
Vi, vi no fantasma
Negro das trevas
Além, além
Os canteiros sinistros
Dum cemitério
Flores murchas
Flores amareladas
O vento agreste
Assobiando
Por entre lúgubres
Ciprestes
Súbito
Um estrondo
Neve que cai
Acompanhando
A celestial visão
Da minha bem amada,
Partiste, partiste
Sem um adeus
Sem uma palavra
Um beijo não pode
Selar a eterna jornada
Tanto abraçar-te, ó visão
Ó visão esmagadora
E eis que me foges
Um sonho.
Alberto Barros e Sá anda por terras distantes, curtindo entre os solavancos da existência, uma saudade teimosa da sua querida Goa – desta mulher bonita que um dia adormeceu encostada ao Gates, ouvindo as lendas que o mar lhe contava, sôfrego do seu corpo dengoso e quente.
Não pudemos, por isso, tratar directamente da pretensão de “O Heraldo” com o goês que retratou a sua alma lírica nas páginas de O Destino – livro que ainda não apareceu em letra de Imprensa mas que se encontra pronto a seguir para a tipografia.
Felizmente há sempre alguém que se dispõe a colaborar, caso contrário não teríamos podido incluir nestes inéditos o poema que aí vai, cuja publicação foi autorizada pelo autor, através de pessoa amiga.
Tem, assim, o sabor de lembrança que se manda de longe, já que se não pode vir. Um aceno amigo que o homem do cais atira ao viajante desconhecido.
Daqui enviamos a Barros e Sá tudo o que nos é dado pelo seu gesto: a nossa gratidão e a nossa amizade. E que a poesia continue a guiá-lo nos caminhos da beleza, embora a quiséssemos menos subjectiva que nesta.
Visão
Sonhei em vão
Um sonho lindo
Que é feito dele?
Esvaiu-se
Quando sobressaltado
Me Levantei
Vi, vi no fantasma
Negro das trevas
Além, além
Os canteiros sinistros
Dum cemitério
Flores murchas
Flores amareladas
O vento agreste
Assobiando
Por entre lúgubres
Ciprestes
Súbito
Um estrondo
Neve que cai
Acompanhando
A celestial visão
Da minha bem amada,
Partiste, partiste
Sem um adeus
Sem uma palavra
Um beijo não pode
Selar a eterna jornada
Tanto abraçar-te, ó visão
Ó visão esmagadora
E eis que me foges
Um sonho.
Nem tudo morreu ainda...
Um silêncio que vem morrer à porta, avisa-nos de que naquela casa se trabalha religiosamente, sem alardes nem cartazes.
Vencido o primeiro lanço de escada, o ambiente começou de infiltrar-se nas nossas intenções e, sem darmos por isso, achamo-nos frente à ideia de que não tínhamos o direito de desviar o tempo dum homem que, embora vencendo um ordenado, estava a contribuir naquilo que andava ao seu alcance, para uma obra marcadamente humanitária como é esta de valer a todos para quem a vida reservou o pior bocado – o bocado dos desgraçados.
Mas as circunstâncias impunham-se e lá fomos subindo e depois cortando à esquerda, para irmos para ao fundo dum corredor envidraçado, local onde Alfredo Lobato de Faria queima uma grande parte das suas horas, de caneta em punho.
Um aperto de mão. Duas palavras sobre o calor. O autor de Sombras acabou de preencher uma papeleta que tinha sob o domínio do aparo e acomodou-se no seu lugar, a saber ao que íamos.
Agradeceu-nos a lembrança que tivermos do seu “modesto nome” e prometeu-nos ajude.
Entretanto, vieram mais uns minutos de conversas quase inteiramente preenchidos pela palavra fluente e sentida do poeta. A análise do ambiente literário goês deixou-nos inteirados quanto ao carinho que estas coisas merecem a Lobato de Faria. E nós que temos a veleidade de nos supormos interessados num progresso cultural desta terra, aprendemos ali, na serenidade daquele santo, que nem tudo está perdido – pelo menos enquanto restar uma dedicação como a do poeta de
Sintetizando
Homem que vais por este mundo fora
Que queres ser tu mais, intelectual profundo
Ou simples afectivo, pobre embora?
Que queres ser, pois, cérebro facundo
Onde esplendem ideias luminosas,
Ou coração que em noites silenciosas
Chora a dor dos que penam neste Vale?
Que queres ser, qual é tua ambição?
Um Compte, Galileu, “divino” Antero,
São Francisco de Assis, Camões, Pascal,
Miguel Ângelo, Newton genial?
Que queres ser, qual é o teu ideal?
Um Intervalo na Prosa
Onze da manhã. No quartel da policia vai um movimento intenso. Horas de expediente que são iguais em toda a parte onde a burocracia entrou com todo o seu cortejo de impressos e assinaturas, verbetes e ofícios, participações e relatórios, autos e despachos, etc.
Indagamos do paradeiro de Leopoldo Menezes. A praça a quem nos dirigimos tomou a posição correcta de “sentido” e chamou um camarada – o que nos havia de conduzir à presença do poeta.
Fomos encontrar a nossa “vítima” num grupo discutindo qualquer assunto de serviço que, pelos vistos, estava a preocupar aquela meia dúzia de elementos, tal a vivacidade que púnhamos na troca de frases.
Interrompemos Leopolod que nos acolheu com um ar saudável de quem não faz força para ser cortês.
Finas as habituais cerimónias do “então, como vai, passou bem?”. Quisemos saber o que tinha produzido nos últimos tempos.
Que pouco, em verso. Na prosa é que estava a empregar o presentemente as suas horas vagas: duas obras de carácter histórico sobre Goa.
Foi quase um balde de água fria. A um poeta que está em época de prosa não se devem pedir favores de género que levamos engatilhado. E se não descobríssemos o jogo. Se disséssemos que tínhamos ido ali para saber novidades sobre os trabalhos literários do nosso amigo? Era talvez o melhor. Mas, assim, o Número da Páscoa não contaria com a sua colaboração!... Isso, de maneira nenhuma. Reunimos forças e “Eu vim aqui para lhe pedir um poema inédito”. Leopoldo Menezes perguntou-nos a que se destinava a produção. Satisfeita a sua curiosidade, acedeu.
Afinal, tinha sido mais fácil do que pensávamos. É que os verdadeiros poetas, trazem sempre na alma a beleza suficiente para conceber dois sonetos, sem que seja preciso quebrar a continuidade doutra empresa. E a prova aí vai.
Sonhar
Oh! Como é bom sonhar, embora uma mentira,
Ser sol e ser luar, uma estrela cadente,
Teu escravo, mulher, cantando uma lira,
O amor que me destrói matando lentamente!
Oh! Como é bom sonhar um sonho que delira
Como um beijo de hurí sensual e fremente,
Morremos a queimar sós numa ardente pira,
Num amplexo fatal que a morte nunca sente!
Oh! Como é bom sonhar, ser tudo e não ser nada,
Pigmeu ou titã, ser apenas pó de estrada,
Vento forte que obumbra ou um raio de luz!
Oh! Como é bom sonhar, ter o aroma da flor,
Viver só para amar, viver só có o amor,
Morrer no cadafalso ou aos pés duma cruel.
Nem Sempre o Sonho é Possível
Alberto de Menezes Rodrigues era, até há bem pouco, um desconhecido para nós – até ao dia em que nós informaram de que na tipografia Sadananda estava a imprimir-se um livro de versos – “Arroios” – cujo autor vivia em Goa Velha e trabalhava em Pangim, como oficial da Fazenda.
Tivemos mais tarde ocasião de falar ao poeta e de lhe exprimir a nossa satisfação por vermos mais um filho de Goa a procrar o caminho das letras.
Era, portanto, uma porta que não deixaria de se abrir para nos acolher. E não hesitamos.
Grupos apressados entram e saem, num movimento descomendado, ao sabor do tempo disponível e da urgência dos assuntos. Cá fora, as sete letras, enormes e inalteráveis, lá vão atirando para cima do contribuinte todo o vigor da sua presença “Paga!”.
Após um série de perguntas e respostas provocadas pela nosso desejo de encontro com o autor de “Arroios” chegamos a uma sala espaçosa, de semi-penumbra, onde um grupo de funcionários se entregava aos papeis que tinha sob os olhos, numa concentração que era quase volúpia.
Alberto de Menezes Bragança não estava, de momento, mas não tardaria. Efectivamente, poucos minutos decorridos, eis-nos a lançar o golpe de misericórdia. O nosso interlocutor “parou” admiravelmente este “bote dos cem luzes”. Nem pestanejou. Levou as mãos ao rosto, num gesto de quem vai pensar, e disse-nos que não lhe era possível produzir um poema para a data que nós queríamos. No entanto, como lhe custava deixar de nos ser agradável, extrairia um do livro que tinha no prelo. É esse que inserimos abaixo e que não nos parece mal esolhido.
Aquela melodia...
Um silêncio que vem morrer à porta, avisa-nos de que naquela casa se trabalha religiosamente, sem alardes nem cartazes.
Vencido o primeiro lanço de escada, o ambiente começou de infiltrar-se nas nossas intenções e, sem darmos por isso, achamo-nos frente à ideia de que não tínhamos o direito de desviar o tempo dum homem que, embora vencendo um ordenado, estava a contribuir naquilo que andava ao seu alcance, para uma obra marcadamente humanitária como é esta de valer a todos para quem a vida reservou o pior bocado – o bocado dos desgraçados.
Mas as circunstâncias impunham-se e lá fomos subindo e depois cortando à esquerda, para irmos para ao fundo dum corredor envidraçado, local onde Alfredo Lobato de Faria queima uma grande parte das suas horas, de caneta em punho.
Um aperto de mão. Duas palavras sobre o calor. O autor de Sombras acabou de preencher uma papeleta que tinha sob o domínio do aparo e acomodou-se no seu lugar, a saber ao que íamos.
Agradeceu-nos a lembrança que tivermos do seu “modesto nome” e prometeu-nos ajude.
Entretanto, vieram mais uns minutos de conversas quase inteiramente preenchidos pela palavra fluente e sentida do poeta. A análise do ambiente literário goês deixou-nos inteirados quanto ao carinho que estas coisas merecem a Lobato de Faria. E nós que temos a veleidade de nos supormos interessados num progresso cultural desta terra, aprendemos ali, na serenidade daquele santo, que nem tudo está perdido – pelo menos enquanto restar uma dedicação como a do poeta de
Sintetizando
Homem que vais por este mundo fora
Que queres ser tu mais, intelectual profundo
Ou simples afectivo, pobre embora?
Que queres ser, pois, cérebro facundo
Onde esplendem ideias luminosas,
Ou coração que em noites silenciosas
Chora a dor dos que penam neste Vale?
Que queres ser, qual é tua ambição?
Um Compte, Galileu, “divino” Antero,
São Francisco de Assis, Camões, Pascal,
Miguel Ângelo, Newton genial?
Que queres ser, qual é o teu ideal?
Um Intervalo na Prosa
Onze da manhã. No quartel da policia vai um movimento intenso. Horas de expediente que são iguais em toda a parte onde a burocracia entrou com todo o seu cortejo de impressos e assinaturas, verbetes e ofícios, participações e relatórios, autos e despachos, etc.
Indagamos do paradeiro de Leopoldo Menezes. A praça a quem nos dirigimos tomou a posição correcta de “sentido” e chamou um camarada – o que nos havia de conduzir à presença do poeta.
Fomos encontrar a nossa “vítima” num grupo discutindo qualquer assunto de serviço que, pelos vistos, estava a preocupar aquela meia dúzia de elementos, tal a vivacidade que púnhamos na troca de frases.
Interrompemos Leopolod que nos acolheu com um ar saudável de quem não faz força para ser cortês.
Finas as habituais cerimónias do “então, como vai, passou bem?”. Quisemos saber o que tinha produzido nos últimos tempos.
Que pouco, em verso. Na prosa é que estava a empregar o presentemente as suas horas vagas: duas obras de carácter histórico sobre Goa.
Foi quase um balde de água fria. A um poeta que está em época de prosa não se devem pedir favores de género que levamos engatilhado. E se não descobríssemos o jogo. Se disséssemos que tínhamos ido ali para saber novidades sobre os trabalhos literários do nosso amigo? Era talvez o melhor. Mas, assim, o Número da Páscoa não contaria com a sua colaboração!... Isso, de maneira nenhuma. Reunimos forças e “Eu vim aqui para lhe pedir um poema inédito”. Leopoldo Menezes perguntou-nos a que se destinava a produção. Satisfeita a sua curiosidade, acedeu.
Afinal, tinha sido mais fácil do que pensávamos. É que os verdadeiros poetas, trazem sempre na alma a beleza suficiente para conceber dois sonetos, sem que seja preciso quebrar a continuidade doutra empresa. E a prova aí vai.
Sonhar
Oh! Como é bom sonhar, embora uma mentira,
Ser sol e ser luar, uma estrela cadente,
Teu escravo, mulher, cantando uma lira,
O amor que me destrói matando lentamente!
Oh! Como é bom sonhar um sonho que delira
Como um beijo de hurí sensual e fremente,
Morremos a queimar sós numa ardente pira,
Num amplexo fatal que a morte nunca sente!
Oh! Como é bom sonhar, ser tudo e não ser nada,
Pigmeu ou titã, ser apenas pó de estrada,
Vento forte que obumbra ou um raio de luz!
Oh! Como é bom sonhar, ter o aroma da flor,
Viver só para amar, viver só có o amor,
Morrer no cadafalso ou aos pés duma cruel.
Nem Sempre o Sonho é Possível
Alberto de Menezes Rodrigues era, até há bem pouco, um desconhecido para nós – até ao dia em que nós informaram de que na tipografia Sadananda estava a imprimir-se um livro de versos – “Arroios” – cujo autor vivia em Goa Velha e trabalhava em Pangim, como oficial da Fazenda.
Tivemos mais tarde ocasião de falar ao poeta e de lhe exprimir a nossa satisfação por vermos mais um filho de Goa a procrar o caminho das letras.
Era, portanto, uma porta que não deixaria de se abrir para nos acolher. E não hesitamos.
Grupos apressados entram e saem, num movimento descomendado, ao sabor do tempo disponível e da urgência dos assuntos. Cá fora, as sete letras, enormes e inalteráveis, lá vão atirando para cima do contribuinte todo o vigor da sua presença “Paga!”.
Após um série de perguntas e respostas provocadas pela nosso desejo de encontro com o autor de “Arroios” chegamos a uma sala espaçosa, de semi-penumbra, onde um grupo de funcionários se entregava aos papeis que tinha sob os olhos, numa concentração que era quase volúpia.
Alberto de Menezes Bragança não estava, de momento, mas não tardaria. Efectivamente, poucos minutos decorridos, eis-nos a lançar o golpe de misericórdia. O nosso interlocutor “parou” admiravelmente este “bote dos cem luzes”. Nem pestanejou. Levou as mãos ao rosto, num gesto de quem vai pensar, e disse-nos que não lhe era possível produzir um poema para a data que nós queríamos. No entanto, como lhe custava deixar de nos ser agradável, extrairia um do livro que tinha no prelo. É esse que inserimos abaixo e que não nos parece mal esolhido.
Aquela melodia...
E abrindo a porta envidraçada
Que dava para o terraço,
Um jovem alto e formoso
Avançou, vagaroso,
Até à balaustrada.
A casa era branca e cercada
De altivos coqueiros
E tinha, à sua frente,
Um jardim virante,
Que espalhava no ambiente
Aroma suave e fino,
Ele trazia na mão um violino
E havia muita tristeza
Nos seus lindos olhos.
Àquela hora silenciosa,
Em que ia alta a noite,
A Lua subia majestosa
Pelos caminhos azuis do céu,
Derramando, com profusão,
Argêntea claridade.
O mancebo ergueu os olhos para o alto,
Em calma contemplação.
Depois os poisou sobre as plantas floridas,
Aspirando, com serenidade,
As fragrâncias que elas rescendiam
E, por fim, começou a tocar...
Uma música melodiosa
Ressoava agora no ar.
Era triste, mas tão harmoniosa
Que não parecia deste mundo,
Mas das longínquas regiões do Azul.
Aquelas notas vibrantes
Eram a expressão sublime
Da dor
Que amargurava a vida
Do moço tocador.
A Natureza, em silêncio,
Escutava-as embevecida.
Havia murmúrios das flores,
Em baixo, no jardim.
Uma rosa, comovida,
Virando-se para o cravo vizinho,
Estas palavras lhes soltam aos ouvidos
De mansinho:
“Que harmonia é essa
Que me enleva e domina?
Em toda a minha vida,
Música não ouvi
Tão amena e divina!”
E o cravo lhe cochichou,
Tristemente sorrindo:
“Na serenidade maravilhosa
Daquele semblante
Eu vejo nítidos reflexos
Dum sofrimento incessante,
Que dilacera essa alma formosa.
Mas escutamos com atenção.
Pois agora a melodia
Tem não sei quê de magia.”
Nesse momento vibrou no ar
Um anseio enternecido:
“Eu quisera reclinar-me
Sobre aquele peito dolorido,
Para lhe aliviar o amargor
Com o meu suave olor!”
Era a voz dum mogarim
Que alvejava no jardim.
Com efeito, o violino
Era sublime, sublime,
Que maviosidade ele espalhava
Naquele ameno recinto!
O arco ligeiro
Agora deslizava
Apenas sobre a prima,
Num arranco impressionante,
Soberbo culminante!
E chegou, afinal, o momento
Em que o exímio violinista
Cessou de tocar.
Depois, mansamente,
Se recolheu ao seu aposento.
Instantes após,
Na amplidão enluarada,
Uma voz maviosa
Tremente, ressoou
Da trepadeira
Das cinco chagas
Que crescia viçosa,
Enroscando-se às balaustradas,
Do alvo terraço,
Uma flor graciosa
Desatou a falar:
“Eu vi de parte o violinista
Moço formosos, cujo olhar
Era triste, mas fascinantes
Eu escutei, com muita emoção,
Qual comovida amante,
O brando arfar
Daquele triste peito.
Algumas pétalas minhas
Quase que tocaram
Nas suas vestes branquinhas,
Ouvi, ó esbeltas flores,
Atentamente,
O que vos vou agora contar!
Precisamente no instante
Em que ele cessou de tocar,
Do seu olho direito
Uma lágrima brilhante
Eu vi brotar,
Que, logo depois,
Resvalando rapidamente
Pela face ebúrnea,
No meu seio tombou.
Ai, que comoção
Nesse momento senti!
Julguei que me rebentava
O coração,
Que dava para o terraço,
Um jovem alto e formoso
Avançou, vagaroso,
Até à balaustrada.
A casa era branca e cercada
De altivos coqueiros
E tinha, à sua frente,
Um jardim virante,
Que espalhava no ambiente
Aroma suave e fino,
Ele trazia na mão um violino
E havia muita tristeza
Nos seus lindos olhos.
Àquela hora silenciosa,
Em que ia alta a noite,
A Lua subia majestosa
Pelos caminhos azuis do céu,
Derramando, com profusão,
Argêntea claridade.
O mancebo ergueu os olhos para o alto,
Em calma contemplação.
Depois os poisou sobre as plantas floridas,
Aspirando, com serenidade,
As fragrâncias que elas rescendiam
E, por fim, começou a tocar...
Uma música melodiosa
Ressoava agora no ar.
Era triste, mas tão harmoniosa
Que não parecia deste mundo,
Mas das longínquas regiões do Azul.
Aquelas notas vibrantes
Eram a expressão sublime
Da dor
Que amargurava a vida
Do moço tocador.
A Natureza, em silêncio,
Escutava-as embevecida.
Havia murmúrios das flores,
Em baixo, no jardim.
Uma rosa, comovida,
Virando-se para o cravo vizinho,
Estas palavras lhes soltam aos ouvidos
De mansinho:
“Que harmonia é essa
Que me enleva e domina?
Em toda a minha vida,
Música não ouvi
Tão amena e divina!”
E o cravo lhe cochichou,
Tristemente sorrindo:
“Na serenidade maravilhosa
Daquele semblante
Eu vejo nítidos reflexos
Dum sofrimento incessante,
Que dilacera essa alma formosa.
Mas escutamos com atenção.
Pois agora a melodia
Tem não sei quê de magia.”
Nesse momento vibrou no ar
Um anseio enternecido:
“Eu quisera reclinar-me
Sobre aquele peito dolorido,
Para lhe aliviar o amargor
Com o meu suave olor!”
Era a voz dum mogarim
Que alvejava no jardim.
Com efeito, o violino
Era sublime, sublime,
Que maviosidade ele espalhava
Naquele ameno recinto!
O arco ligeiro
Agora deslizava
Apenas sobre a prima,
Num arranco impressionante,
Soberbo culminante!
E chegou, afinal, o momento
Em que o exímio violinista
Cessou de tocar.
Depois, mansamente,
Se recolheu ao seu aposento.
Instantes após,
Na amplidão enluarada,
Uma voz maviosa
Tremente, ressoou
Da trepadeira
Das cinco chagas
Que crescia viçosa,
Enroscando-se às balaustradas,
Do alvo terraço,
Uma flor graciosa
Desatou a falar:
“Eu vi de parte o violinista
Moço formosos, cujo olhar
Era triste, mas fascinantes
Eu escutei, com muita emoção,
Qual comovida amante,
O brando arfar
Daquele triste peito.
Algumas pétalas minhas
Quase que tocaram
Nas suas vestes branquinhas,
Ouvi, ó esbeltas flores,
Atentamente,
O que vos vou agora contar!
Precisamente no instante
Em que ele cessou de tocar,
Do seu olho direito
Uma lágrima brilhante
Eu vi brotar,
Que, logo depois,
Resvalando rapidamente
Pela face ebúrnea,
No meu seio tombou.
Ai, que comoção
Nesse momento senti!
Julguei que me rebentava
O coração,
Eu recolhi, com grande ternura,
Essa lágrima ardente e pura,
Dádiva generosa
Que o Eterno enviou
Para avaliar a dor
Daquela alma desditosa.
Mas que vendaval feroz
Passou por aquele coração,
Na primavera da vida,
Nessa linda idade
De sonhos e ambições?
Ai longe de mim a intenção
De perscrutar
O segredo que oculta
A tremenda desventura
Que o tortura!
Ó lágrima silenciosa!
Lágrima cristalina!
A ti que és a coroa gloriosa
Do desventurado tocador
E que agora tremeluzes formosa
Na minha corola virginal,
Eu te contemplo, com intenso amor!
Bendita sejas tu, bendita sejas,
Ó lágrima ideal!”
Essa lágrima ardente e pura,
Dádiva generosa
Que o Eterno enviou
Para avaliar a dor
Daquela alma desditosa.
Mas que vendaval feroz
Passou por aquele coração,
Na primavera da vida,
Nessa linda idade
De sonhos e ambições?
Ai longe de mim a intenção
De perscrutar
O segredo que oculta
A tremenda desventura
Que o tortura!
Ó lágrima silenciosa!
Lágrima cristalina!
A ti que és a coroa gloriosa
Do desventurado tocador
E que agora tremeluzes formosa
Na minha corola virginal,
Eu te contemplo, com intenso amor!
Bendita sejas tu, bendita sejas,
Ó lágrima ideal!”
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