Friday 17 April 2015

Laxmanrao Sardessai - Sou Teu Filho (1966)

Disse-me ontem uma velha,
Gaudi encarquilhada,
Afagando a minha cabeça:
“Filho, tu não és brâmane”.
“Sim, mãe - respondi enternecido –
Nasci brâmane, mas sou gaudó,
Como teu Vassu, escuro e forte,
Durmo no chão raso
Por ti artisticamente embostado.
Como do ‘ambil’ que me dás,
Em companhia de teus netinhos.
Extasiado fico a contemplar
As esbeltas arequeiras
Que as tuas filhas regam,
Acaricio com admiração,
Os caules alabastrinos das bananeiras
E, às vezes, enfio um langotim
E lavo-me contente
Na água pura da fonte
E, depois, como o mais feliz dos entes,
Estendo-me na relva
A absorver a ternura
A carícia e o conforto
Dos raios do sol nascente
E, quando durmo, o meu espírito
Estende a sua asa
Sobre os teus miúdos
Que trabalham de dia
E dormem de noite
O sono dos santos.
E tu, às vezes, de madrugada,
Enquanto lá fora
Os galos cantam
E o orvalho desce dos céus
E o vento sopra frígido
Vens para fora, de mansinho,
E estendes sobre o meu corpo estirado
O teu velho ‘cambol’.
Sim, mãe, sou gaudó
E sou teu filho!



Walfrido Antão - De praias que vão de Cavelossim a Cola: A extração de areia e o estudo científico de Urbano Lobo (1975)

Tradução e comentário de Walfrido Antão

‘V. tem de publicar isso porque ama Goa. Nós lutamos juntos em Velção, logo temos de lutar pelas praias dos nossos ancestros”
- de uma carta de Urbano Lobo, Chartered Civil Engineer (Londres e América)

Por motivos pessoais não gosto de visitar praias do sul de Salsete (de Cola a Cavelossim) ou escrever sobre o que se passa. Mas o Engenheiro Urbano Lobo foi meu camarada, meu guia científico na tragédia da terra calcinada e peixe morto em Velção e os goeses jamais podem esquecer este homem fidalgo de um Bardez fidalgo que veio ajudar as crianças de Velção numa época quando até os biologistas eram comprados a preço de oiro. Como recusar? Ou não seria eu jornalista atento ao que vai suceder no litoral daqui a uns anos e o povo de humildados já não terá nem várzeas para cultivar nem casas para morar: a terra atrasada como em Andhra Pradesh de 1977 ou Kerala.

Como jornalista tenho de esquecer agravos pessoais até esquecer que algumas das concessões (as ‘mining leases’ não precisam de autorização) para extração de areia ficam em terra dos meus ancestros que fiéis à agricultura deixaram lugares de Juiz de Calangute, ou Pandá ou de Consul do Brasil para plantar cajueiros e levantar um coqueiral, tudo porque ao jornalista cabe avisar o povo, e o governo do que virá a acontecer. Foi-se a terra e a areia.

Ao jornalista não interessa entrar em confronto com o Governo Local, apenas levar ao conhecimento dos leitores o estudo científico dum grande homem de Goa, o Engenheiro Lobo que gastando do seu bolso está a defender desde Velção a Cavelossim as dunas de areia por que elas são o contraforte, a muralha de defesa contra ciclone e os ventos que sopram do mar. Aos cuidados de Goa, especialmente à juventude do Chowgule College e Carmel College, fazemos este apelo para que não se abra mais um desastre em Goa. Não se trata de uma agitação popular ou populista mas da própria existência a sobrevivência das populações do litoral de Salsete num futuro não muito longínquo.

Visitei em companhia do meu amigo, o Engenheiro Civil Vicente Correia-Afonso a longa península de Mabor em Cavelossim e oferecemos juntos satyagraha em simpatia e solidariedade com os membros, simpatizantes do Anti-Sand Extraction Committee em Cavelossim.

Correia-Afonso foi meu companheira da primeira e única adolescência e vibra em não ser anti, ele é sempre do pró positivo e construtivo, uma atitude na vida. Mas juntamente com os satyagrahas sentimos a grandeza moral da ação não violenta, o exemplo de Mahatma Gandhi pairando alto no coreto onde nós sentimos a imoralidade das concessões de extração da areia, a humilhação dos ofendidos pelos tractores que levam o baluarte da ecologia e da defesa que a natureza criou. Quando os ramponkares me contaram que até as redes sentiam a variaçãoo do seabed devido à extração da areia, a humilhação dos ofendidos pelos tractores que levam o baluarte da ecologia e da defesa que a natureza criou. Quando os ramponkares me contaram que até as redes sentiam a variação do seabed devido à extração da areia fiquei a pensar se Mathany Saldanha, dos homens do mar, ele próprio filho e neto do litoral não estaria interessado neste movimento em defesa da terra sagrada de Goa.

O litoral, desde a baía de Cola junto a Velção até Mabor é um longo panorama de coqueirais levantados por filhos e netos de antigos batecares. Não seria sua responsabilidade defender a terra da erosão ou pensam talvez que isto é para agitadores profissionais? Triste será o destino dos pais com filhos estabelecidos no litoral de Salsete se não clamarem hoje, nesta hora, pela salvação da sua Terra.

O egoísmo, o cada um para si e Deus para todos deve ser letra morta hoje.

Passo a traduzir agora excertos importantes do trabalho do Eng. Urbano Lobo e estamos contratando o Lok Nayak Jayapracash Naraia no sentido de intervir junto do Governo Local para salvar as nossas praias.

‘A Ecologia de dunas de areia ao longo das praias de Salsete’

1 – As dunas de areia das praias de Salsete entre Velção, Cansaulim e Arossim no norte e Cavelossim Mabor no sul são uma paisagem familiar como uma endeixa virgem de areia branca e luminosa. Para todos os fins geológicos a inteira costa de Salcete pode se considerar como parte do antigo ‘sea bed’

2 - As dunas de areia são um sinal, um aviso do equilíbrio ecológico entre as poderosas forças do oceano – ondas, ventos e correntes, de um lado, e a resistência natural da terra forme de outro lado. Uma praia estável no sentido geológico tem duas linhas de dunas de areia a duna do mar paralela às praias molhadas e a duna da terra também paralela ao mar a uma distância que varia entre 100 e 500 metros do mar. Entre estas duas filas de dunas, fica um deserto de areia com pequenas elevações cá e lá onde as crianças costumam brincar e os antigos proprietários plantavam conqueirais.

3 – A duna do mar forma-se pela ação violenta das ondas que lançam areia até uma altura de cinco metros e assim se constituía a primeira linha de defesa que contém as furiosas ondas das monções que ameaçam desde junho a setembro o litoral de Salsete. A Natureza, sempre a natureza protegendo o povo de Goa.

A segunda linha de defesa das dunas de área na terra firme forma-se devido aos ventos do vernao que vão arrastando a areia já seca até onde houver vegetação e acumulando-se a uma duna de 10 metros de altitude como em Cavelossim. Estas dunas de areia na terra firme que concessionários de Mining Lease sem escrúpulos cavavam até a uma profundidade de cinco metros criando poças de água das monções viveiro de mosquitos era o sítio de antigos coqueirais e cajueirais e Urbano Lobo.

Wednesday 4 March 2015

Laxmanrao Sardessai - Avante, Goeses, Avante! (1966)

Avante, goeses, avante!
Que está próxima a batalha
Que decidirá a vossa sorte.
Estão do vosso lado
A Verdade e a Justíça,
A Honra e a Dignidade
E, doutro lado,
A ambição do mando,
A cupidez nojenta,
Indignidades sem conta,
A mentira e a doblez,
A traição e a maquinação.
É a luta entre dois princípios
O princípio do bem
E o princípio do mal.
Depende de vós a vitória
Dessa batalha imposta
Ao vosso povo pacato
Em nome da Democracia
Que entre nós está moribunda.
Na sua nudez a pergunta é esta:
Que quereis?
Viver na vossa terra
Ou lançar-vos ao mar?
A que miséria a Democracia
Vos lançou, santo Deus!?
Viver ou morrer?
Morrer é, de certo, diluir-se
Um povo na mole heterogénia doutro.
Vós, através da longa história,
Prezastes a honra e a dignidade.
Proclama ao mundo
Que sois um povo distinto.
A vossa língua e os vossos costumes
O vosso temperamento
E a vossa cultura,
A vossa humanidade
E o vosso intelecto
Não são para serem
Apagados ou suprimidos
Da face da terra.
Não! Não!
Cave-vos, goeses,
Repelir a afronta
Esquecer por amor
Dos vossos avoengos,
Vossas rixas e ódios,
E as vaidades que vos minam,
Provar que os goeses têm um único partido,
Partido duma Goa una e livre,
Arrojai aos ventos
As diferenças que vos dividem,
Que mesquinhas ambições alimentais
Quando o povo é arrastado para o abismo!
Em que miseráveis partidos
Vos entretendes
Quando o inimigo procura
Calcar-vos, reduzir-vos à poeira,
Que criminosa negligência a vossa,
Quando as fileiras do inimgo
Se cerram
Para os fins da peleja.
Amigos! Sacudi, sem demora,
A letargia e a modorra!
Abraçai os ignorantes e os pobres
Preparai-os com sacrifícios
Para a luta.
Levei a cada casa
A mensagem da guerra –
Guerra contra ambições do mando - !
Sacrificai tudo!
Para salvar a terra,
Terra de vossos pais
E de vossos filhos.
Terra que está
Em iminente perigo
Por culpa dos vossos.
Avante, goeses, avante
E a vitória será vossa!

Tuesday 17 February 2015

Walfrido Antão - A Telefonia e a Língua Portuguesa: Uma Contribuição Válida ou de um Programa da ‘Peoples High School’ (1982)

“O Indiano é individualista e por isso o sistema democrático dá-se bem na Índia”- Indira Gandhi falando recentemente em Londres

“Vamos abrir uma janela sobre a cultura ocidental” – Mahatma Gandhi

“É bom, é saudável, cada um orgulhar-se da sua língua mãe, mas odiar uma outra língua é fanatismo de pior espécie

“Minha pátria é a língua portuguesa!” – do poeta António Barahona, referenciado num artigo por Dr. Carmo Azevedo.

Martinho Noronha, sacerdote e intelectual que conhece como raros em Goa ao lado de Carmo Azevedo, Mário Cabral e Sá, o segredo, o mistério da Palavra Portuguesa, teve um dia esta resposta realista quando lhe foram pedir para fazer uma conferência sobre o “Futuro da Língua Portuguesa em Goa”: “Olha, primeiro não sou um astrólogo para predizer o futuro e depois, de momento, o que me interessa é fortalecer a minha língua - o konkani”. Não sei até que ponto o cultivo da língua portuguesa pode afectar o desenvolvimento da literatura konkani, mas estou convencido da verdade das palavras do Mahatma – “É preciso abrir uma janela sobre a cultura ocidental...”

Entre as instituições de ensino secundário na língua inglesa que tomaram o risco e a coragem de introduzir o português como língua secundária encontra-se a prestigiosa e coroada de louros “People’s High School” do Prof. Surlakar em Fontainhas. A professora encarregada de ensinar o português em casa nem por assim dizer tem contacto algum com a cultura portuguesa é uma jovem senhora da cidade, Celina Velho e Almeida, que começou a sua vida académica no velho Liceu tendo passado o 7o ano de letras grupo C e mais tarde feito o BA e Master of Education na Universidade de Bombaim.

Como me notou o Pe. Filinto Cristo Dias a quem referi estes casos de devoção à língua portuguesa – é um verdadeiro apóstolo. Sem alarde, na rotina do dia a dia por entre bancos escolares e a palmatória ausente, a palavra portuguesa volta a ecoar a mensagem de um Humanismo que chegou à Índia em 1498...

Nestas condições foi um acto de Reconhecimento e justiça a apresentação no programa Renascença de um acto de variedades dos alunas da escola People’s High School sob a direcção da sua Profa. Celina Velho e Almeida.

A abrir o Programa, Ninfa Fernandes declamou uma bem substanciosa poesia que talvez não ficasse muito a calhar num programa de meninos, mas senões desses não desfeiam a beleza do esforço humano. Sulana Costa revela-se como um voz para a canção popular portuguesa e a sua participação é digna de nota. Mas Sadhna Mahtme impôs-se-me como a expressão da adaptabilidade do gênio hindu a uma cultura estrangeira, a louçania fresca da inocência usando da palavra portuguesa como um meio de comunicação com os rádio-ouvintes, a voz da Índa falando de uma outra Pátria onde há meninas também que sonham e amam a Índia na caminhada para a Pátria Universal de um ‘horizonte sem fronteiras’ como queria o nosso poeta Orlando Costa.

Nesta época de aproximação de culturas, Indiana e Portuguesa, e quando a Gulbenkian pretende patrocinar a ida a Portugal de 3 jovens goeses, levamos ao conhecimento do Público e em especial, da sociedade da Língua Portuguesa, cujo Coordenador Local, Dr. Carmo Azevedo, com certeza deve estar a processar as sugestões sob o critério na escolha dos representantes indianos.

Felicitamos sinceramente a Profa. Celina Velho e Almeida que não obstante as preocupações do ensino da língua portuguesa toma cuidado em amorosamente transmitir toda a Poética ou Palavra Portuguesa, talvez contribuindo para o ideal da Pátria Universal.

Remígio Botelho - De Profundis (1968)

E o Dia veio
Levar-lhe ao seio
Da terra amada,
E lá foi ela –
A doce estrela
Da madrugada.

Lá foi ela –
A alma bela
De sonhador
Ungida
E possuída
De luz e cor.

Alma tão plena
De poesia
A alegria
Da morena
Que apanha
Lírios brancos
Pelos flancos
Da montanha;
A mansidão
Da lua cheia
Que vagueia
Na amplidão
E o fervor
Dos rishis
Ardendo de amor
Em lâmpadas rubis.

Ardendo ainda
De saudade
Da ilha linda
Onde passara
A mocidade –
A seara

Que ondeia
Pela aldeia
Casas de Deus
Que se elevam
Até os céus;
E os oiteiro
Onde rezam
Os cajueiros.

Lá foi ela
Para o além...
Mas dela
Inda nos vem
Um ardor
Abrasador
E risonho –
A flama
Que o proclama
Veleiro do sonho
E do luar,
No altar
Da História



E da Gl

Wednesday 4 February 2015

Laxmanrao Sardessai - Zalach Pahije (1965)

Se Deus é do mundo o pai,
Desta terra o é Nath Pai
Porque nos ensinou a pronunciar
“Zalach Pahije”!

Deus antes da criação,
Pronunciou ‘Fiat lux’
Mas, após a eleição,
Vassantrao Naik
“Zalach Pahije”!

Deus guia o universo inteiro
Para a salvação
E Esvantrao Chavan
Esta mimosa terra
Para a perdição
Com o seu mantra
“Zalach Pahije”!

Sou um ignorante
Mas, em vez de instrução,
Sempre me impingem
“Zalach Pahije”!

Sou um indigente
E persegue-me a fome
Mas dão-me, volta e meia,
“Zalach Pahije”!

Sou um enfermo
E sofro da malária,
Mas ministram-me
Dia e noite doses
“Zalach Pahije”!

Sou um manducar
E para ser batcar
- Dizem – devo rezar
“Zalach Pahije”!

Sou um eleitor
E prometeram-me
O paraíso inteiro
Contanto que diga
Sem cessar
“Zalach Pahije”!

Sou um mestre-escola
Mas forçado – sina minha! –
A ensinar
A crianças inocentes
“Zalach Pahije”!

Na nossa aldeia
Quem não tem ocupação
E nos negócios alheios
Mete o seu bedelhom
É conhecido como
“Zalach Pahije”!

Aparece nos templos
E nas escolas,
Nos bares e nos bazares,
A odiosa coruja
De “Zalach Pahije”!

A maneira de fantasma
Que persegue a sua vítima,
Persegue em toda a parte
O goês inocente –
O fantasma –
De “Zalach Pahije”!

Tem entrada
Em todos os círculos
Quem possui
O santo e a senha
De “Zalach Pahije”!

Suga o sangue
Do pacato cidadão
A sangue-suga nojenta
De “Zalach Pahije”!

Do coração soturno
Do falido MG
Sai o rouco mugido
De “Zalach Pahije”!

O álcool de alto grau
Faz ao embriagado
Vomitar bílis
Contra quem quer,
Assim tem sido
O “Zalach Pahije”!

Desvirtua e deshonra,
Abandalha e corrompe
O slogan assolador
De “Zalach Pahije”!

Conflitos na família
Conflitos na sociedade,
Conflitos com os amigos,
Conflitos com os vizinhos,
A raiz de todos eles
Está no “Zalach Pahije”!

A mentira e a hipocrisia,
O crime e a aleivosia
São fruto vergonhoso
De “Zalach Pahije”!

O fantasma hediondo
Que profana a dignidade
Vilipendia o amor,
Cospe no passado
E adultera o futuro
É “Zalach Pahije”!

O fantasma hediondo
Que profana a dignidade,
Vilipendia o amor,
Cospe no passado
E adultera o futuro
É “Zalach Pahije”!

Se, ó goês, queres
Viver em paz e harmonia,
Repele quanto antes
A ignominia fatal
De “Zalach Pahije”!

Levanta-te e trabalha
E não está longe o dia
Em que volte
Para a terra da sua origem
A peste maldita
De “Zalach Pahije”!

Laxmanrao Sardessai - A Minha Velhice (1966)

- Estás velho, amigo –
Duvido. Mas tenho sessenta, sim –
- Não basta para ser velho?
- Não! Tenho a fescura da relva
E o vigor da palmeira
Tenho o fulgor do sol
E a ligeireza do vento
Tenho a esperança da alvorada
E o ideal do sonho
Tenho a clareza da fonte
E a firmeza do monte
Tenho a ternura do santo
E o fogo do raio
- Mas donde lhe vêm esses raros dons?
- Da tua bondade, amigo.
E da tua vasta simpatia
Que, como tu, milhares me dispensam.