Sunday 14 December 2014

Leopoldo Garcez Menezes - Jardim de Allah (1952)

No lindo jardim de Allah
De mil noites e de fadas,
Dançam moiras encantadas
Sob um luar e opala.

Os seus olhos são punhais
Através do lindo véu,
E os seus corpos sensuais
São das huris lá do céu.

Vem comigo, meu amor,
Que m’estás a enfeitiçar,
A acalma-me esta dor
Com a luz do teu olhar.

Paraiso oriental
Que encanta e enebria,
Jardim de luz e magia
Como não há outro igual.

Deixou-me extasiado
Nem sei minh’alma que sente,
Quero viver ao teu lado
No jardim eternamente.

No teu regaço, ó flor,
Peço-te p’ra m’embalar,
Que este meu sonho de amor
Só contigo há-de findar.

Eduardo Monteiro - O Velho Mar (1961)

... O Mar vinha cansado e bramia...
Enrolada num calmo entardecer,
A praia ouvia-lhe os gemidos amodorrados
Num suave estremecer de colorações de anil...
Escutava, serena, os ralhos de um pai já velho,
Que a roda dos tempos tornara rabujento,
Num gesto condescendente de filha submissa.
Eram os soluços de sempre!

... A lassidão de um monstro que, enganado correu mundo.
Soçobrou embarcações e náufragos,
Enraivecido flagelou rochedos
E arrancou do seio escaldante dos desertos
Maldições terríveis e segredos;
A confissão sincera de um penitente
Que, manso, vai pedir durante a noite
O perdão álgido de remotas areias e paragens;

A alegria infantil, a ingenuidade
De um colosso poderoso
Que brincava com as árvores da beira-mar
E as arrancava
Julgando inocente o seu brincar;

Em suma, o grito de revolta de um ser ludibriado
Que, depois de correr todo o mundo, cai em si,
E encontra corpo seu onde tinha começado...

... É noite alta. A praia escuta. Os búzios repetem,
Fiéis trombetas à ordem do Mar. Só as palmeiras vizinhas,
De cabeleira desgrenhada, parecem discordar,
As suas palmas dançando na aragem
Assobiam mansinho, numa pateada surda,

Os feitos do Velho Mar!

Walfrido Antão - De Mobor a Agonda (Canácona) ou Desenvolvimento, Para Quem? (1982)

“O problema hoje não é de ECOLOGIA ou de extração da AREIA das praias de MOBOR, mas o de Desenvolvimento, para quem? E à custa de quem? 200 famílias, milhares de pescadores e lavradores de palmeiras não vão gozar de um hotel de cinco estrelas com piscinas e aeródromos...

Mas não sei, às vezes é tão difícil escolher numa situação existencial: seria melhor a excavação na Praia para levar a AREIA ou um hotel?”

Era uma noite magoada de 76 ou 77. Vieram contar-me a mãe proletária de Francisco Rodrigues, o grande idealista pioneiro dos movimentos ecológicos em Goa, havia sido presa em Margão porque mãe e filho lutavam contra a excavação da areia em Mobor. Ao longo dos anos, desde Cavelossim a Utordá, fizeram greves de fome, comícios, até arrancamos promessas ao Congresso em 77 e 80 que lutariam para acabar com a Extracção da Areia. Na década dos 0, como as lembranças acorrem ao calor do reencontro com a terra alienada em Sancoale, o Arquitecto Urbano Lobo e Mathany Saldanha levantavam o problema da mortandade de peixe em Velsão devido aos efluentes do Reservatório Bhiase e o exczema das crianças. Outra década, outro ânimo de luta, porém, o mesmo idealismo frente aos salafrários Relações públicas, como diria Jorge Amado.

As notícias vêm filtradas em rumores. De Agonda em Canacona falam os peixes e as praias, um Hotel de cinco estrelas, quem sabe um casino, um aeródromo, loucas recepcionistas-secretárias para todo o serviço, como exige um projecto de tão grande valor. Mas esse desenvolvimento da região extrema do Sul de Goa, a quem vai favorecer? Certamente, os pescadores e os lavradores de palmeira não poderão frequentar ambiente de tanto luxo, nem necessitam tal luxo na carestia em que vivem, aliás todos os goeses. Mas dirão os tais salafrários: a terra tem de ser desenvolvida e entre as opções de uma Hidroelectrica, uma estação nuclear, minas de areia e um Hotel, o Hotel salvará a ecologia da região e será um benefício a longo prazo. Um outro argumento aduzido é o de que a lavra de palmeira não é uma industria e os filhos dos lavradores com a democratização do ensino acham muito mais proveitoso ir ao Golfo como mecânicos contabilistas, etc do que subir a descer a palmeira duas vezes ao dia e usar um alambique antigo com a lenha tão cara.

Profissões tradicionais, herdadas dos pais a filhos quase sempre na mesma família às de Ramponkares e lavradores de palmeira à sura, a dúvida que se impõe nesta época febril de desenvolvimento é a da continuação destas profissões frente a mecanização dos barcos de pesca, portos piscatórios, armazéns-frigoríficos nas praias e fábricas de aguardentes regionais como o Feni e o Caju. São dúvidas dolorosas e angustiantes para quem pensa o decorrer do processo de desenvolvimento com súbitas notificações na Gazeta Oficial expropriando terrenos e teimosamente recusa-se a aceitar que daqui a cinco ou dez anos os goeses serão como os East Indians (os tais norteiros) de Bombaim. Neste contexto de conta-corrente do desenvolvimento vale a pena lembrar o sistema de Prioridades e lamentar na ausência de um Plano sistemático organizado por uma equipe de especialistas e de um Governo capaz (na voz do líder da oposição, Adv. Ramakant Khalap, temos um Governo que abdicou dos seus poderes perante o Administrador deste Território), toda a espécie de salafrários tipo Relações Públicas pode levar avante quaisquer projectos desde que esteja pronto a pagar comissões e tenha contactos... no topo da pirâmide dos poder.

Nestas condições, urge aos homens de liderança e quantos são ouvidos e amados pelas massas, desde Morgim até Agonda (ambas aldeias de pescadores) decidir se para além do negativismo da agitação pura e simples e dentro dos parâmetros do amor à Terra – defesa das profissões tradicionais e do habitat – tradição e progresso para salvar a ecologia – mudança e desenvolvimento, há possibilidades de aceitar o menor mal como é o caso de um hotel versus uma fábrica de, por exemplo, ácido sulfúrico, desde que esse mal menor trate de reabilitar quantos vão perder o lar, o tecto e o habitat. No caso de Mobor, como me explicou o ex MLA e distinto advogado Ferdino Rebelo, o que se objecta é a extensão da área expropriada – 15 laques de metros quadrados e não o projecto que tem as suas vantagens. E naturalmente há que defender o aspecto humano das famílias de Mobor – 135 famílias que vão ficar sem texto e outros tantos lavradores de palmeiras. Em Agonda também, o homem tem de ser defendido.

A terra e o homem e que se não repita o crime de Sancoale, onde o camarão desapareceu para todo o sempre e o Arsénico e o Ácido sulfúrico são os ingredientes da fauna marítima... Que haja flexibilidade e tolerância e em nome do Desenvolvimento, salafrários das relações públicas não acabem com as nossas profissões tradicionais e o direito ao habitat. Que Goa continue.

Thursday 11 December 2014

Laxmanrao Sardessai - O Socialista (1965)

Proclamas incessante o teu socialism –
Que para ti não é mais que uma arma
Para angariar votos dos parvos e lorpas
Cuja ignorância o astuto brâmane
Explorou durante séculos
Em seu proveito.
Mas tu és mais astuto que o brâmane.
O brâmane ignorava então o socialismo
Que tu sabes utilizar ardilosamente
E misturando-o com a democracia
Logra produzir uma alquimia
Que o brâmane astuto poude imaginar nunca
Ele explorava sim, mas dezenas.
Tu exploras milhares de operários,
Que suam ou tiritam para acumularem
Montes de minério de que tu, sentado
No palácio recebes laques em ouro!
Eles pobres vivem ainda em cabanas
E merecem tratos de galés!
Só os teus lábios proferem o socialismo.
Mas os teus actos proclamam
Que tu és mais opulento e insaciável
Do que os antigos monarcas
Que em si viam
O povo, a nação e o mundo!

Thursday 20 November 2014

Laxmanrao Sardessai - Gaudó (1965)

Tu és o filho do areal,
Filho dilecto da terra
Filho genuíno das eras pristinas,
Que a viram desbravada
Por teus antepassados
Que, pela vez primeira,
Cortaram as florestas
Aplainaram os acidentes
E a colonizaram para ta legar,
Glorioso legado que, como filho dedicado,
Sabes preservar dando-lhe
O amor que só tu podes guardar
Na tua alma simples e abençoada.
E abnegado és porque o teu coração
Não conhece a recompensa monetária,
Para ti o arecal é o amor
Florido e frutificado
E ele, por sua vez, oferece-te
Todo o tesouro enterrado.
As arequeiras, quais virgens delicadas,
Abrem sobre a tua cabeça
Inúmeros guarda-sóis para te resguardar
Contra os rigores do sol.
E as árvores de chanfas,
Brancas ou amarelas,
Perfumam o ambiente da tua herdade
E as correntes da água,
Serpenteando por toda a parte,
Beijam com veneração os teus pés.
Tu cavas e regas
E nunca no teu espírito
Dás guarida aos cálculos materiais,
És frugal nos teus hábitos,
Como os rishis, teus avoengos,
O teu corpo quase nu,
Simboliza o esplendor da natureza
Que, à maneira duma mãe,
É para ti generosa,
Ó irmão! Quem me dera
A ventura de, em tua companhia,
Ir cavar!

Sunday 2 November 2014

Ventura Pereira - Mulher! (1960)

(Da conferência do autor sobre sobre ‘Terra Bendita’ de Pearl Buck)

Não é no infrene rodopio de danças
E no ruído e frenesi de folganças;
Não é ao ritmo cadenciado de tangos vaporosos
Nem nos teatros à ribalta de camarotes luxuosos,

Que tu és bela, ó Mulher deste século de enganos
Não é nos salões doirados que tu brilhas e irradias,
Nem com figurinos exóticos e cosméticos ufanos,
Que a tua beleza e elegância evidencias;

Mas és bela quando o perfume e fulgores da Virtude
Espalhas alegria qual anjo do lar em plena magnitude.

És grande quando amparas do pai e da mãe a velhice
E quando acodes na pobreza os infelizes;
És sublime quando velas à cabeceira de enfermos as crises
E sempre que o teu coração ao pronto alheio se abrisse.

Então, sim, és realmente bela, grande e sublime,
Cantando a Canção do Trabalho e a alegria do Lar,
Atenuando o infortúnio e aliviando o penar
Suavizando o sofrimento e a dor que oprime;

E cuidando o teu espírito e minimizando de outros os ais,
Avocas em abundância as bênçãos divinas,
E elevando as almas a DEUS, te sublimas
E te elevas a ti as alturas celestiais.

Laxmanrao Sardessai - Suspiros (1966)

A brisa da noite
Traz-me suspiros,
Longos e profundos,
De entes desconhecidos
Dispersos pelas aldeias
Em cabanas tristes.
Carpindo misério,
Ao lado dos pais velhos
Que saudaram largamente
O dia da Independência
E sorriram largamente,
Esqueceram as horas pungentes
Que passaram no terror,
Semeado pelas armas portuguesas.
Suspiros longos e profundos
De entes abandonados,
De meios de vida destituídos
Que, durante longos anos,
Vegetaram nas prisões
Ou erraram pelos ermos e florestas
Comunicando aos seus irmãos
A mensagem da liberdade
Abandonaram os lares
Aos acasos da sorte
Correndo perigos tremendos
Lavando vida de misérias.
Raiou, enfim, a nova era
Mas suspiros profundos
Ainda saem de corações doridos!
Suspiros que anelam
O bem dos pais velhos
E dos irmãos e filhos,
Votados à miséria
Pela indiferença dos cegos
Que florescam na glória do poder.



Leopoldo da Rocha - Caminhos de Luz por Alberto de Menezes Rodrigues (1963)

O autor, nosso distinto conterrâneo, publicou em 1958, em aprazível edição pela Tipografia Rangel, o livro acima intitulado, que mereceu louváveis referências do douto crítico Agostinho Veloso. Três novelas perfazem o livro e têm elas por título: “Almas plenas de sol”, “Vinde a mim” e “Audácia Vitoriosa”.

Numa época como a nossa, de sensibilidade muito esquisita, afeita a padrões de Hemingway, à análise introvertida de um Proust, à poesia em estado bruto que o realismo social como um Jorge Amado e, entre nós, Orlando da Costa tão bem exploraram, o género convencional de ‘bonitas’ histórias, simples, ingénuas, edificantes, muito bem construídas, são de molde a desagradar a certa casta de leitor.

Outros, como nós, amariam experiências ocasionais que este último tipo de leitura proporciona. Ao lermos livros como “Caminhos de Luz”, muita vez nos sentimos melhor, como que respirando um ar puro, da inocência dos campos, após uma alucinada digressão pela moderna cidade.

Friday 17 October 2014

Laxmanrao Sardessai - Prazer (1966)

O meu prazer é puro e infinito
Porque é absoluto.
Para fruir o prazer
A mãe precisa do filho,
O avarento do dinheiro,
O folgazão do vinho
Mas eu desfruto o prazer
Do prazer de todos eles
Quando vejo os brincos das crianças
O deslizar duma vela,
Pelo mar ou rio
O murmúrio duma fonte,
O vôo duma ave,
Pelo azul celeste
Ou duma nuvem ligeira,
A queda da água
Das alturas dum monte,
Os balouços da arequeira
Aos caprichos do vento
O romper da alva
Num incêndio de cores,
Quando vejo tudo isto
Um prazer puro e absoluto
Inunda o meu ser.



Monday 13 October 2014

Hipólito de Menezes Rodrigues - Histabílis (Poemeto) (1968)

Rosa que estás na roseira,
Sorrindo à minha desgraça
Lembra-te que neste mundo
“Tudo muda, tudo passa”

Passa a desgraça mais crua,
Morre a ventura mais linda,
Surge o que menos se espera,
O que mais se estima finda.

Escuta: eu também fui belo
Fresco como os laranjais,
Robusto como os coqueiros,
Alegre como os pardais.

Também no meu pobre peito,
Vi uma roseira florir,
E sob o sol de amarguras,
Seca e triste se sumir.

***

E vê, minha ingénua rosa,
Tu que me estás a sorrir,
Como neste eterno enigma
Ninguém sabe o que há de vir

Vê, como passa a ventura...
Vê, como surge a desgraça...
Neste mundo, minha flor
“Tudo muda, tudo passa”

Clara de Menezes - Anseio (1976)

Amar-vos, como é doce, meu Jesus,
Mormente, nesta Quadra do Natal!
A manjedoura dura do curral
Viste irradiar fulgente luz.

Teu olhar de Menino me reduz,
Apoquenta-te o frio, ó Príncipe Real?
Mas por mim, bicho vil, sofres o mal
Ensina-me a aguentar a minha cruz.

Aumenta mais e mais a provação
Guiando-me pela tua divina mao,
Descobre-me os segredos da crua dor.

Imolar-me na ara p’lo inimigo,
Acabando assim meus dias contigo

É o meu anseio de louca pelo Amor

Walfrido Antão - De poetas, um que outro ganhiano ou as fronteiras de Vishal Gomantak (1977)

Um poeta que tem fronteiras definiu-se si próprio: escreve para um fim.
Dom Moraes é um poeta quase da minha geração que se tornou subitamente conhecido do grande público leitor de jornais não porque era filho de Frank Moraes ou detentor do Prémio Jovem Precoce da Pesia mas por um acidente da sorte (ele nega agora que I am born lucky) – o de ter espalhafatosamente renunciado à Cidadania Indiana como protesto contra a entrada de tropas indianas na manhã de 18 de Dezembro de 1961 em Goa, terra de seus ancestros com certa apologia ou genealogia de casta de que se ufana numa biografia comercial de um grande industrial goês que cheguei a ler numa das escapadas a Bombaim. E foi mau que assim se desse a conhecer um bom poeta de língua inglesa que o “born lucky” com meios e contactos na Europa e no mundo conseguiu anichar para si um dos primeiros lugares da Imprensa mundial. Um poeta deve ser conhecido pela qualidade do seu verso, não pelo escândalo de decisões playboxianas que o Capital e o Monopólio Internacional tem tanto prazer em publicitar.

Devoto de seus versos que me falam à sensibilidade mas não contêm mensagem, apelo de ideais que superassem a vulgaridade dos “drinks nos bares de Algiers ou Hong Kong” que qualquer Playbox capitalista pode servir-se como e quando quiser, uma estranha dúvida, dúvida sobre o carácter da validade de uma literatura de espalhafato, de escândalo topo “oh, deve ser bom livro, foi escrito por Dom” me persegue desde que li alguns dos seus livros em prosa como Autobiografia onde as suas justificações de não ser GAY já sabem o que é não deviam ser incluídas. “People that Matter” etc. Procuro ao longo de tantas lindas páginas que me falam à sensibilidade, um motivo ideológico, alguma preocupação do homano, uma Utopia ao menos e só vejo longas tiradas como foi recebido no Brasil onde esteve em missão da ONU para estudar o problema de explosão populacional, como um poeta surrealista sangrou-se a si próprio por influência do ALCOOL e DROGAS, passagens lindamente trabalhadas mas percorridas por um frio gélido de vazio interior, de movimento dramático de vivências superadas, de apelos ao Desconhecido da Utopia que como bom poeta devia trazer em cada palavra ou ao menos na sequencia de imagens. Mas o que encontrei foi BOOZE, DRINKS, sangue e uma que outra mulher como gratificação ou compensação de um eu por se definir. E foi pena porque anos seguidos andava a rezar seus versos com uma prece à Musa. O seu último trabalho, aliás primeiro no “Illustrated Weekly” intitulado “Of Time and Place” fala dos 40 anos na vida do escritor frente ao problema da Morte (assunto aliás tão bem estudado desde Balzac a Malraux e Júlio Dantas) mas pena é que de novo à banalidade do drink do bar e das lágrimas, sem um gesto sequer de Absurdo ou Revolta ou então definição da Aceitação de um Poder superior. Só palavras como Stench, to be impotent, not to wine and dine, como se a Vida de um Poeta fosse isso.

Às vezes penso em como a tradição latino-americana em que se baseiam as literaturas francesa, espanhola, portuguesa e brasileira obriga ao escritor a ter umas ideias junto com PALAVRAS. É a diferença que vai de uma literatura séria somando o HOMEM como DIMENSÃO à outra de vendas espectaculares, de rendimentos fabulosos. Esta agonia de ver o vazio interior em literatura.

***

Não sou político mas homem de Letras e como tal cheguei a conhecer na declamação de Madhu Manguesh Kunk e tradução de Deshmukh num flat da Junta House há anos a Poesia do nosso celebrado vate Bakibab Borkar e confesso que minha alma virou adepta da sua Poesia. Nos meus encontros em Bombaim com literatos em marata fiquei a conhecer mais da sua obra e foi assim, mais magoado que revoltado, li uma sua recente declaraçãoo ao “Free Press” (página interior) que apoiava a ideia de Vishal Gomantak porque restabeleceria as fronteiras da tradição de Goa, por muito tempo separadas do núcleo mãe goesa. Para que um poeta como Bakibab Borkar que foi presidente do Instituto Menezes Bragança e parecia aceitar a definição da Índia de Gandhi como janela aberta e todas as correntes de Cultura volta agora à paróquia de uma Vishal Gomantak, para que um Poeta fazer um volta-face à própria POESIA que deve ser geografia da alma sem fronteiras? Será que o Poeta anda a viver o “drama de Jean Barois” de Roger Martin du Gard em outro plano, a religião sectária, será? No cansaço da velhice? Será possível tão grande regresso ao paroquial? Outro, já não poeta que eu saiba, mas gandhiano, Ravindra Quelecar cujas notas sobre Ahimsa me traziam alívio à luta de classes que os intelectuais marxistas consideram como a única SALVAÇÃO até para eliminar o Castismo do Poeta da Casta, armou à fala no Navhind para defender a ideia da Vishal Gomantak e exortando a Comunidade católica a não ter MEDO. Porque MEDO, não sabemos, nem tão pouco compreendermos esta atitude paternal quando todos somos indianos e distinções da Religião e Constituição não alberga. Ou será que a senilidade traz a Religião à mente quando a hora presente é da luta pessoal à base de mérito. Porque MEDO?

Ai como nesta mal-aventurada Goa os políticos metem a Religião de permeio. Como Gandhi os absolverá do comunalismo Não são eles que...

Walfrido Antão - Dialogo: Aquele Suspiro Malandro ou o “naturismo” de António Ataide (1980)

Perguntaste-me outro dia, leitor amigo, o que significava aquela palestra do venerando ancião de Goa Barónio Monteiro que à falta de um alti-falante deixo na margem deixo na margem da classe dos “reservados” ou “primeira classe” como se faz com bilhetes da comédia popularuncha de um M. Boyer (o dinheiro, o vil metal, as contas correntes dos Clubes são muito para quem até queira conseguir companheira, não é assim leitor amigo?). Conheço o intelectual mas não ouvi.

Conheço António José Ataíde há anos. 61, creio. Vinha da Europa onde havia conhecido um Roque Machado divulgador da teoria hindu das “Descobertas” como diz Carmo Azavedo. Trazia um sonho a cura pela Natureza. Aqueles banhos ao sol, aquela carícia ao luar, aquele entusiasmo do Desporto. O sexo vinha mais logo.

Para quantos de nós vivemos na Europa não a ambição, de um diploma que pudesse arredondar as contas correntes de Bancos de juro fortíssimo mas sim a angústia do descalabro de valores, o existencialismo era a única saída. Como afirmava Vergílio Ferreira, aliás escritor de mérito, “nós não escolhemos a existência. Foi um desejo de “autrui”. Cabe a nós escolher.”

Referindo-se à hipótese de Alberto Camus de que o único problema verdadeiramente filosófico era o do suicídio, Virgílio Ferreira opinava que dada a certeza fundamental da Morte valia a pena viver a lonjura da solidão da vida. No desespero, na angustia e revolta. A Morte e o presente ou seja a vida como diz Teles. Para Amadeu engolfado no atrito da lógica racional e do materialismo “possorcar” de caixa de fósforos, o problema é diferente.

E neste ínterim surgiu António José Ataíde. Não um marido ou senhor de cheques. Apenas um divulgador do que a Natureza ensina para preservar a pela ou tecido fibroso. Esposo fiel de uma portuguesíssima senhora, António José Ataíde quer reaver o débito das gerações transmontanas de “linguiça” e de copos de três como método de higiene alimentar.

Lembro-me que um dia li na Revista “Natura” alguns artigos sobre o regresso às raízes. Não raízes de “palha” ou coisa que valha mas algo diferente. Um retorno não à propriedade privada de bens materiais mas um encontro com o destino.

Que António José Ataíde traga com a sua revolução alimentar higiene – saúde um sopro de via nova sem bacalhoeiras de malfado.

Bacalhau como o fado tem o seu destino...

Luís Furtado - A Um Herói (1980)

Na verde aldeia de Velção,
Situada à beira mar
Veio ao mundo um herói
Que brilhou aqui e em além mar

Foi uma alma multifaceta,
Um primoroso poeta,
Um veterano jornalista,
Era brilhante a sua caneta

Um grande herói patriota,
Que sempre ao perigo fez frente,
“Ao inimigo nunca voltou a cara”
Até um dia da sua vida poente

Um homem de rija fibra,
De antes quebrar que torcer,
Por essas suas convicções,
Teve muito nesta vida que sofrer.

Esses versos são dedicados a memoria do saudoso Dr Telo Mascarenhas por um dos seus admiradores e amigos no 1o aniversário do seu falecimento.

Bicaji Ganecar - A Fábrica da Literatura (1971)

Tomei um quilo
De inspiração
Meio grama
De rima
Quatro quilos
De ritmo,
Dez quilos
De beleza.
Cinco onças
De piada
E fiz uma
Poesia!
E ela saiu
Da era atómica!

Thursday 9 October 2014

Walfrido Antão - Aquele Suspiro Malando ou o 'Naturismo' de António Ataíde (1968)

Perguntaste-me outro dia, leitor amigo, o que significava aquela palestra do venerando ancião de Goa Barónio Monteiro que à falta de um alti-falante deixo na margem deixo na margem da classe dos “reservados” ou “primeira classe” como se faz com bilhetes da comédia popularuncha de um M. Boyer (o dinheiro, o vil metal, as contas correntes dos Clubes são muito para quem até queira conseguir companheira, não é assim leitor amigo?). Conheço o intelectual mas não ouvi.

Conheço António José Ataíde há anos. 61, creio. Vinha da Europa onde havia conhecido um Roque Machado divulgador da teoria hindu das “Descobertas” como diz Carmo Azavedo. Trazia um sonho a cura pela Natureza. Aqueles banhos ao sol, aquela carícia ao luar, aquele entusiasmo do Desporto. O sexo vinha mais logo.

Para quantos de nós vivemos na Europa não a ambição, de um diploma que pudesse arredondar as contas correntes de Bancos de juro fortíssimo mas sim a angústia do descalabro de valores, o existencialismo era a única saída. Como afirmava Vergílio Ferreira, aliás escritor de mérito, “nós não escolhemos a existência. Foi um desejo de “autrui”. Cabe a nós escolher.”

Referindo-se à hipótese de Alberto Camus de que o único problema verdadeiramente filosófico era o do suicídio, Virgílio Ferreira opinava que dada a certeza fundamental da Morte valia a pena viver a lonjura da solidão da vida. No desespero, na angustia e revolta. A Morte e o presente ou seja a vida como diz Teles. Para Amadeu engolfado no atrito da lógica racional e do materialismo “possorcar” de caixa de fósforos, o problema é diferente.

E neste ínterim surgiu António José Ataíde. Não um marido ou senhor de cheques. Apenas um divulgador do que a Natureza ensina para preservar a pela ou tecido fibroso. Esposo fiel de uma portuguesíssima senhora, António José Ataíde quer reaver o débito das gerações transmontanas de “linguiça” e de copos de três como método de higiene alimentar.

Lembro-me que um dia li na Revista “Natura” alguns artigos sobre o regresso às raízes. Não raízes de “palha” ou coisa que valha mas algo diferente. Um retorno não à propriedade privada de bens materiais mas um encontro com o destino.

Que António José Ataíde traga com a sua revolução alimentar higiene – saúde um sopro de via nova sem bacalhoeiras de malfado.

Bacalhau como o fado tem o seu destino...

Saturday 21 June 2014

Laxmanrao Sardessai - O Brâmane (1965)

- Quem és, ó passante,
Que vais cabisbaixo e triste
Qual farrapo humano!
És algum fidalgo?
- Não! Não!
- Quem és, ó passante,
Que tens as faces cavadas
E a expressão desolada?
És algum exilado?
- Não! Não!
- Quem és, ó passante
Que andas trémulo
Sem força nas pernas?
És vitima de alguma enfermidade?
- Não! Não!
- Quem és, ó passante
Que pareces um ente miserável
Sem luz nos olhos?
Teria algum importuno ceifado
A vida dalgum ente querido?
- Não! Não!
- Quem és, ó passante
Que pareces um avarento
A quem em um instante
Tivessem os criminosos
Roubado o espólio acumulado?
- Não! Não!
- Quem és tu, ó passante
- Que pareces um ente desprezado
- Qual sofredor politico.
A mendigar depois de, por longo tempo,
Oferecer à sua pátria
O suor e o sangue?
Não! Não!
- Então quem és tu, ó passante?
Serás um espectro?
- Sou brâmane.
- Então que brâmane és?
Sou daqueles brâmanes
Que na dominação estrangeira
Procuraram força e poder
Para o engrandecimento pessoal.
Vejo agora tudo mudado!
Nem direitos nem poder!
- Direitos e poder,
Assentes na injustiça e tirania?
Estamos na democracia, Brâmane.
Ela precisa de teus serviços!
Olha para ti o ignorante e o doente,
Cada aldeia é terra virgem,
Ela te acena.
Tens inteligência, força e dinheiro
Vai e trabalha solitário
Nas aldeias onde medra a ignorância,
Direito e poder virão depois!
Serve teus irmãos
Sê pequeno e humilde,
Trabalha na escuridão,
Durante meses e anos
E um dia serás forte e grande!
- Quem és tu, ó desconhecido
Que me guiaste nesta escuridão?
-Sou hoje Gaudó,
Outrora Brâmane!
Vem amigo, vem trabalhar,
Que a cabeça do Brâmane
E o braço do Gaudó
Têm de se juntar
Para esta terra se levantar!

Laxmanrao Sardessai - Inferno (1965)

Os teus olhos são um inferno,
Não te zangues – dizem os outros,
Mas, se o são,
Eu vejo nesse inferno
Só o Paraíso…
Porquê? Perguntar-me-ás,
Pois te digo. Vejo nele –
No inferno dos seus olhos –
A vastidão dos Céus
A profundeza dos mares
E a majestade dos Himalaias.
Que mais queres?
E, para mais, vejo neles
Retratando o meu ingénuo ser!

N. B. Sar Dessai - Bhisma (1966)

Tu tens de casar comigo – disse o célebre Rei Xantanú à Deusa Gargá, quando esta se lhe apresentou em forma humana, intoxicando-lhe os sentidos com a sua ternura super-humana.

O Rei oferece-lhe em troco do seu amor, o reino, a riqueza e tudo o resto, ainda mesmo a sua vida.

Gargá respondeu-lhe:

Ó Rei, eu posso tomar-te por consorte, mas mediante as seguintes condições: nem tu, nem ninguém me preguntará quem eu sou, nem donde venho; também não me impedirás de fazer o que entender fazer, quer seja o bem, quer seja o mal; nem zangar-te-ás comigo seja por que for; nada de desagradável e recriminatório tu dirás. No momento em que tu violares qualquer destas condições, eu abandonar-te-ei. Concordas?

O Rei concordou impaciente e a deusa tornou-se sua mulher e passou a viver com ele.

O coração do rei estava captivo da modéstia, da graça e do resoluto amor que ela lhe nutria.

Xantanú e Gangá viviam uma vida de perfeita concórdia, sem mesmo se lembrarem da passagem do tempo. Ela deu à luz muitas crianças; de cada vez que lhe nascesse um bebé ela levava-o ao Ganges e deitava-o ao rio, depois do que voltava para o Rei com a cara sorridente.

Xantanú horrorizava-se com esta conduta diabólica mas sofria-a em silêncio, lembrado da promessa feita. Muitas vezes ficava ele a pensar quem seria ela donde vinha e porque agia como uma bruxa sanguinária. E, não obstante, não proferiu sequer uma palavra de recriminação. Desta feita, chegou ela a matar sete crianças. Quando nasceu a oitava, e esteve ela prestes a deitá-lo ao Ganges, Xantanú, não mais podendo suportar, gritou:

“Espera, espera, porque estás tu resolvida a dar esta horrível e desnatural morte às tuas próprias crianças?” – com este grito de alarme, o Rei impediu-a de executar o seu desígnio.

Ó grande Rei, disse ela, tu estás esquecido da promessa feita, o teu coração está agora mais votado às crianças do que a mim, tu já não precisas de mim, e por isso eu vou-me embora. Eu já não mato esta criança, mas ouve (4a pagina) a minha história antes que me julgues:

Eu que me vejo obrigada a desempenhar este odioso papel por virtude das imprecações proferidas por Vassista, sou a Deusa Ganga, adorada dos deuses e dos homens. Vassieta praguejou os oito Vassús desejando-lhes um nascimento no mundo dos homens, e, comovido pelas súplicas deles, determinou que seria eu a mãe deles no mundo dos homens. É de ti que eles nasceram, e ficou-te bem que assim tivesse sucedido, pois tu irás às regiões mais elevadas, em recompensa dos serviços que prestaste aos oito Vassús. Eu cuidarei desta tua última criança por algum tempo, depois do que devolver-ta-ei como meu presente.

Dito isto, a Deusa desapareceu com a criança. Foi esta a criança que mais tarde se notabilizou como Bhisma.