Friday 17 April 2015

Laxmanrao Sardessai - Sou Teu Filho (1966)

Disse-me ontem uma velha,
Gaudi encarquilhada,
Afagando a minha cabeça:
“Filho, tu não és brâmane”.
“Sim, mãe - respondi enternecido –
Nasci brâmane, mas sou gaudó,
Como teu Vassu, escuro e forte,
Durmo no chão raso
Por ti artisticamente embostado.
Como do ‘ambil’ que me dás,
Em companhia de teus netinhos.
Extasiado fico a contemplar
As esbeltas arequeiras
Que as tuas filhas regam,
Acaricio com admiração,
Os caules alabastrinos das bananeiras
E, às vezes, enfio um langotim
E lavo-me contente
Na água pura da fonte
E, depois, como o mais feliz dos entes,
Estendo-me na relva
A absorver a ternura
A carícia e o conforto
Dos raios do sol nascente
E, quando durmo, o meu espírito
Estende a sua asa
Sobre os teus miúdos
Que trabalham de dia
E dormem de noite
O sono dos santos.
E tu, às vezes, de madrugada,
Enquanto lá fora
Os galos cantam
E o orvalho desce dos céus
E o vento sopra frígido
Vens para fora, de mansinho,
E estendes sobre o meu corpo estirado
O teu velho ‘cambol’.
Sim, mãe, sou gaudó
E sou teu filho!



Walfrido Antão - De praias que vão de Cavelossim a Cola: A extração de areia e o estudo científico de Urbano Lobo (1975)

Tradução e comentário de Walfrido Antão

‘V. tem de publicar isso porque ama Goa. Nós lutamos juntos em Velção, logo temos de lutar pelas praias dos nossos ancestros”
- de uma carta de Urbano Lobo, Chartered Civil Engineer (Londres e América)

Por motivos pessoais não gosto de visitar praias do sul de Salsete (de Cola a Cavelossim) ou escrever sobre o que se passa. Mas o Engenheiro Urbano Lobo foi meu camarada, meu guia científico na tragédia da terra calcinada e peixe morto em Velção e os goeses jamais podem esquecer este homem fidalgo de um Bardez fidalgo que veio ajudar as crianças de Velção numa época quando até os biologistas eram comprados a preço de oiro. Como recusar? Ou não seria eu jornalista atento ao que vai suceder no litoral daqui a uns anos e o povo de humildados já não terá nem várzeas para cultivar nem casas para morar: a terra atrasada como em Andhra Pradesh de 1977 ou Kerala.

Como jornalista tenho de esquecer agravos pessoais até esquecer que algumas das concessões (as ‘mining leases’ não precisam de autorização) para extração de areia ficam em terra dos meus ancestros que fiéis à agricultura deixaram lugares de Juiz de Calangute, ou Pandá ou de Consul do Brasil para plantar cajueiros e levantar um coqueiral, tudo porque ao jornalista cabe avisar o povo, e o governo do que virá a acontecer. Foi-se a terra e a areia.

Ao jornalista não interessa entrar em confronto com o Governo Local, apenas levar ao conhecimento dos leitores o estudo científico dum grande homem de Goa, o Engenheiro Lobo que gastando do seu bolso está a defender desde Velção a Cavelossim as dunas de areia por que elas são o contraforte, a muralha de defesa contra ciclone e os ventos que sopram do mar. Aos cuidados de Goa, especialmente à juventude do Chowgule College e Carmel College, fazemos este apelo para que não se abra mais um desastre em Goa. Não se trata de uma agitação popular ou populista mas da própria existência a sobrevivência das populações do litoral de Salsete num futuro não muito longínquo.

Visitei em companhia do meu amigo, o Engenheiro Civil Vicente Correia-Afonso a longa península de Mabor em Cavelossim e oferecemos juntos satyagraha em simpatia e solidariedade com os membros, simpatizantes do Anti-Sand Extraction Committee em Cavelossim.

Correia-Afonso foi meu companheira da primeira e única adolescência e vibra em não ser anti, ele é sempre do pró positivo e construtivo, uma atitude na vida. Mas juntamente com os satyagrahas sentimos a grandeza moral da ação não violenta, o exemplo de Mahatma Gandhi pairando alto no coreto onde nós sentimos a imoralidade das concessões de extração da areia, a humilhação dos ofendidos pelos tractores que levam o baluarte da ecologia e da defesa que a natureza criou. Quando os ramponkares me contaram que até as redes sentiam a variaçãoo do seabed devido à extração da areia, a humilhação dos ofendidos pelos tractores que levam o baluarte da ecologia e da defesa que a natureza criou. Quando os ramponkares me contaram que até as redes sentiam a variação do seabed devido à extração da areia fiquei a pensar se Mathany Saldanha, dos homens do mar, ele próprio filho e neto do litoral não estaria interessado neste movimento em defesa da terra sagrada de Goa.

O litoral, desde a baía de Cola junto a Velção até Mabor é um longo panorama de coqueirais levantados por filhos e netos de antigos batecares. Não seria sua responsabilidade defender a terra da erosão ou pensam talvez que isto é para agitadores profissionais? Triste será o destino dos pais com filhos estabelecidos no litoral de Salsete se não clamarem hoje, nesta hora, pela salvação da sua Terra.

O egoísmo, o cada um para si e Deus para todos deve ser letra morta hoje.

Passo a traduzir agora excertos importantes do trabalho do Eng. Urbano Lobo e estamos contratando o Lok Nayak Jayapracash Naraia no sentido de intervir junto do Governo Local para salvar as nossas praias.

‘A Ecologia de dunas de areia ao longo das praias de Salsete’

1 – As dunas de areia das praias de Salsete entre Velção, Cansaulim e Arossim no norte e Cavelossim Mabor no sul são uma paisagem familiar como uma endeixa virgem de areia branca e luminosa. Para todos os fins geológicos a inteira costa de Salcete pode se considerar como parte do antigo ‘sea bed’

2 - As dunas de areia são um sinal, um aviso do equilíbrio ecológico entre as poderosas forças do oceano – ondas, ventos e correntes, de um lado, e a resistência natural da terra forme de outro lado. Uma praia estável no sentido geológico tem duas linhas de dunas de areia a duna do mar paralela às praias molhadas e a duna da terra também paralela ao mar a uma distância que varia entre 100 e 500 metros do mar. Entre estas duas filas de dunas, fica um deserto de areia com pequenas elevações cá e lá onde as crianças costumam brincar e os antigos proprietários plantavam conqueirais.

3 – A duna do mar forma-se pela ação violenta das ondas que lançam areia até uma altura de cinco metros e assim se constituía a primeira linha de defesa que contém as furiosas ondas das monções que ameaçam desde junho a setembro o litoral de Salsete. A Natureza, sempre a natureza protegendo o povo de Goa.

A segunda linha de defesa das dunas de área na terra firme forma-se devido aos ventos do vernao que vão arrastando a areia já seca até onde houver vegetação e acumulando-se a uma duna de 10 metros de altitude como em Cavelossim. Estas dunas de areia na terra firme que concessionários de Mining Lease sem escrúpulos cavavam até a uma profundidade de cinco metros criando poças de água das monções viveiro de mosquitos era o sítio de antigos coqueirais e cajueirais e Urbano Lobo.

Wednesday 4 March 2015

Laxmanrao Sardessai - Avante, Goeses, Avante! (1966)

Avante, goeses, avante!
Que está próxima a batalha
Que decidirá a vossa sorte.
Estão do vosso lado
A Verdade e a Justíça,
A Honra e a Dignidade
E, doutro lado,
A ambição do mando,
A cupidez nojenta,
Indignidades sem conta,
A mentira e a doblez,
A traição e a maquinação.
É a luta entre dois princípios
O princípio do bem
E o princípio do mal.
Depende de vós a vitória
Dessa batalha imposta
Ao vosso povo pacato
Em nome da Democracia
Que entre nós está moribunda.
Na sua nudez a pergunta é esta:
Que quereis?
Viver na vossa terra
Ou lançar-vos ao mar?
A que miséria a Democracia
Vos lançou, santo Deus!?
Viver ou morrer?
Morrer é, de certo, diluir-se
Um povo na mole heterogénia doutro.
Vós, através da longa história,
Prezastes a honra e a dignidade.
Proclama ao mundo
Que sois um povo distinto.
A vossa língua e os vossos costumes
O vosso temperamento
E a vossa cultura,
A vossa humanidade
E o vosso intelecto
Não são para serem
Apagados ou suprimidos
Da face da terra.
Não! Não!
Cave-vos, goeses,
Repelir a afronta
Esquecer por amor
Dos vossos avoengos,
Vossas rixas e ódios,
E as vaidades que vos minam,
Provar que os goeses têm um único partido,
Partido duma Goa una e livre,
Arrojai aos ventos
As diferenças que vos dividem,
Que mesquinhas ambições alimentais
Quando o povo é arrastado para o abismo!
Em que miseráveis partidos
Vos entretendes
Quando o inimigo procura
Calcar-vos, reduzir-vos à poeira,
Que criminosa negligência a vossa,
Quando as fileiras do inimgo
Se cerram
Para os fins da peleja.
Amigos! Sacudi, sem demora,
A letargia e a modorra!
Abraçai os ignorantes e os pobres
Preparai-os com sacrifícios
Para a luta.
Levei a cada casa
A mensagem da guerra –
Guerra contra ambições do mando - !
Sacrificai tudo!
Para salvar a terra,
Terra de vossos pais
E de vossos filhos.
Terra que está
Em iminente perigo
Por culpa dos vossos.
Avante, goeses, avante
E a vitória será vossa!

Tuesday 17 February 2015

Walfrido Antão - A Telefonia e a Língua Portuguesa: Uma Contribuição Válida ou de um Programa da ‘Peoples High School’ (1982)

“O Indiano é individualista e por isso o sistema democrático dá-se bem na Índia”- Indira Gandhi falando recentemente em Londres

“Vamos abrir uma janela sobre a cultura ocidental” – Mahatma Gandhi

“É bom, é saudável, cada um orgulhar-se da sua língua mãe, mas odiar uma outra língua é fanatismo de pior espécie

“Minha pátria é a língua portuguesa!” – do poeta António Barahona, referenciado num artigo por Dr. Carmo Azevedo.

Martinho Noronha, sacerdote e intelectual que conhece como raros em Goa ao lado de Carmo Azevedo, Mário Cabral e Sá, o segredo, o mistério da Palavra Portuguesa, teve um dia esta resposta realista quando lhe foram pedir para fazer uma conferência sobre o “Futuro da Língua Portuguesa em Goa”: “Olha, primeiro não sou um astrólogo para predizer o futuro e depois, de momento, o que me interessa é fortalecer a minha língua - o konkani”. Não sei até que ponto o cultivo da língua portuguesa pode afectar o desenvolvimento da literatura konkani, mas estou convencido da verdade das palavras do Mahatma – “É preciso abrir uma janela sobre a cultura ocidental...”

Entre as instituições de ensino secundário na língua inglesa que tomaram o risco e a coragem de introduzir o português como língua secundária encontra-se a prestigiosa e coroada de louros “People’s High School” do Prof. Surlakar em Fontainhas. A professora encarregada de ensinar o português em casa nem por assim dizer tem contacto algum com a cultura portuguesa é uma jovem senhora da cidade, Celina Velho e Almeida, que começou a sua vida académica no velho Liceu tendo passado o 7o ano de letras grupo C e mais tarde feito o BA e Master of Education na Universidade de Bombaim.

Como me notou o Pe. Filinto Cristo Dias a quem referi estes casos de devoção à língua portuguesa – é um verdadeiro apóstolo. Sem alarde, na rotina do dia a dia por entre bancos escolares e a palmatória ausente, a palavra portuguesa volta a ecoar a mensagem de um Humanismo que chegou à Índia em 1498...

Nestas condições foi um acto de Reconhecimento e justiça a apresentação no programa Renascença de um acto de variedades dos alunas da escola People’s High School sob a direcção da sua Profa. Celina Velho e Almeida.

A abrir o Programa, Ninfa Fernandes declamou uma bem substanciosa poesia que talvez não ficasse muito a calhar num programa de meninos, mas senões desses não desfeiam a beleza do esforço humano. Sulana Costa revela-se como um voz para a canção popular portuguesa e a sua participação é digna de nota. Mas Sadhna Mahtme impôs-se-me como a expressão da adaptabilidade do gênio hindu a uma cultura estrangeira, a louçania fresca da inocência usando da palavra portuguesa como um meio de comunicação com os rádio-ouvintes, a voz da Índa falando de uma outra Pátria onde há meninas também que sonham e amam a Índia na caminhada para a Pátria Universal de um ‘horizonte sem fronteiras’ como queria o nosso poeta Orlando Costa.

Nesta época de aproximação de culturas, Indiana e Portuguesa, e quando a Gulbenkian pretende patrocinar a ida a Portugal de 3 jovens goeses, levamos ao conhecimento do Público e em especial, da sociedade da Língua Portuguesa, cujo Coordenador Local, Dr. Carmo Azevedo, com certeza deve estar a processar as sugestões sob o critério na escolha dos representantes indianos.

Felicitamos sinceramente a Profa. Celina Velho e Almeida que não obstante as preocupações do ensino da língua portuguesa toma cuidado em amorosamente transmitir toda a Poética ou Palavra Portuguesa, talvez contribuindo para o ideal da Pátria Universal.

Remígio Botelho - De Profundis (1968)

E o Dia veio
Levar-lhe ao seio
Da terra amada,
E lá foi ela –
A doce estrela
Da madrugada.

Lá foi ela –
A alma bela
De sonhador
Ungida
E possuída
De luz e cor.

Alma tão plena
De poesia
A alegria
Da morena
Que apanha
Lírios brancos
Pelos flancos
Da montanha;
A mansidão
Da lua cheia
Que vagueia
Na amplidão
E o fervor
Dos rishis
Ardendo de amor
Em lâmpadas rubis.

Ardendo ainda
De saudade
Da ilha linda
Onde passara
A mocidade –
A seara

Que ondeia
Pela aldeia
Casas de Deus
Que se elevam
Até os céus;
E os oiteiro
Onde rezam
Os cajueiros.

Lá foi ela
Para o além...
Mas dela
Inda nos vem
Um ardor
Abrasador
E risonho –
A flama
Que o proclama
Veleiro do sonho
E do luar,
No altar
Da História



E da Gl

Wednesday 4 February 2015

Laxmanrao Sardessai - Zalach Pahije (1965)

Se Deus é do mundo o pai,
Desta terra o é Nath Pai
Porque nos ensinou a pronunciar
“Zalach Pahije”!

Deus antes da criação,
Pronunciou ‘Fiat lux’
Mas, após a eleição,
Vassantrao Naik
“Zalach Pahije”!

Deus guia o universo inteiro
Para a salvação
E Esvantrao Chavan
Esta mimosa terra
Para a perdição
Com o seu mantra
“Zalach Pahije”!

Sou um ignorante
Mas, em vez de instrução,
Sempre me impingem
“Zalach Pahije”!

Sou um indigente
E persegue-me a fome
Mas dão-me, volta e meia,
“Zalach Pahije”!

Sou um enfermo
E sofro da malária,
Mas ministram-me
Dia e noite doses
“Zalach Pahije”!

Sou um manducar
E para ser batcar
- Dizem – devo rezar
“Zalach Pahije”!

Sou um eleitor
E prometeram-me
O paraíso inteiro
Contanto que diga
Sem cessar
“Zalach Pahije”!

Sou um mestre-escola
Mas forçado – sina minha! –
A ensinar
A crianças inocentes
“Zalach Pahije”!

Na nossa aldeia
Quem não tem ocupação
E nos negócios alheios
Mete o seu bedelhom
É conhecido como
“Zalach Pahije”!

Aparece nos templos
E nas escolas,
Nos bares e nos bazares,
A odiosa coruja
De “Zalach Pahije”!

A maneira de fantasma
Que persegue a sua vítima,
Persegue em toda a parte
O goês inocente –
O fantasma –
De “Zalach Pahije”!

Tem entrada
Em todos os círculos
Quem possui
O santo e a senha
De “Zalach Pahije”!

Suga o sangue
Do pacato cidadão
A sangue-suga nojenta
De “Zalach Pahije”!

Do coração soturno
Do falido MG
Sai o rouco mugido
De “Zalach Pahije”!

O álcool de alto grau
Faz ao embriagado
Vomitar bílis
Contra quem quer,
Assim tem sido
O “Zalach Pahije”!

Desvirtua e deshonra,
Abandalha e corrompe
O slogan assolador
De “Zalach Pahije”!

Conflitos na família
Conflitos na sociedade,
Conflitos com os amigos,
Conflitos com os vizinhos,
A raiz de todos eles
Está no “Zalach Pahije”!

A mentira e a hipocrisia,
O crime e a aleivosia
São fruto vergonhoso
De “Zalach Pahije”!

O fantasma hediondo
Que profana a dignidade
Vilipendia o amor,
Cospe no passado
E adultera o futuro
É “Zalach Pahije”!

O fantasma hediondo
Que profana a dignidade,
Vilipendia o amor,
Cospe no passado
E adultera o futuro
É “Zalach Pahije”!

Se, ó goês, queres
Viver em paz e harmonia,
Repele quanto antes
A ignominia fatal
De “Zalach Pahije”!

Levanta-te e trabalha
E não está longe o dia
Em que volte
Para a terra da sua origem
A peste maldita
De “Zalach Pahije”!

Laxmanrao Sardessai - A Minha Velhice (1966)

- Estás velho, amigo –
Duvido. Mas tenho sessenta, sim –
- Não basta para ser velho?
- Não! Tenho a fescura da relva
E o vigor da palmeira
Tenho o fulgor do sol
E a ligeireza do vento
Tenho a esperança da alvorada
E o ideal do sonho
Tenho a clareza da fonte
E a firmeza do monte
Tenho a ternura do santo
E o fogo do raio
- Mas donde lhe vêm esses raros dons?
- Da tua bondade, amigo.
E da tua vasta simpatia
Que, como tu, milhares me dispensam.

Tuesday 3 February 2015

Alberto de Menezes Rodrigues - Falam os Terrenos Incultos (1972)

Séculos e milénios decorreram
Desde que começamos a existir
E ninguém se importou de nós
Nenhum homem nos veio arrotear
Para aproveitar
A nossa força criadora
Nós somos em grande número situados
Em várias partes desta linda Goa
E não poucos de nós fomos beneficiados
Com um solo muito rico,
Que pode produzir searas luxuriantes!
Nós ansiamos por vos levar, ó goeses,
A meta da prosperidade.

Cresce erva, crescem plantas inúteis,
Extraindo do nosso seio
Os alimentos que necessitam
Todos nos abandonaram!
Todos nos abandonaram!

Quando, anualmente, o ribombar do trovão
Anuncia a chegada do Inverno
Para a fecundação
Da terra,
A nossa ansiedade atinge o auge.
Depois, sentimos as carícias,
O frescor,
Das águas que se despenham do céu,
Cantando,
- Magnífica dádiva do Senhor
Ao povo goês! –
Mas nunca lobrigamos ninguém,
Nenhum ser humano.

Que venha operar
Segundo o divino plano,
Desbravando-nos,
Lavrando-nos,
Semeando-nos,
Para que tenhamos a ventura
De nos desentranhamos
Em messes e verdura.

Agora que uma nova era raiou
Para este pedaço do Concão,
Nós recorremos a vós,
Senhores governantes
Pedimos vos digneis volver
Os vossos olhos para nós
E satisfazer
O nosso anhelo.
Desejamos a nossa inclusão
Na reforma agrária que foi anunciada,
A fim de sermos cultivados.
E, se o conseguimos,
Nós vos ajudaremos, com prazer,
A resolver,
O grande problema,
Concernante a Goa,
Em que estamos a cogitar:
A auto-suficiência alimentar.

Telo de Mascarenhas - Ganesh Chaturthi (1971)

Raiou o dia
Alegre e festivo
Com foguetes a estralejar
Em todos os lares
Na manhã de sol esquivo,
Para festejar
Ganesh Chaturthi,
O Divino Ganapoti,
Guloso de bons manjares,
Deus protector e soberano
Das searas já espigadas
Nesta quadra do ano.

Ganesh é festejado
Neste dia
Propiciador,
E invocado
Como Deus inspirador
Da Arte e Poesia.

Com cabeça de elefante
E ventre abaulado
De guloso e tunante,
Percorre a terra montado
No rato,
Temível ‘assura’,
Implacável roedor
De todo o género
De cultura.

A imagem da Divindade
É conduzida em procissão
Em vistosos andores
Pelas ruas da aldeia
E da cidade,
Ao som de címbalos e tambores,

Para o mergulho ritual
Nas águas do rio ou do mar,
Onde ficam a vogar
Grinaldas votivas
De flores.

Na noite delirante
Fogos de Bengala
Incendeam o ar;

O cheiro do agarvati
Deleita e regala.

Finda a festividade
Fulgurante
De luzes e ouropéis,
Ficam a ressoar
Os cânticos dos fiéis:
“a Ganesh namaskar!
Vinde para o ano, Ganapoti,
Para abençoar a próxima Novidade”

Walfrido Antão - Escrever, porque e para quem? Ou, o silêncio fala melhor nas tardes de calor (1968)

A minha casa não é minha/é de vós todos/As palavras que escrevo não são minhas/São de vós também – poeta brasileiro

Perguntaram-me outro dia se eu sabia o que era a Vida. Desde a ovulação até a inseminação artificial. Ou as suas manifestações como a velhice de cabelos de prata na noite de prata de destinos cruéis de sofrimento e de ternura. “Teasingly”, afirmaram-me que na filosofia da goanidade, viver era beijar a mão que não se podia cortar. Ou quem não herdou, tinha de m..... Cônscio como sou de que o protesto rebelde é válido e actual, fiquei a lembrar páginas antigas de Nietzsche – uma das grandes benesses do Cristianismo é tornar-nos cordeiros, pois aliás, até os servente e os criados davam cabo de nós. Quanto à Vida, não soube que responder. Ainda penso galgar Sancoale para pedir uma resposta aos heróis da tragi-comédia.

Sim, este fado de escrever a horas mortas quando os capitalistas pensam no ‘net profit’, ‘net figures’ e ‘net amount’ (tudo net mas não neat) e o pequeno burguês sorve na inconsistência de cama do casal lonçanias gastas no duro ofício de dactilógrafa, Oficial (oficial sem espada, claro, femino e moderno, tipo 75), o que a esposa burguesa traz além do dote. Escrever com a música da agonia na alma palavras de agonia. Mas porque? Porque não se escolhe o fado, o destino das letras, quem tem olhos de ver que leia.

Não haveria outras opções? A luta, a acção directa junta com camaradas que no silêncio heroico de suas vidas constroem um barco, máquinas, arroz e tantos bens de utilidade social? Cada homem leva ao túmulo o que trouxe do berço, e o homem de letras não podia ser excepção. No nosso arsenal, só a pena nos resta. E o agravo de uns quantos ofendidos orgulhosos da sua vitória intitulada “saber viver”. Ou aceitar a horizontalidade de Cristo? Quem sabe, uma das opções?

Eu não aceito a afirmação de Cabral e Sá de que a literatura se estagnou com Eça. Se é certo que o nosso Amadeu trazia transparente na sua ironia, as “Farpas” de Ramalho, também é verdade que alguns de nós buscam o autêntico na Arte – que o digam aliás, eles próprios, Mário e Martinho Noronha. Mas compreendo a sua dúvida potente quando afirmou no Simpósio sobre “Goanidade- Mito ou Realidade”. Sim, resta-nos “O Heraldo” mas com o preço do papel quem nos vai ler (cito de memória, não tenho o texto à mão)?

Escrever para quem? Eis a dúvida para aquela Jane símbolo e não nome verdadeiro da juventude goesa que lê Nick Carte e se empenha decidadmente com “calças stretch” balão ou bandeira do seu modernismo e desprezar ou ignorar por condição factual a língua e literatura portuguesa num alongamento goês, típico congraçar de duas raízes, duas autenticidades? Para aqueles poucos da velha guarda que vivem e sentem o que sofremos na hora difícil da criação?

Desistir não está no meu calendário existencial. Escrever, ainda que seja para uns poucos eleitos e logo vos conto o que se passou em Lisboa nos anos 50. Estavamos à saída do Teatro, lá na Avenida da Liberdade, eu e um jovem do Porto, José Luís de Costa (segue na 3a página) Dias fresco de uma prisão no Peniche por ter assinado um Comunicado de Protesto da M.U.D. ao lado de Rui Cabeçadas, Luís Monjardino. Era uma noite de invernia e a calor da emoçnao com que Eunice Muñoz e Rogério Paulo haviam representado o “Gebo e a Sombra” de Raul Brandão disseminava no espaço confluente as dúvidas da adolescência. E foi então que o Poeta brasileiro nos surgiu, anónimo como “Pedro, o Vagabundo” de Manuel Mendes que pouco antes estivera conosco no Teatro. Vinha de Paris, do Sud Expresso, gostaria conhecer os intelectuais não comprometidos. E dizia versos (ou seria algo de real, penso hoje?) que rezavam assim “Tinha uma casa, lá no Morro, com crioula mulata Pulquéria ou coisa que valha, havia retratos na sala de Generais e Comendadores e uma suposta tia velha parte do recheio. A tia era uma espécie de Símbolo de coragem, e havia negros no Morro [os negros e os curumbins, que estranha identidade pensava eu, goês e indiano?]. Um dia de sol parti à busca de aventura. Mordendo, piscando, esgravatando o solo e por toda a parte, encontrei a comunhão dos homens.

“A minha casa não é minha
É de vós também!
As palavras que escrevo não são minhas,
São de vós também!”

Esquecer e lembrar é parte da condição humana.

Friday 9 January 2015

Bicaji Ganecar - A Barca da Minha Vida (1968)

A barca da minha vida
Sempre avança
Com a esperança
De ver a terra prometida.

Abrindo o caminho
P’lo torvelinho
Ela desliza
Com a brisa
Com o seu olhar
No porvir
Que vê sorrir
À beira do mar.

Aonde se eleva
E se torna espuma
E no céu a treva
Se avoluma...
O meu desejo
Se aproxima.
Mas cá em cima
Só pedras vejo.

Serviu o país
Com o seu suor
Foi tudo feliz
Com o seu amor...
A todos amou
Com paixão
E rubra ficou
Com o chão.

Traduzido do original em concanim por Remígio Botelho.

Tuesday 6 January 2015

Laxmanrao Sardessai - A Arequeira (1965)

Franzina e bela
És da aldeia a pérola!
Pareces uma virgem
Pura e graciosa
Mas também ansiosa
Por oferecer ao teu adorado
A tua alma amorosa
Pareces uma juvem,
Clara e sorridente
Que encerra no seu seio
O tesouro de emoções!
Aos teus pés, salta a fonte
E gauddi inocente
De carícias te cerca
E cresces em encantos.
E moves em cadência
O teu corpo gentil e belo,
À brisa ligeira
Que sopra na véspera
A quatro passos está
Erecto e firme e sereno
O teu amado, o coqueirom
E mira contente os teus meneios,
Languidos e eloquentes
E os fluidos imponderáveis
Que saem do seu seio
Envolvem-me, noite e dia,
E dão-lhe vigor e vida!
E ele, o teu amado,
Está ali tão perto
Firme e sereno,
Alto e forte,
A mirar e admirar
A tua beleza!
Mas, quase sempre
Frio e imóvel,
Como uma coluna!
E tu, inquieta e nervosa,
Em vista da sua firme postura,
Amimada pelo sopro do vento,
Em um gesto forte
Procuras abordá-lo,
Tocá-lo com as tuas folhasm
Comunicar-lhe o teu amor,
E então ondulas sacudida,
Pela paixão intensa,
Num contínuo vai-vem,
Até que, num esforço supremo,
Roça o teu corpo franzino e belo,
Pelo seu corpo forte e vigoroso,
E, em um instante,
O beijas em um frenesi,
Suspirando, satisfeita!

Monday 5 January 2015

Carmo Azavedo - Lokmanya Tilak (1977)

Bal Gangadhar Tilak nasceu numa família ortodoxa de brâmanes chitpavanes, vulgarmente conhecidos por Konkanastas, por serem oriundos do Concão, em Ratnagiri, em 23 de Julo de 1850. Os seus avoengos eram Khots, que passavam aos olhos do povo como pequenos proprietários, mas eram realmente cobradores de impostos sobre propriedades em nome de um soberano. O seu bisavô, Kashvarao, que era um bom cavaleiro, atiradore e nadador, ocupou um alto cargo no governo dos Peshawas, o qual, porém, deixou quando os ingleses tomaram conta da administração. O seu avô, Ramachandrapant, homem talentoso e versado nas Escrituras Sagradas, teria acabado os dias como sanyasi na cidade santa de Benares, a Roma do Hinduismo.

Com os Tilaks reduzidos pelas vicissitudes da fortuna à condição da burguesia, seu pai, Gangadhar, era um modesto professor primário em Ratnagiri quando Bal nasceu. Mas, erudito sanscritologo que se tornou amigo do famoso orientalista Ramakrishna Bandarkar, Gangadhar veio a ocupar finalmente o posto de inspector assistente das escolas primárias em Poona, onde pôde educar melhor o seu filho, que obteve sucessivamente os graus de bacharel em Letras (Matematícas e Sânscrito) em 1876 e em Direito em 1879, distinguindo-se em toda a sua carreira académica como estudante excepcionalmente inteligente, aplicado e disciplinado e revelando desde logo apreciáveis qualidades de independência de carácter, respeito pela verdade e oposição a qualquer forma de injustiça.

Concluídas as formaturas em Letras e Direito, foi de facto devido ao seu espírito de independência que Bal Gangadhar Tilak recusou o oferecimento pelo Governo de cargos altamente remunerativos para se dedicar de corpo e alma à causa da educação e da criação de uma consciência nacional no povo. Com este objectivo fundou primeiro a New English School de Poona e posteriormente a Deccan Education Society e o Ferguson College. Mas, devido a divergências de opinião, afastou-se bem cedo daqueles três para tomar inteira conta de dois periódicos, Maratha em inglês e Kesari em marata, dundados por sócios daquela instituição educativa, tornando-se desde então um jornalista militante com a sua pena vigorosa posta ao serviço da causa nacionalista.

Acusado pelas autoridades britânicas, que o não viam com bons olhos por causa da sua actividade jornalística de cumplicidade no assassinato do collector Rand em Junho de 1897, Tilak foi arrastado à barra do tribunal por sedição, julgado e condenado à pena de prisão maior celular pelo período de dezoito meses. Graças, porém, à então rainha-imperatriz Vitória por Max Mueller, o ilustre orientalista e amigo da Índia anglo-alemão, WW Hunter, um liberal vitoriano inglês, e os patriotas indianos Dadabhai Naoroji e RC Dutt e em parte também para aplacar o descontentamento que lavrava no país, foi posto em liberdade depois de cumprida a pena po um ano, isto é seis meses antes de expirar o período da sentença.

Com as suas ideias extremistas em política, Tilak entrou em conflito, pela primeira vez, com os moderados chefiados por Gopal Krishna Gokhale no Congresso de Calcuttta em 1896, quando declarou solenemente que “o vosso futuro está nas vossas mãos” condenando a atitude de tudo esperar do Governo britânico e recomendando que se pusesse ênfase na educação nacional e no swadeshi. Mas foi só após a partilha de Bengala, no Congresso de Surrate, no ano imediato, que o cisma entre os moderados e os extremistas, estes centrados à volta do Partido Revolucionário de Bengala, liderado por Aurobindo Ghosh, o futuro chefe religioso do ashram de Pondicherry, se tornou completo. Snao desta data os dois celebres artigos do fogoso Tilak no Kesari, “The Country’s Misfortune” e “These Remedies Are Not Lasting”.

Novamente processado por se revelar, com os seus escritos, desafecto à Coroa britânica, Tilak foi, a despeito da brilhante defesa pelo abalizado causídico de Bombaim, Joseph Batista, mais conhecido como Kaka (tio) Batista, condenado a seis anos de degredo na Birmânia, onde ficou encarcerado na cadeia de Mandalay até ser posto em liberdade, regressando à Índia, em 1914. Foi na prisão ali que, absorvendo-se na leitura da Bíblia e nas obras de Hegel, Kant, Spencer, Stuart Mill, Bentham, Voltaire e Rousseau, o político se fez pensador e escreveu o seu comentário ao Bhagawat Geeta Rahasya, ou “significado secreto” daquele cântico da epopeia nacional., Mahabharata, dando-lhe uma interpretração nova, inteiramente diferente dos comentadores anteriores.

Neste seu famoso comentário do Bhagwat Geeta, Tilak provou que a ideia fulcral desse “Cântico da Bem-Aventurança” é Karma Yoga, afirmando que “ninguém pode contar com a protecção da Providência se se senar com as mãos postas e alijar o seu fardo sobre outros” e que “Deus não ajuda os inactivos, os apáticos” e dirigindo um apelo vibrante à acção. O revolucionário virado filósofo, com a sua interpretação activista do Bhagwat Geeta, formulou assim uma filosofia revolucionária, uma filosofia de acção e nao uma filosofia de renúncia, como queria Shankara.

Regressado do desterro na Birmania, Tilak lançou-se na campanha pelo Home Rule, que tinha sido iniciada pouco antes por Annie Besant e, dois anos depois, tornou ao Congresso, que havia deixado por causa das suas desinteligências com os moderados. Após o Congresso de Lucknow, desencadeou por todo o país uma campanha vigorosa pelo Home Rule, que levou até a Inglaterra quando lá foi intentar acção por difamação contra Sir Valentine Chirol pelo seu livro intitulado Indian Unrest, causa que perdeu, mas não sem granjear o apoio de algumas das figuras mais representáveis daquele país, como o jornalista e escritor Edgar Wallace, o dirigente socialista George Landbury e, acima de todos, o chefe do Partido Trabalhista, Ramsay Macdonald, que desde então fez da causa indiana um dos pontos principais das suas campanhas eleitorais.

Foi no congresso de Lahore que Tilak proclamou Sampurna Swaraj, ou seja, independência completa como o objectivo final daquela organização política, declarando perentória e enfaticamente: “Swaraj é para mim um direito de nascença e eu alcançá-lo-ei”. De facto, muito antes de Mahatma Gandhi, ao contrário do que geralmente se supõe, foi Tilak quem converteu o Congresso, essa instituição lealista fundada por Octávio Allan Hume, um liberal victoriano, numa organização política militante anti-britânica, ao mesmo tempo que transformou uma plataforma elitista limitada à classe intelectual educada à inglesa num movimento verdadeiramente popular extensivo às massas analfabetas.

Como conseguiu Tilak, criar uma consciência política no povo, mas massas? Muito simplesmente. Principalmente, convertendo uma comemoração cívica, o Shivaji Jayanti, aniversário do grando herói marata e uma festividade religiosa, o Ganapati puja, em manifestações de carácter popular. Mais do que o culto de Shakti na Bengala, o de Ganexa serviu a Tilak à maravilha para o fim em vista por se tratar do deus “removedor dos obstáculos”, Vigneshwar, sendo o maior obstáculo de todos o jugo colonial britânico, e o primeiro a ser removido a todo custo. Tilak conseguiu o seu desiderato remodelando o tradicional festival religioso anual, substituindo a celebração privada nos lares pela entronização de uma imagem comum, sarvajanik, numa praça pública, aproximando deste modo brâmanes e não-bramanes e, enfim, fazendo dos deus Vigneshwar o símbolo de um movimento de protesto.

Tem-se dito por vezes, por um conhecimento superficial da sua complexa personalidade, que Tilak, radical, extremista, politicamente, era conservador, até reaccionário, em matéria social, como se veria da sua oposição ao Age of Consent Bill para a abolição dos casamentos entre crianças na comunidade hindu ou às medidas profilaticas tomadas pelo Governo de Bombaim por ocasião de peste bubónica. É mister, porém, considerar que Tilak não se opunha em princípio a uma legislação social progressiva nem a providências sanitárias, como as acima mencionadas, mas apenas negava a um potência estrangeira o direito de reformar os usos e costumes indianos ou de adoptar medidas higiénicos ou outras que iam bulir com os sentimentos religiosos do povo. A sua aceitação equivaleria para ele a uma renúncia abjecta ao direito que cada um tem de moldar o seu próprio destino.

Tilak não foi apenas um político, foi também um sábio, um erudito, que deixou obras de alto valor, com “Orion ou pesquisas sobre a antiguidade dos Vedas, em que, preferindo os dados astronómicos aos filológicos, provou remontar a 3000 anos AC, a composição dos Vedas e “The Attic Home of the Vedas”, em que, valendo-se também de argumentos geológicos, mostrou serem os Árias originários das regiões árticas da Ásia, duas obras, para não falar de outros trabalhos de menor tomo publicados em revistas de especialidades, que o consagraram definitivamente como erudito arqueólogo.

Estabelecido um paralelo entre Lokamanya Tilak e Mahatma Gandhi, escreveu Romain Rolland, na sua biografia deste: ‘Homem de uma rara energia, unindo num feixe de ferro a tríplice grandeza da inteligência, da vontade e do carácter, um cérebro mais vasto que Gandhi, mais solidadmente enriquecido da velha cultura asiática, sábio, matemático erudito, tendo sacrificado todas as exigências do seu gênio ao serviço da pátria e despido, como Gandhi, de toda a ambição pessoal, não esperando senão a vitória da sua causa para se retirar de cena para retomar o seu labor científico. Foi, enquanto viveu, o chefe incontestado da Índia. O que teria sucedido se uma morte prematura o não tivesse arrebatado em 1920? Gandhi, que se inclinava diante da soberania do seu gênio, diferia profundamente dele quanto ao método político e não teria, se Tilak vivesse, conservado senão a direção de certo modo espiritual do movimento. O que seria o levantar dos povos da Índia sob este duplo comando! Nada lhe teria podido resistir porque Tilak possuía o controlo da ação como Gandhi o das forças interiores. A sorte decidiu de outro modo e foi de lamentar para a Índia e para o próprio Gandhi. O papel de chefe da minoria, de elite moral teria correspondido melhorà sua natureza e aos seus íntimos desejos. Gandhi teria deixado de bom grado a Tilak a direção da maioria. Gandhi nunca teve fé na maioria. Essa fé, tinha-a Tilak. Este matemático de ação acreditava no número. Era um democrata nato. Era também absolutamente um político, sem se prender com as exigências da religião. Dizia que a política não é para sadhus. Este sábio teria sacrificado mesmo a verdade à liberdade. E esse homem integro, cuja vida foi de uma pureza imaculada, não hesitava em dizer que tudo é justo em política. O pensamento de Gandhi neste ponto é irredutível. Em face de Tilak, Gandhi proclama que obrigado a escolher sacrificaria a liberdade a verdade.