A minha casa não é minha/é de vós todos/As palavras que escrevo não são minhas/São de vós também – poeta brasileiro
Perguntaram-me outro dia se eu sabia o que era a Vida. Desde a ovulação até a inseminação artificial. Ou as suas manifestações como a velhice de cabelos de prata na noite de prata de destinos cruéis de sofrimento e de ternura. “Teasingly”, afirmaram-me que na filosofia da goanidade, viver era beijar a mão que não se podia cortar. Ou quem não herdou, tinha de m..... Cônscio como sou de que o protesto rebelde é válido e actual, fiquei a lembrar páginas antigas de Nietzsche – uma das grandes benesses do Cristianismo é tornar-nos cordeiros, pois aliás, até os servente e os criados davam cabo de nós. Quanto à Vida, não soube que responder. Ainda penso galgar Sancoale para pedir uma resposta aos heróis da tragi-comédia.
Sim, este fado de escrever a horas mortas quando os capitalistas pensam no ‘net profit’, ‘net figures’ e ‘net amount’ (tudo net mas não neat) e o pequeno burguês sorve na inconsistência de cama do casal lonçanias gastas no duro ofício de dactilógrafa, Oficial (oficial sem espada, claro, femino e moderno, tipo 75), o que a esposa burguesa traz além do dote. Escrever com a música da agonia na alma palavras de agonia. Mas porque? Porque não se escolhe o fado, o destino das letras, quem tem olhos de ver que leia.
Não haveria outras opções? A luta, a acção directa junta com camaradas que no silêncio heroico de suas vidas constroem um barco, máquinas, arroz e tantos bens de utilidade social? Cada homem leva ao túmulo o que trouxe do berço, e o homem de letras não podia ser excepção. No nosso arsenal, só a pena nos resta. E o agravo de uns quantos ofendidos orgulhosos da sua vitória intitulada “saber viver”. Ou aceitar a horizontalidade de Cristo? Quem sabe, uma das opções?
Eu não aceito a afirmação de Cabral e Sá de que a literatura se estagnou com Eça. Se é certo que o nosso Amadeu trazia transparente na sua ironia, as “Farpas” de Ramalho, também é verdade que alguns de nós buscam o autêntico na Arte – que o digam aliás, eles próprios, Mário e Martinho Noronha. Mas compreendo a sua dúvida potente quando afirmou no Simpósio sobre “Goanidade- Mito ou Realidade”. Sim, resta-nos “O Heraldo” mas com o preço do papel quem nos vai ler (cito de memória, não tenho o texto à mão)?
Escrever para quem? Eis a dúvida para aquela Jane símbolo e não nome verdadeiro da juventude goesa que lê Nick Carte e se empenha decidadmente com “calças stretch” balão ou bandeira do seu modernismo e desprezar ou ignorar por condição factual a língua e literatura portuguesa num alongamento goês, típico congraçar de duas raízes, duas autenticidades? Para aqueles poucos da velha guarda que vivem e sentem o que sofremos na hora difícil da criação?
Desistir não está no meu calendário existencial. Escrever, ainda que seja para uns poucos eleitos e logo vos conto o que se passou em Lisboa nos anos 50. Estavamos à saída do Teatro, lá na Avenida da Liberdade, eu e um jovem do Porto, José Luís de Costa (segue na 3a página) Dias fresco de uma prisão no Peniche por ter assinado um Comunicado de Protesto da M.U.D. ao lado de Rui Cabeçadas, Luís Monjardino. Era uma noite de invernia e a calor da emoçnao com que Eunice Muñoz e Rogério Paulo haviam representado o “Gebo e a Sombra” de Raul Brandão disseminava no espaço confluente as dúvidas da adolescência. E foi então que o Poeta brasileiro nos surgiu, anónimo como “Pedro, o Vagabundo” de Manuel Mendes que pouco antes estivera conosco no Teatro. Vinha de Paris, do Sud Expresso, gostaria conhecer os intelectuais não comprometidos. E dizia versos (ou seria algo de real, penso hoje?) que rezavam assim “Tinha uma casa, lá no Morro, com crioula mulata Pulquéria ou coisa que valha, havia retratos na sala de Generais e Comendadores e uma suposta tia velha parte do recheio. A tia era uma espécie de Símbolo de coragem, e havia negros no Morro [os negros e os curumbins, que estranha identidade pensava eu, goês e indiano?]. Um dia de sol parti à busca de aventura. Mordendo, piscando, esgravatando o solo e por toda a parte, encontrei a comunhão dos homens.
“A minha casa não é minha
É de vós também!
As palavras que escrevo não são minhas,
São de vós também!”
Esquecer e lembrar é parte da condição humana.
Perguntaram-me outro dia se eu sabia o que era a Vida. Desde a ovulação até a inseminação artificial. Ou as suas manifestações como a velhice de cabelos de prata na noite de prata de destinos cruéis de sofrimento e de ternura. “Teasingly”, afirmaram-me que na filosofia da goanidade, viver era beijar a mão que não se podia cortar. Ou quem não herdou, tinha de m..... Cônscio como sou de que o protesto rebelde é válido e actual, fiquei a lembrar páginas antigas de Nietzsche – uma das grandes benesses do Cristianismo é tornar-nos cordeiros, pois aliás, até os servente e os criados davam cabo de nós. Quanto à Vida, não soube que responder. Ainda penso galgar Sancoale para pedir uma resposta aos heróis da tragi-comédia.
Sim, este fado de escrever a horas mortas quando os capitalistas pensam no ‘net profit’, ‘net figures’ e ‘net amount’ (tudo net mas não neat) e o pequeno burguês sorve na inconsistência de cama do casal lonçanias gastas no duro ofício de dactilógrafa, Oficial (oficial sem espada, claro, femino e moderno, tipo 75), o que a esposa burguesa traz além do dote. Escrever com a música da agonia na alma palavras de agonia. Mas porque? Porque não se escolhe o fado, o destino das letras, quem tem olhos de ver que leia.
Não haveria outras opções? A luta, a acção directa junta com camaradas que no silêncio heroico de suas vidas constroem um barco, máquinas, arroz e tantos bens de utilidade social? Cada homem leva ao túmulo o que trouxe do berço, e o homem de letras não podia ser excepção. No nosso arsenal, só a pena nos resta. E o agravo de uns quantos ofendidos orgulhosos da sua vitória intitulada “saber viver”. Ou aceitar a horizontalidade de Cristo? Quem sabe, uma das opções?
Eu não aceito a afirmação de Cabral e Sá de que a literatura se estagnou com Eça. Se é certo que o nosso Amadeu trazia transparente na sua ironia, as “Farpas” de Ramalho, também é verdade que alguns de nós buscam o autêntico na Arte – que o digam aliás, eles próprios, Mário e Martinho Noronha. Mas compreendo a sua dúvida potente quando afirmou no Simpósio sobre “Goanidade- Mito ou Realidade”. Sim, resta-nos “O Heraldo” mas com o preço do papel quem nos vai ler (cito de memória, não tenho o texto à mão)?
Escrever para quem? Eis a dúvida para aquela Jane símbolo e não nome verdadeiro da juventude goesa que lê Nick Carte e se empenha decidadmente com “calças stretch” balão ou bandeira do seu modernismo e desprezar ou ignorar por condição factual a língua e literatura portuguesa num alongamento goês, típico congraçar de duas raízes, duas autenticidades? Para aqueles poucos da velha guarda que vivem e sentem o que sofremos na hora difícil da criação?
Desistir não está no meu calendário existencial. Escrever, ainda que seja para uns poucos eleitos e logo vos conto o que se passou em Lisboa nos anos 50. Estavamos à saída do Teatro, lá na Avenida da Liberdade, eu e um jovem do Porto, José Luís de Costa (segue na 3a página) Dias fresco de uma prisão no Peniche por ter assinado um Comunicado de Protesto da M.U.D. ao lado de Rui Cabeçadas, Luís Monjardino. Era uma noite de invernia e a calor da emoçnao com que Eunice Muñoz e Rogério Paulo haviam representado o “Gebo e a Sombra” de Raul Brandão disseminava no espaço confluente as dúvidas da adolescência. E foi então que o Poeta brasileiro nos surgiu, anónimo como “Pedro, o Vagabundo” de Manuel Mendes que pouco antes estivera conosco no Teatro. Vinha de Paris, do Sud Expresso, gostaria conhecer os intelectuais não comprometidos. E dizia versos (ou seria algo de real, penso hoje?) que rezavam assim “Tinha uma casa, lá no Morro, com crioula mulata Pulquéria ou coisa que valha, havia retratos na sala de Generais e Comendadores e uma suposta tia velha parte do recheio. A tia era uma espécie de Símbolo de coragem, e havia negros no Morro [os negros e os curumbins, que estranha identidade pensava eu, goês e indiano?]. Um dia de sol parti à busca de aventura. Mordendo, piscando, esgravatando o solo e por toda a parte, encontrei a comunhão dos homens.
“A minha casa não é minha
É de vós também!
As palavras que escrevo não são minhas,
São de vós também!”
Esquecer e lembrar é parte da condição humana.
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