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Tuesday, 3 February 2015

Alberto de Menezes Rodrigues - Falam os Terrenos Incultos (1972)

Séculos e milénios decorreram
Desde que começamos a existir
E ninguém se importou de nós
Nenhum homem nos veio arrotear
Para aproveitar
A nossa força criadora
Nós somos em grande número situados
Em várias partes desta linda Goa
E não poucos de nós fomos beneficiados
Com um solo muito rico,
Que pode produzir searas luxuriantes!
Nós ansiamos por vos levar, ó goeses,
A meta da prosperidade.

Cresce erva, crescem plantas inúteis,
Extraindo do nosso seio
Os alimentos que necessitam
Todos nos abandonaram!
Todos nos abandonaram!

Quando, anualmente, o ribombar do trovão
Anuncia a chegada do Inverno
Para a fecundação
Da terra,
A nossa ansiedade atinge o auge.
Depois, sentimos as carícias,
O frescor,
Das águas que se despenham do céu,
Cantando,
- Magnífica dádiva do Senhor
Ao povo goês! –
Mas nunca lobrigamos ninguém,
Nenhum ser humano.

Que venha operar
Segundo o divino plano,
Desbravando-nos,
Lavrando-nos,
Semeando-nos,
Para que tenhamos a ventura
De nos desentranhamos
Em messes e verdura.

Agora que uma nova era raiou
Para este pedaço do Concão,
Nós recorremos a vós,
Senhores governantes
Pedimos vos digneis volver
Os vossos olhos para nós
E satisfazer
O nosso anhelo.
Desejamos a nossa inclusão
Na reforma agrária que foi anunciada,
A fim de sermos cultivados.
E, se o conseguimos,
Nós vos ajudaremos, com prazer,
A resolver,
O grande problema,
Concernante a Goa,
Em que estamos a cogitar:
A auto-suficiência alimentar.

Sunday, 2 November 2014

Leopoldo da Rocha - Caminhos de Luz por Alberto de Menezes Rodrigues (1963)

O autor, nosso distinto conterrâneo, publicou em 1958, em aprazível edição pela Tipografia Rangel, o livro acima intitulado, que mereceu louváveis referências do douto crítico Agostinho Veloso. Três novelas perfazem o livro e têm elas por título: “Almas plenas de sol”, “Vinde a mim” e “Audácia Vitoriosa”.

Numa época como a nossa, de sensibilidade muito esquisita, afeita a padrões de Hemingway, à análise introvertida de um Proust, à poesia em estado bruto que o realismo social como um Jorge Amado e, entre nós, Orlando da Costa tão bem exploraram, o género convencional de ‘bonitas’ histórias, simples, ingénuas, edificantes, muito bem construídas, são de molde a desagradar a certa casta de leitor.

Outros, como nós, amariam experiências ocasionais que este último tipo de leitura proporciona. Ao lermos livros como “Caminhos de Luz”, muita vez nos sentimos melhor, como que respirando um ar puro, da inocência dos campos, após uma alucinada digressão pela moderna cidade.

Monday, 1 April 2013

Alberto de Menezes Rodrigues - Um Vulto Caminha Pelo Valado (1964)

Cavos e profundos são os rugidos do Zuari
Porque está no auge a monção
Alta hora da noite
Ansiando lenitivo
A dor que me atormenta com rudeza,
Abro a janela
E espraia a vista pela Natureza.
Que tétrica escuridão!
Nuvens pluviosas toldam o céu
Lugubremente.
O vento brama,
Fustigando com furor demente
Os coqueiros,
Que parecem enormes gigantes descorçoados,
E cujas frondes são grandes cabeleiras negras
Alongadas para o nordeste,
De quando em quando vibram no ar
Latidos de um cão
Impressionado com a violência
Da ventania.

.

Um vulto caminha pelo valado
Que conduz à estrada asfaltada.
Homem ou mulher?
Avança o passo acelerado
Por entre espiques de palmeiras
Pisando talvez plantas rasteiras.
Nesta hora de negridão
E de pavor
Que plano domina o cérebro
Daquela criatura audaciosa
E vai ter execução?
Roubo?
Suicídio
Aventura amorosa?

Monday, 18 February 2013

Alberto de Menezes Rodrigues - O Divino Infante e o Bom Ladrão (1968)

No seu castelo Dimas agasalha
A sagrada família fugitiva,
Que, uma noite chuvosa, ele encontrou
Nos arredores, toda apreensiva.

Manhã seguinte, sobem ao terraço,
Onde respiram brisa muito pura
Dimas toma o menino nos seus braços
E conta-lhe coisinhas com ternura.

Apontando um cabrito que pastava
Não muito longe e era branco e belo
Diz que o dá ao Menino para que Ele
Se lembre da hospedagem do castelo.

Jesus sorri suavemente a Dimas
E afaga-o com a sua rósea mão;
Agradecendo desta sorte a oferta
Que era feita pelo bom ladrão.

Na tarde, despedindo-se o Menino
Seus braços põe sobre o ladrão amigo
Que ouve, então uma voz: “a tua morte
Sem gloriosa; morrerás comigo”.

Quase trinta e três anos decorreram...
No Calvário, Jesus em agonia
Reconhecendo ao lado o bom ladrão
Levava-o, termo em sua companhia...

Wednesday, 5 December 2012

Alberto de Menezes Rodrigues - Glória ao Soldado Indiano (1962)

O Dragão Amarelo
Fincou
Suas garras
No solo sagrado
Da nossa Pátria
E uma guerra feroz rebentou!

Porque todos nos unimos
Para enfrentar com energia
A agressão cínica e desumana,
Porque a nossa causa é justa
E numerosas nações nos deram
O conforto da sua simpatia
Quase que se vislumbra a vitória indiana.

A Alma do sempre lembrado
Mahatma Gandhi
- O Pai da Nação –
Paira sobre a Índia
Como uma Sombra inspiradora,
Como uma Sombra que vale por ela
Não nos intimidemos diante da força agressora
Que avançou!
Não está longe a despontar do dia
Em que os invasores,
Não podendo aguentar os combates,
Regressem cabisbaixos aos penates!

E desta provação, que o Destino lhe impôs,
A Nação emergirá
Mais unida,
Mais coesa,
E mais contente,
Continuando a trabalhar
Em prol da Humanidade,
Cônscia da sua alta missão no Mundo.
E atingirá rapidamente
A meta da prosperidade.

Longe, nas regiões montanhosas do Himalaia,
Cobertas de neve,
Os nossos jawans batem-se com bravura.
- Que os nossos corações palpitem de orgulho
E de gratidão! –
Defendendo a Nação,
Eles defendem a nós e os nossos lares.
E quantos tombaram para sempre,
Vítimas do furor insano
Dos chineses!

Glória ao Soldado Indiano!

Sunday, 25 December 2011

Walfrido Antão - Flores Campestres Review (1968)

Alberto Menezes Rodrigues que me honra com sua amizade há anos acaba de me oferecer com uma amável dedicatória seu último livro de contos e que leva o sugestivo título de Flor Campestre. Li-os. Gostei. Tornei a ler e nas suas páginas ainda húmidas do prelo e da imprimissão como diria Jaime Rangel fui encontrar Goa Velha, a antiga capital do Reino dos Kadamba. O ar, o clima dos contos, e telúrico, igual às raízes, ao varzedo verde, à graça fresca e louçã das suas raparigas e mulheres que enfeitam os mercados de Pangim e Margão com o refolho das suas saias de chita e “choli” que revela mais do que esconde.

Quem conhece Goa Velha sabe que esse pequeno rincão da alma goesa tem a genealógica aristocrática de velhos proprietários Menezes, um dos quais deixou pelo seu amor à agricultura um importante tratado sobre a “Arte Palmarica”. Um Plácido Menezes se não me engano que no contexto da nossa economia deixou uma tradição e novos métodos. É assim a terra, a posição geográfica onde se movem os personagens dos contos de Flor Campestre. Alberto Menezes Rodrigues é essencialmente um poeta de sentido lírico como se referiu o crítico literário do jornal O Século de Lisboa ao apreciar seu li

ro de poemas. Rico de imaginação, o autor de Flor Campestre foi buscar ao povo seus personagens. O “conflito” ou seja o “drama” dos contos de Alberto Menezes Rodrigues não tem no entanto a dimensão do “moderno”, “realista”. Falta-lhe a economia das palavras. Vai longe no pormenor e no detalhe. Não deixa ao leitor a margem da “escolha” de ele ser um dos personagens. Como um poeta que é, arranca os personagens à sua fantasia. Vejamos por exemplo o conto “Flor Campestre”. O personagem principal ou o herói é um médico recém formado, que se apaixona por uma Mariana que vinha buscar água ao seu poço. Ela era filha do povo que nunca podia sonhar com um doutor e Alberto Menezes Rodrigues aproveita desta situação para nos dar uma imagem rósea e optimista da vida ‘tout est bien que finit bien”. Depois do “moruoni”, esta passagem “Aproximando-se da noiva ainda mais, e em cujos lábios de rosa, bailava um lindo sorriso de graça e de sonho, e poisando as duas mãos sobre o ombro dela Daniel do Rego depôs na fronte ebúrnea um beijo puríssimo de amor.”

Sejam quais forem as nossas ideias sobre a literatura e muito embora nos custe compremeter o sentido existencial da literatura que papa hóstias de má catadura pouco entendem, convém reconhecer que Alberto Menezes Rodrigues tem contribuído imenso para alargar a dimensão de literatura em Goa. Ele traz influências profundas dos românticos, Júlio Diniz em especial. Até a escolha dos nomes das personagens, como Daniel, parece obedecer a esse comando instintivo. Que Alberto Menezes Rodrigues continue a criar.

Monday, 7 November 2011

Alberto de Menezes Rodrigues - Cantores Alados (1965)

Certo dia, acordei de manhã cedo,
E fiquei, no meu leito, a escutar
Um lindo, harmonioso gorjear
De pássaros poisados no arvoredo.

Pouco depois me levantei, e ledo
Uma janela abri de par em par,
Para melhor no quarto penetrar
O canto divinal do passaredo.

Reparei logo, que se destecava
Dos moruonis a vibração maviosa
E enternecidamente eu a escutava.

Mas uma gralha, num gesto brutal,
Metendo a sua voz rude e fanhosa,
Transtornou o concerto matinal

Saturday, 25 June 2011

Alberto de Menezes Rodrigues - A água do oásis (1965)

Um oásis no deserto!
Um oásis!
E eu bebo água da sua fonte,
Avidamente,
Porque sou um sequioso
E cansado viandante.

A água do oásis,
Como é refrigerante
E vivificante!

Sinto uma doçura inefável
Inundar-me a alma,
E a esperança, que me anima
É linda como a aurora
Que, surgindo acima do monte,
Espanca o nevoeiro
E tinge de rubro o horizonte.

Friday, 24 June 2011

Alberto de Menezes Rodrigues - A minha língua materna (1972)

Como é agradável, oh!, como é formosa
E doce a língua concani, a minha
Língua materna! Linda, deleitosa,
Como um rosa de jardim fresquinha!

Quando ouço uma canção ou poesia
Em concani, de boa composição,
Delicio-me. A beleza e a harmonia
Produzem em mim dúlcida impressão.

Numerosas palavras são mui belas,
Como gaian, uzvadd, nirmoll, sundor
Não parece que há música nelas?

Sinto imenseo não a ter cultivado.
Agora é tarde. Está perto o sol-pôr.
Desço a colina da vida cansado.

Alberto de Menezes Rodrigues - Imploração (1964)

Ardem círios sobre o Sepulcro.
A vossos pés, numerosos abolins,
Essas flores de Goa, de suave olor,
Parecem querer aliviar-lhes a dor.
Na capela-mor está a Cruz,
Onde, ainda há pouco, Vós vi pregado,
O Jesus!
E, em sua frente, numa mesinha,
Os três cravos que nela Vos haviam fixado
E a coroa de espinhos que Vos cingia a cabeça.
Anualmente, na Sexta-Feira Santa, comove-me este cenário
Que recorda o vosso horrível martírio no Calvário.

Um a um, os fieis beijam os vossos pés,
Ajoelhando, à beira do Sepulcro, com respeito e compunção,
Eu quero ser o último. Quero beijar-Vos, Senhor,
No silêncio e na solidão.
Anseio estar em grande intimidade convosco.
É triste esta hora, e um arrependimento sincero
Domina o meu ser que muito Vos tem ofendido.

Vós sois a mina Luz. Sois o Caminho, a Verdade,
Impelido pelo vosso imenso amor à Humanidade,
Quisestes morrer na Cruz,
A fim de a redimir e lhe abrir as portas do Céu.
Naquele dia, na Judeia.
Subindo o Calvário, íngreme e pedregoso,
Passastes por tormento horroroso!

Eu sou a urze mirrada da beira da estrada
Que aguarda com ansiedade
O despenhar da agua vivificante
Das nuvens do céu.
Eu necesito da vossa protecção.
Dai-me vossa bênção, ó Jesus ensanguentado!
Que ela fortaleça a minha alma tímida e atribulada
E me leve a cumprir devidamente os meus deveres
- Que tantas vezes me fazem penar! –
E evite o desalento,
O descorçoamento,
Se contratempos e frustrações me vierem esmagar.

Todos beijaram vossos pés e saíram da igreja.
Avanço para o Sepulcro em silêncio
E ajoelho
Vejo a vossa cabeça reclinada sobre uma almofada;
As pálpebras tranquilas e descidas sobre os olhos:
Os vossos pés trespassados.
Que profunda emoção eu sinto agora aqui:
Beijo os vossos pés respeitosamente.
Senhor! Senhor! Dai-me aquilo que Vos pedi!

Alberto de Menezes Rodrigues - A nossa terra e a nossa língua

A Divina Munificência
Mimoseou-nos com um lindo torrão,
Que causa intensa admiração
Àqueles que de longe o vêm ver.
Goa, a nossa Goa, é a PÉROLA DO CONCÃO!
É o pedaço mais belo da nossa bela Índia!
Praias de loira areia,
Que o Mar da Arábia beija incessantemente,
Debruam viridentes palmeiras,
Formosas Colinas com cajuais,
Penedias calvas, rochedos alcantilados,
Tudo banhado por um sol esplendoroso,
Rios azuláceos, serpeando por entre aldeias,
Realçam, aqui e ali, a beleza da paisagem.
Ladeando estradas e caminhos,
Crescem veigas, virentes, deleitosas,
Sob a concha azulina do céu.
Há faldas de oiteiros, frescas, namorosas,
Onde fontes de água cristalina
Entoam suas eternas canções
E as aves gorgeiam do nascer ao pôr do Sol.
Nas bandas do nordeste,
Enormes montanhas elevam os seus cumes ao alto,
Como que tentando um assalto
Ao infinito,
Tão fascinante é a beleza
De Goa,
Tão exuberante é nela a Natureza,
Que lhe chamaram com entusiasmo
PARAÍSO DA ÍNDIA!

Bela é também a nossa língua
- O concani –
Um filho ilustre do Bharat
Disse ser ela
A mais doce língua na Índia!
Enleva-nos a alma
Essa aprecição honrosa
Feita por alguém
Que não é de Goa.
A nossa língua
É na verdade, rica e harmoniosa.
Suas palavras são doces e frescas
Como essas fulvas volvolãs
Que se desprendem do vonvoleiro
Ao sopro da aragem
E vão aromatizar o chão
O próprio nome, o próprio nome que ela tem,
Não é lindo também?

Duas magníficas dádivas
Nos vieram do Senhor:
Dádivas de ternura e amor:
Terra bela
E língua bela.

Monday, 6 June 2011

Anonymous - A Água do Oásis Review (1964)

O conhecido poeta goes Alberto de Menezes Rodrigues acaba de nos mimosear com mais uma sua apreciada produção literária sob a forma de uma nova colecção de poemas – já antes nos brindara com Arroios, também uma coletânea de versos e Caminhos de Luz, novelas – primorosamente impressa na afamada Tipografia Rangel que já ganhou, de há muito, esporas de oiro no domínio da arte gráfica nesta terra que, entre os seus muitos primados, se pode gabar de ter possuído o primeiro prelo em toda a Ásia.

“Fiel ao conceito” de Augusto de Castro “de que poesia é essencialmente lirismo e sensibilidade” e portanto necessariamente indiferent “à poesia filosófica e intelectual”, o inspirado vate canta, em quase três dúzias de poesias em muitas das quais é acentuada a nota regional, temas tão díspares como “a nossa terra e a nossa língua”, a “flor campestre”, a “paz de espírito”, “a nossa aldeia”, “uma manhã em Lisboa”, o “choupal de Coimbra”, “a menina coxa”.

A Água do Oásis – título da última poesia da série – é uma colecção de versos fáceis e correntes, sem grandes voos poéticos, nem forçando muito a inspiração, nos quais o autor dá largas, em linguagem simples e desataviada, aos seus sentimentos.

Agradecemos a gentil oferta de um exemplar com uma cativante dedicatória.

Monday, 21 March 2011

Alberto de Menezes Rodrigues - S. Estanislau (1965)

Ali, no cantinho, alvejam mogarins
Vamos ao pé deles.
Não sentes a fragrancia inebriante
Que eles rescendem?
São de beleza fascinante
Estas flores de Goa!
Ouve: ó donzela:
No dia das tuas núpcias
Levarás na mão
Um ramo de mogarins.
E se então florescer aquela laranjeira,
Que se ergue sobranceira
Ao pé do poço,
Ataviar-te-ás
Com uma grinalda de suas flores,
Sorriste! Sorriste afinal!
Mas há mais. Escuta. Usarás um sari
De brancura lirial!
O sari é um traje lindo.
Nas suas dobras, curvas e voltas,
No frufru que ele produz,
Há algo que encanta e fascina,
Nunca viste, em Agosto ou Setembro,
Ao sol poente
(Por ocasião de uma festividade),
Mulheres Indus
Seguiram em grupos,
Por caminhos rurais,
Para casas de seus parentes ou amigos?
A essa hora vespertina,
O verde dos arrozais
Que bem realça a graça dos saris!

Monday, 14 March 2011

Alberto de Menezes Rodrigues - Insónia (1970)

Foge-me o sono. A noite avança,
Negra como o carvão.
Cães ladram na vizinhança,
Fere-me os ouvidos
A estridulação
Dos grilos
Um dia morreu e um novo nasceu
Canta um galo
Amanheceu

Sunday, 13 February 2011

Joaquim de Oliveira - Review of Alberto de Menezes Rodrigues's “Caminhos de Luz" (1958)

Não resta dúvida de que Goa atravessa presentemente uma profunda crise de ordem cultural. Estamos convencidos de que esta crise em razão de múltiplos factores, tem um carácter transitório, mas importa denunciá-la com propósitos objectivos no plano intelectual. Nas artes, nas letras, no teatros, nos próprios e hesitantes programas da rádio, etc., reflecte-se notoriamente um estado de coisas que bem merece ser encarado superiormente no sentido de maior elevação de tais actividades culturais. Goa não é só paisagem, ruínas, fotografia; observa-se a luta dos que trabalham ao longo das praias, dos cais, das minas, das extensas campinas desta Goa exuberante. Existem problemas locais de grande importância que estão à espera de ser objectivados. Em que buraco se meteram os poetas, os escritores e artistas capazes de nos dar a vida do homem goês?

O último livro que me foi enviado não foge à regra das considerações expostas. O facto de o Sr. Alberto de Menezes Rodrigues classificar Caminhos de Luz como “novelas” não significa que as suas composições realmente o sejam. O primeiro quesito que um escritor deve ter presente é, pelo menos, o conhecimento dos géneros literários. Um romance, uma novela e um conto têm a sua arquitectura própria. Foram novelistas o nosso Camilo, contistas um Tchecov, um Maupassant, uma Catarina Mansfield, etc, e são actualmente extraordinários contistas e novelistas um Hemingway, um Saroyan, um Caldwell, um Steinbeck. Todas a novelística, desde a sua origem até ao presente, segue uma linha evolutiva de que é preciso ter em conta as suas principais coordenadas. É isto que o Sr. Alberto Rodrigues parece ignorar, de contrário não chamaria novelas às suas hesitantes composições buriladas ao jeito de uma Rosa ao Adro... Chamasse-lhe narrativas, lendas, etc, e a coisa escapava. A primeira composição “Almas plenas de sol” quase se encaminhava com uma novela no primeiro andamento; mas o autor perdeu-lhe o fôlego, rematando-a com digressões na paisagem e sem conflitos de maior. De resto, quando a realidade é produto de uma imaginação de gabinete ou mero quadro alegórico com fins moralísticos (o caso de Roberto, p. Ex.) torna-se-lhe difícil a sua estruturação ficcionista, ainda que queira imprimir-se-lhe um cunho de veracidade.

Isto quanto à forma e técnica do livro do Sr. Rodrigues.

Quanto ao fundo... “Caminhos de Luz” visa a intuitos apologéticos no âmbito da problemática católica. Em vez de se colocar à margem da obra como qualquer escrito imparcial, transferindo as suas ideias ou teses para os personagens, o autor caminha com eles num plano perfeitamente simétrico. É isto o que se chama arte no serviço, aliás em desacordo com certos defensores de uma Arte Pura, com exclusão de propaganda. Mas tais doutrinadores não têm razão, pois que a arte serve as ideologias (politicas, religiosas, etc.) e consequentemente, o homem. O que pode discutir-se ´´o valor das ideologias, seu processo de divulgação, contradições, etc. Sob este aspecto não cabe aqui essa destrinça; temos de observar, no entanto, que o autor força bastante a nota apologética, traduzindo mais propaganda que arte. Tanto o ecletismo de Roberto como o ateísmo do Dr. Mário são de um simplismo ingénuo, inconcebível. Um grande médico, homem de muito carácter como se diz, embrenha-se num sistema filosófico ateu. Isto não impede que a sua vida seja de alta dignidade e coerência; mas, por motivos de casamento, converte-se de um dia para o outro, especialmente porque um amigo lhe envia As Grandes Teses da Filosofoia Tomista cuja leitura, automaticamente, o mete no bom caminho que não seguia. Há nisto como se vê, um simplismo a toda a prova. Se o Sr. Alberto Rodrigues algum dia leu O Drama de João Barois (cujo autor de Prémio Nobel morreu há pouco) terá observado que problema humano de uma conversão é mais complexo, exige, pelo menos, uma arquitectura novelística em que o drama de consciência se desenrola num gráfico oscilatório bastante doloroso, e não em queda vertical como o autor o liquidou. Toda a obra literária digna de crédito tende a projectar os problemas quaisquer que eles sejam, num plano universal; ora, se o ateísmo é um problema universal, não é com uma tese local simplista que fica resolvido; de contrário bastaria que o Dr Mário tivesse lido As Grandes Teses da Filosofia Tomista mais cedo, o que muito bem poderia ter feito quando andou pela universidade e se interessou pelos problemas filosóficos.

Devemos ainda notar que as narrativas de Caminho de Luz estão eivados de artificialismo (de que as cartas são exemplo), há falta de vivência humana e de densidade artística para que se imponha como documento literário de valor. Não lhe descobrimos um fundo caracteristicamente goês, isto é um clima, uma alma, uma cor local específica, embora num ou noutro ponto haja recortes de paisagem tropical.

À parte estas restrições, o livro está moldado numa prosa bastante correcta, enriquecida ainda com localismos de linguagem que mais o valorizam. O Sr. Alberto Rodrigues denota possuir certas facilidades de tema, practica um estilo bastante sugestivo que lhe permitiria a elaboração de obras de mais larga representação humana. Agradecemos-lhe o exemplar enviado e fazemos votos para que nos dê um novo livro – um livro em que a realidade goesa venha à superfície nos seus aspectos mais exuberantes e para a reprodução da qual o autor se encontra apetrechado de qualidades literárias fundamentais.

Saturday, 12 February 2011

Renato de Sá’s Review of “Flor Campestre” (1968)

O conhecido poeta Alberto de Menezes Rodrigues acaba de dar à publicidade um livro de contos e novelas sob o título geral de “Flor Campestre”, numa bela edição da Tipogragia Rangel.

São contos e narrativas, de maior ou menor extensão em que o drama de certas vidas é narrada com objectividade e leveza de estilo.

Aqui no primeiro conto “Flor Campestre”, trata-se de um jovem médico, de avantajada condição social que se apaixonou por uma jovem aldeã que certa manha surpreendeu donairosa ao regressar a casinha humilde com o cântaro de água a saltitar no antebraço e como diria o ronha da aldeia “revelando mais e escondendo menos...” a entoar uma terna canção.

Porém isso é simples platonismo ou a cousa caminha de vento em poupa perguntava um realista das redondezas.

Alberto de Menezes Rodrigues descreve o ambiente da aldeia em que decorre a acção do conto, as horas duras que o jovem médico tem de passar numa luta de verdadeira tração entre o preconceito social e as preocupações da família da jovem camponesa que procura arrumar o futuro da filha com um moço que se ajusta mais à sua condição, luta tremenda que o consome, mas em que o destino por fim pondo-se de permeio realiza a almejada aliança.

Perguntar-se-ia porém ao autor desse conto: assim teria acontecido de facto?

Todavia é o autor que no-lo narra, e temos de admitir que não seria cousa insusceptível de suceder nesta vida.

Alberto de Menezes Rodrigues
-x-

Num outro conto que se intitula “Lua-de-Mel em Caxemira” que tem por fim um desfecho fatal e depois sob outras circunstâncias uma Lua-de-Mel; as “Belezas Naturais do Mundo” ou “Dádiva do Céu” em que após anos de esterilidade se volta a página atormentadora da vida de um casal e ainda a tragédia Celeste todas essas constituem narrativas sentimentais da existência para muitas das quais a vida jamais sorri.

Nas páginas do livro que estamos a revistar surgem aqui e além quadros campestres e recortes de paisagem goesa evocada com sentimento e vibração da alma: Calangute com o seu vasto areal batidos pelas vagas alterosas do Índico, uma casinha recortada ao fundo duma duna onde teve lugar um devaneio amoroso, o cruzeiro de Bambolim, a encosta que conduz para o mar, vista a hora do recolhimento quando uma voz melodiosa ressoa naquela verdajante solidão:

“Meu Deus,/E tantas gotas desperdiças/Pelas charnecas áridas, nos montes/Nos areais e campos e caminhos/Onde há florinhas brancas a brilhar!"

Outros quadros matizam ainda estes solilóquos: a faina campestre, o espectro da estiagem que consome o homem do campo, depois ainda, as searas reluzentes ao sol etc., toda essa terna evocação de paisagens conhecidas, onde se desenvolvere a acção das suas narrativas, dão ao novo livro de Alberto de Menezes Rodrigues um doce sabor e de onde se espelha ao mesmo tempo o travo de melancolia do seu espírito, aliás, já manifesto, em algumas páginas da sua obra de poeta.