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Wednesday, 5 December 2012

Evagrio Jorge - Orgulho da Grei (1969)

“Je suis né dans l’Inde orientale, dans ce pays qui fut le berceau de poesies, philosophies et des histoires…

J’appartiens à cette race qui composa Mahabaratta et inventa les échecs – deux œuvres qui portent en elles quelque chose d’eternel et d’infini…

Je demande pour l’Inde la liberté et la lumière!”

A – Quem foi Francisco Luís Gomes ? Onde nasceu ? Onde viveu ? Que fez ele em vida ?

B – Francisco Luís Gomes foi um goês ilustre, nascido em Navelim de Salcete aos 31 de Maio de 1829. Formado médico pela Escola Médica de Goa, dentro dos curtos 40 anos de vida, foi parlementar, economista, historiador, escritor e humanista.

A – Parlementar foi-o Francisco Luís Gomes, de 1861 até a sua morte em 1969 e nessa qualidade defendeu a liberdade, pugnou pelas regalias cívicas e fez a defesa dos humildes e protegidos. Eis algumas passagens lapidares dos seus eloquentes discursos:

C – Tenho amor aos príncipios, amor inabalável e forte. E se este amor precisasse de alguma recomendação tinha-a nas palavras que me dirigiu um dos grandes homens desta terra. Há mais de dois anos o sr José Estevam, abraçando-me e ao sr. Tomás Ribeiro disse-nos estas palavras: Rapazes, não sacrifiquem nunca os princípios aos homens. Não há homem nenhum que valha um princípio.

B – E esta outra passagem que se provou profética: ‘As revoluções antigas derrubavam os feudos, os privilégios, os fortes, os poderosos; as revoluções futuras hão-de levantar os pequenos, os humildes e os pequenos. As revoluções passadas fizeram pequenos os grandes; as revoluções futuras hão-de fazer grandes os pequenos. As revoluções passadas eram os furacões que abatiam os castelos e os confundiam com o pó da terra; as revoluções futuras devem ser os terramotos que levantem as camadas ínfimas e as tornem primeiras . As revoluções passadas foram o “deposuit potentes”, as revoluções futuras devem ser o “sursum corda”. As revoluções passadas emanciparam as classes, as revoluções futuras hão-de libertar as massas, emancipando as indústrias, barateando subsistências e propagando a instrução”.

B – Logo a seguir disse isto que se aplica também às condições actuais do nosso pais:

C – “As liberdades económicas! Eis aí a bandeira, à cuja sombra se podem fundir e aliar-se os partidos em Portugal. Estamos nas liberdades politicas mais adiantados do que muitas nações de Europa, não assim nas económicas. A liberdade é indivisível como a túnica de Cristo. Podem roubá-la mais não a podem dividir. Metade de liberdade não é uma liberdade, é privilégio.”

A – Como economista, Francisco Luís Gomes escreveu três trabalhos de alto valor, que produziram eco em Londres e Paris, sendo apreciado por economistas de nomeado como Stuart Mill, Michel Chevalier e Garnier. A Sociedade dos Economistas de Paris ofereceu-lhe um “fauteuil” distinção que até lá fora concedida apenas a quatro estrangeiros: Gladstone, Mingheti, Stuart Mill e Lobedz.

B – Como historiador e biógrafo, a sua obra em francês “Le Marquis de Pombal – Esquisse de sa vie publique” é um monumento imorredouro à sua elevada noção de historiador, superior visão e belo espírito critico. Com um admirável poder de síntese, Francisco Luís Gomes apreciou nas 377 páginas deste livro a vida portuguesa de 27 anos do Governo de Pombal, nos seus mais diversos aspectos. É considerado ainda hoje o melhor livro que se publicou sobre o grande ministro de D. José, segundo depoimento de escritores como Pinheiro Chagas, Oliveira Martins e Teófilo Bragança.

A – E, finalmente, como escritor e humanista, o romance “Os Brahamanes” ficará para a eternidade não só como o primeiro romance escrito por um goês, mas como uma obra prodigiosa dum grande luminar da nossa terra.

A- O que levou Francisco Luís Gomes a escrever o romance “Brahamanes”? Qual foi o ideal que o norteou na execução dessa obra? Quais as dificuldades que experimentou ao bolar o livro?

B – Revelou o autor da dedicação do livro do “Gazeta de Portugal”, António Augusto Teixeira de Vasconcelos. Eis o que escreveu:

“O livro que ofereço a V. Excia é uma colecção de artigos escritos a lápis e em tudo semelhantes a estes que eu enviava da câmara dos deputados para a tipografia da “Gazeta”, e que V. Excia tinha depois o incómodo de iluminar. O romance, digo-o aqui em segredo, é apenas a forma, o disfarce com que pretendi introduzi-lo nas estantes e obter-lhe pousada mais larga do que é costume conceder aos jornais que aos primeiros raios de sol se derramam por toda a parte mas que em nenhum ficam de assento mais de vinte e quatro horas, quanta luz tinham se lhes apaga, quanto valor possuíam se lhes de deprecia: ei-los confundidos no dia seguinte com as varreduras, e colhendo só desprezos. Sobre esta razão acrescentava-se outra para mim de maior momento: é que o romance tem domínios seus, vastos e exclusivos, e o jornal não pode entrar neles, senão disfarçado, como nos missionários de cristianismo entravam algum dia nas terras dos pagãos. Se pelo mal imitado dos trajes eu não puder lograr o meu fim podem os guarda-barreiras rir-se da minha ousadia, mas peço-lhes que tenham bastante consciência e coração bastante para me respeitar a intenção: que em nobre empresa a que me queda é nobre”

B – E quanto ao ideal que o autor se propunha defender, escreveu ele o que se segue:

C - “É necessário que os princípios da liberdade, igualdade e fraternidade, eternos na sua duração sejam também universais na sua aplicação, que traduzidos em instituições, leis e costumes se estendam por toda a superfície do globo, e penetram até as suas últimas camadas. Só então a regeneração do homem será completa. Proclamando o aqui em voz alta e desejando-o com toda a energia do meu coração, não cuido que seja seduzido por uma miragem social. E que o fosse, mesmo assim eu não ganharia pouco, porque é essa uma das tais utopias benéficas e esplêndidas que despertam com grande poderio o nosso ânimo, que elevam os miseráveis acima dos seus misérias e os afortunados acima do seu egoísmo e transportam a uns e outros às alturas do Sinai, donde só se descortina a bandeira hasteada no cume do Calvário, que é a bandeira da humanidade.”

B – Quanto às dificuldades que encontrou no seu caminho, disse:

“Isto de ser romancista não é cousa fácil como de fora e à primeira vista parece...

Vou pois contar a V. Excia lisamente e com verdade o que me aconteceu ao urdir o enredo deste romance. Criava dois, três, quatro personagens, insuflava-lhes vida, vestia os o melhor que podia, ensinava-lhes gestos e maneiras, depois contemplava-os com inefável prazer e direi mesmo com certo orgulho. Pareciam-me tão belos! Nisto tocava ao almoço, e eu ia almoçar. Não me demorava nem meia hora porque tinha saudades da minha gente.

Voltava, mas Santo Deus, que mudança! Os personagens eram todos feios; os trajes assentavam-lhes como mascarada, e as suas falas sentia-as frias como o gelo. Indignado e cheio de furor, pegava no cutelo e zás, trás, zás, trás, matava tudo. Era horroroso o espectáculo que tinha então diante dos olhos: cabeças decepadas, braços amputados, dedos partidos, sangue, ruínas, vésperas sicilianas, enfim... E só depois que moderei os meus instintos homicidas e agrilhoei os meus braços, é que pude andar e terminar este romance...

A – Qual foi o acolhimento que o mundo literário deu ao romance “Os Brahamanes”? Que disseram dele os escritores portugueses do tempo?

B – Quando o romance saiu, foi acolhido com ovações por escritores da primeira plana.

O grande escritor António Feliciano de Castilho disse dele o seguinte:

D – “Elegância de estilo, vernaculidade de frase, orginalidade de pensamento, facilidade de forma e um dizer sempre simpático e fluente – são qualidades que distinguem esta mimosa produção e que fazem futurar o seu autor uma das mais fulgurantes estrelas da nossa plêiade literária”

B – Pinheiro Chagas, outro escritor de renome, referiu-se desta maneira ao romance do nosso conterrâneo:

D - “O romance não só é um livro bem escrito, mas também é interessante romance. As peripécias complicam-se, o enredo prende a atenção e o estilo fluente, a palavra imaginosa, mostram que o autor soube conservar a virgindade de sua fantasia no meio das lutas parlamentares e de aridez das lucubrações económicas.

As paragens são pintados com mão de mestre. Sente-se que o sr. Francisco Luís Gomes, no meio de civilização europeia, vota sempre e os olhos com profunda saudade para as florestas flagrantíssimas e os ridentíssimos quadros da sua terra natal.

O romance do sr. Gomes é uma soberba estrela e com esse livro desde já o talentoso deputado conquistou um distinto lugar na nata dos nossos romancistas.

B – ‘Le Courier de Lisbonne’ que se propunha tornar conhecidas no estrangeiro as obras primas da literatura portuguesa, traduziu para francês o apreciado romance publicando-o em folheto. Foi posteriormente traduzido do português e publicado por um jornal londino.

Música

A – De que trata, afinal, este tão falado romance? É interessante o seu entrecho? Atraente a narrativa? Vivas as descrições?

B – O Dr Agostinho Fortes apreciou0o abrindo um discurso que fez em Lisboa em 1929 por ocasião do centenário de nascimento de Francisco Luís Gomes.

D – ‘Na realidade não sei que mais admirar em ‘Os Brahmanes’, se a riqueza e o apropriado da linguagem, se o bem delineado e conduzido da acção, se a beleza e magnanimidade dos concertos, se a firme justeza dos caracteres, se a grandiosidade do intuito? Há em os Brahamanes o reflexo da magnificência da Índia, dessa Índia de sonho, dessa Índia do além, dessa Índia tão criadora literariamente que nos deu as duas grandes epopeias Ramaiana e Mahabharata dessa Índia de Shacuntalá, de Sivá o tipo mais idealmente belo e mais inexcedívelmente moral. A acção de “Os Brahamanes” é simples mas grandiosa perpassando nela o tumultuar das paixões e ódios das raças que outros vão há que só lhes assemelhe em intensidade e rancor e o desdém olimpicamente altaneiro das castas superiores dum brahamane por um sudra ou mata ainda por um pária cuja só única vista macula, a alva pureza dimanada do Brahamane. Mas ó consolo das almas bem-formadas, todo este ódio todo este desdém se esboroa e derrete à vez suavíssima da virtude; bem como o rancor que parecia insaciável de Magnod se liquifez à luz quente da grandeza de ânimo de Fr. Francisco, o missionário exemplar que edifica converte.

B – É certo que o romance perdeu hoja a sua actualidade. A Índia de 1969 é o pólo oposto da Índia de 1869. A Índia dum século atrás era um pais decadente, prostrado, crucificado na cruz infame da dominação estrangeira. Mas mesmo então os seus fakirs vaticinavam: “A pátria de Manu, depois de correr como uma moeda às mãos de Alexandre, Tamerlão, Albuquerque, Dupleix e Clive, deve voltar aos seus antigos senhores.”

Levou o largo espaço dum século para se provar verdadeiro o vaticínio. A revolta de 1859 – primeira guerra de independência – foi sufocada pelos ingleses. Referendo-se a ela, uns escassos nove anos depôs, escreveu Francisco Luís Gomes no capitulo 16o do romance:

C – “Os homens imparciais, que fazem questão da liberdade e não das raças, querem a Índia para a Índia, e detestam todos os déspotas, chamem eles nababos ou Cloves. Deve merecer as simpatias da Europa o país que formulou a democracia no jogo de xadrez – o país que formulou a democracia no jogo de xadrez, o pais que cantou com a voz dos anjos as sublimidades do céu e com a voz do rouxinol todas as belezas da terra, no seu poema Mahabharata, verdadeiro Himalaia da literatura.

B – As soluções que Francisco Luís Gomes, na melhor das intenções, propugnara para o renascimento da sua pátria, não se provaram de todo necessárias. A religião cristã e a instrução desempenharam, sim, um papel no ressurgimento do nosso povo. Mas duma forma geral e básica foi o génio imorredouro da nossa cultura ancestral e as potencialidades latentes de nossa raça que se afirmaram mais uma vez. Os séculos 19o e 20o viram gigantes de pensamento e acção como Keihub Chandra Roy, Ramakrisha e Vivekananda, Dedebai Nacraj, e Lokmanya Tilak, Rabrindranath Tagore and Mahatma Gandhi. Subhas Chandra Bose e Jawaharlal Nehru viram estes gigantes surgirem do seu solo e levantarem o país do torpor em que se encontrava. A Índia está hoje livre, e marcha triunfante na senda do progresso.

MÚSICA

C – Escassos três anos haviam decorrido sobre a publicação de “Os Brahamanes” e o seu autor que, como que pressentindo a morte, ia trabalhando sem descanso, sentiu-se exausto e combalido. Os médicos esgotaram todos os seus recursos.

Lembra-se então dos ventos da pátria: “é meu inimigo este doce clima da Europa”, diz, e embarca para a Índia. Mas a Parca cruel atinge-o em pleno Mar Mediterrâneo. A noticia é recebida com sensação e dor nos continentes.

Tomás Ribeiro cantou-lhe assim a glória:

Morres, fugir do sol! Furtar-se à glória
Quem tão mimoso foi dos seus afagos
Quem no abismo sem fim dos sonhos vagos
Passara a vida, a transbordar de luz.

Monday, 20 June 2011

Evágrio Jorge - Os Brahamanes (1967)

Francisco Luís Gomes foi um goês ilustre; nascido em Navelim, de Salcete, aos 31 de Maio de 1829. Formado pela Escola Médica de Goa, dentro dos curtos 40 da sua vida, foi parlamentar, economista, historiador e escritor.

Parlementar foi Francisco Luís Gomes, de 1861 até a sua morte em 1869, e nessa qualidade defendeu a liberdade, pugnou pelas regalias cívicas e fez a defesa dos humildes e desprotegidos. O seu carácter era de antes quebrar que torcer. Afirmou uma vez no parlamento:

“Tenho amor aos princípios. E se este amor precisasse de alguma recomendação, tinha nas palavras que me dirigiu um dos grandes homens desta terra. Há mais de dois anos, o Sr. José Estevam, abraçando-me ao Sr. Tomás Ribeiro, disse-nos estas palavras: “Rapazes, não sacrifiquem nunca os princípios aos homens. Não há homem nenhum que valha um princípio”

Foi deveras profético este seu vaticínio:

“As revoluções antigas derrubavam os feudos, os privilégios, os fortes, os poderosos; as revoluções passadas fizeram pequenos os grandes; as revoluções futuras hão-de fazer grandes os pequenos. As revoluções passadas eram os furacões que abatiam os castelos e os confundiam com o pó da terra; as revoluções futuras devem ser os terramotos que levantam as camadas ínfimas e as tornam primeiras. As revoluções futuras hão-de liberar as massas emancipando as indústrias, barateando as subsistências, propagando a instrução!”

Como economista, Francisco Luís Gomes escreveu três trabalhos de alto valor, que produziram ecos em Londres e Paris, sendo apreciados por economistas de nomeada como Stuart Mill, Michel Chevalier e Garnier. A Sociedade dos Economistas de Paris ofereceu-lhe um “fauteuil”, distinção que até lá era concedida apenas a quatro estrangeiros: Gladstone, Minghetti, Stuart Mill e Eobedz.

Como historiador e biógrafo, a sua obra em francês: “Le Marquis de Pombal: Esquisse de sa vie publique” é um monumento imorredouro à sua elevada noção de historiador, superior visão e belo espírito critico. Com um admirável poder de síntese, Francisco Luís Gomes – apreciou na 377 página deste livro, a vida portuguesa de 27 anos do governo de Pombal, nos seus mais diversos aspectos. É considerado ainda hoje o melhor livro que se publicou sobre o grande ministro de D. José, segundo o depoimento de escritores como Pinheiro Chagas, Oliveira Martins e Teófilo Braga.

E, finalmente, como escritor e humanista, o romance ‘Os Brahamanes’, cujo centenário de publicação racaiu em 1966, ficará para a eternidade, não só como o primeiro romance escrito por um goês, mas como uma obra prodigiosa dum grande luminar da nossa terra.

Escreveu-o o seu autor, não com grandes pretensões literárias, mas apenas para servir de veículo às suas ideias progressivas. E quais são estas ideias? Ei-las nas palavras do próprio Gomes:

“É necessário que os princípios da liberdade, igualdade e fraternidade, eternos na sua duração, sejam também universais na sua aplicação; que, traduzidos em instituições, leis e costumes, se estendem por toda a superfície do globo e penetram até as suas últimas camadas. Só então a regeneração do homem será com completa. Proclamando-o aqui em voz alta e desejando-o com toda a energia do meu coração, não cuido que seja seduzido por uma miragem social. E que o fosse, mesmo assim eu não ganharia pouco, porque é esta uma das tias utopias benéficas e esplêndidas que despertam com grande poderio o nosso ânimo, que elevam os miseráveis acima das suas misérias e os afortunados acima do seu egoísmo, e transportarem a uns e outros às alturas do Sinai, donde só se descortina a bandeira hasteada no cume do Calvário que é a bandeira da humanidade.”

O romance teve um extraordinário acolhimento da parte da impresa e dos literatos portugueses e foi logo traduzido para francês e inglês.

O grande escritor António Feliciano de Castilho disse dele o que segue:

“Elegância de estilo, vernaculidade de frase, originalidade de pensamento, facilidade de forma e um dizer sempre simpático e fluente são qualidades que distinguem essa mimosa produção e que fazem futurar em seu autor uma das mais fulgurantes estrelas da nossa plêiade literária”

O Dr. Agostinho Fortes apreciou-o assim no discurso que fez em Lisboa em 1929, por ocasião do centenário de Francisco Luís Gomes:

“Na realidade, não sei que mais admirar em “Os Brahmanes”, se a riqueza e o apropriado da linguagem, se o bem delineado e conduzido da acção, se a beleza e a magnanimidade dos conceitos, se a firme justeza dos caracters, se a grandiosidade do intuito. Há em “Os Brahmanes” o reflexo da magnificência da Índia, dessa Índia de sonho, dessa Índia do além, dessa Índia tão criadora literariamente que nos deu as grandes epopeias Ramaiana e Mahabharata, dessa Índia de Xacuntalá, de Sitá, o tipo mais idealmente belo e mais inexcedívelmente moral. A secção de “Os Brahmanes” é simples mas grandiosa, perpassando nela o tumultuar das paixões e ódios de raças que outros não há que se lhes assemelham em intensidade e rancor, e o desdém olimpicamente altaneiro das castas superiores, dum brâmane por um pária, cuja só única vista macula a alva pureza dimanada do Brahma. Mas, o consolo das almas bem formadas, todo esse ódio, todo esse desdém se esboroa e derrue (sic) à luz suavíssima da virtude e do bem, como o rancor que parecia insaciável de Magnod se liquefaz à luz quente da grandeza de ânimo de Frei Francisco, o missionário exemplar que edifica e converte”.

É certo que o romance perdeu hoje a sua actualidade. A Índia de 1966 é o pólo oposto da Índia de 1866. A Índia dum século atrás era um país decadente, prostrado, crucificado na cruz infame da subjugação. Mas mesmo então os seus faquires vaticinavam: “A pátria de Manu, depois de correr como uma moeda às mãos de Alexandre, Tamerlão, Albuquerque, Dupleix e Clive, deve voltar aos seus antigos senhores (os indianos)”.

As soluções que Francisco Luís Gomes, na melhor das intenções, propugnava para o renascimento da sua pátria, não se proveram de todo necessárias. A religião cristã e a instrução desempenharam, aí, um grande papel no ressurgimento da nossa gente. Mas duma forma geral e básica, foi o génio imorredouro da nossa cultura ancestral e as potencialidades latentes da nossa raça que se afirmaram mais uma vez. O século XX viu gigantes de pensamento e acção, como Ramacrishna e Vivekapanda, Dadabai Naoroji e Lokmanya Tilak, Radindranath Tagore e Mahatma Gadhi, Subhas Chandra Bose e Jawaharlal Nehru, viu esses gigantes surgirem do seu solo e levantarem o seu país do torpor em que se encontrava. A Índia está hoje livre e marcha triunfante na senda do progresso...

Escassos três anos haviam decorrido sobre a publicação de “Os Brahmanes”, e o seu autor que, como que pressentindo a morte, ia trabalhando sem descanso, sentiu-se exausto e combalido. Os médicos esgotaram todos os seus recursos.

Lembra-se então dos ventos da Pátria: “É meu inimigo este doce clima da Europa” diz, e embarca para a Índia.

Mas a Parca cruel atinge-o em pleno Mar Mediterrâneo. A notícia é recolhida com sensação e dor nos dois continentes.

Tomás Ribeiro cantou-lhe assim a glória:

“Morrer! Fugir do sol! Furtar-se à glória

Quem tão mimoso foi dos seus afagos

Quem, no abismo sem fim dos sonhos vagos

Passará a vida, a transbordar de luz”