Francisco Luís Gomes foi um goês ilustre; nascido em Navelim, de Salcete, aos 31 de Maio de 1829. Formado pela Escola Médica de Goa, dentro dos curtos 40 da sua vida, foi parlamentar, economista, historiador e escritor.
Parlementar foi Francisco Luís Gomes, de 1861 até a sua morte em 1869, e nessa qualidade defendeu a liberdade, pugnou pelas regalias cívicas e fez a defesa dos humildes e desprotegidos. O seu carácter era de antes quebrar que torcer. Afirmou uma vez no parlamento:
“Tenho amor aos princípios. E se este amor precisasse de alguma recomendação, tinha nas palavras que me dirigiu um dos grandes homens desta terra. Há mais de dois anos, o Sr. José Estevam, abraçando-me ao Sr. Tomás Ribeiro, disse-nos estas palavras: “Rapazes, não sacrifiquem nunca os princípios aos homens. Não há homem nenhum que valha um princípio”
Foi deveras profético este seu vaticínio:
“As revoluções antigas derrubavam os feudos, os privilégios, os fortes, os poderosos; as revoluções passadas fizeram pequenos os grandes; as revoluções futuras hão-de fazer grandes os pequenos. As revoluções passadas eram os furacões que abatiam os castelos e os confundiam com o pó da terra; as revoluções futuras devem ser os terramotos que levantam as camadas ínfimas e as tornam primeiras. As revoluções futuras hão-de liberar as massas emancipando as indústrias, barateando as subsistências, propagando a instrução!”
Como economista, Francisco Luís Gomes escreveu três trabalhos de alto valor, que produziram ecos em Londres e Paris, sendo apreciados por economistas de nomeada como Stuart Mill, Michel Chevalier e Garnier. A Sociedade dos Economistas de Paris ofereceu-lhe um “fauteuil”, distinção que até lá era concedida apenas a quatro estrangeiros: Gladstone, Minghetti, Stuart Mill e Eobedz.
Como historiador e biógrafo, a sua obra em francês: “Le Marquis de Pombal: Esquisse de sa vie publique” é um monumento imorredouro à sua elevada noção de historiador, superior visão e belo espírito critico. Com um admirável poder de síntese, Francisco Luís Gomes – apreciou na 377 página deste livro, a vida portuguesa de 27 anos do governo de Pombal, nos seus mais diversos aspectos. É considerado ainda hoje o melhor livro que se publicou sobre o grande ministro de D. José, segundo o depoimento de escritores como Pinheiro Chagas, Oliveira Martins e Teófilo Braga.
E, finalmente, como escritor e humanista, o romance ‘Os Brahamanes’, cujo centenário de publicação racaiu em 1966, ficará para a eternidade, não só como o primeiro romance escrito por um goês, mas como uma obra prodigiosa dum grande luminar da nossa terra.
Escreveu-o o seu autor, não com grandes pretensões literárias, mas apenas para servir de veículo às suas ideias progressivas. E quais são estas ideias? Ei-las nas palavras do próprio Gomes:
“É necessário que os princípios da liberdade, igualdade e fraternidade, eternos na sua duração, sejam também universais na sua aplicação; que, traduzidos em instituições, leis e costumes, se estendem por toda a superfície do globo e penetram até as suas últimas camadas. Só então a regeneração do homem será com completa. Proclamando-o aqui em voz alta e desejando-o com toda a energia do meu coração, não cuido que seja seduzido por uma miragem social. E que o fosse, mesmo assim eu não ganharia pouco, porque é esta uma das tias utopias benéficas e esplêndidas que despertam com grande poderio o nosso ânimo, que elevam os miseráveis acima das suas misérias e os afortunados acima do seu egoísmo, e transportarem a uns e outros às alturas do Sinai, donde só se descortina a bandeira hasteada no cume do Calvário que é a bandeira da humanidade.”
O romance teve um extraordinário acolhimento da parte da impresa e dos literatos portugueses e foi logo traduzido para francês e inglês.
O grande escritor António Feliciano de Castilho disse dele o que segue:
“Elegância de estilo, vernaculidade de frase, originalidade de pensamento, facilidade de forma e um dizer sempre simpático e fluente são qualidades que distinguem essa mimosa produção e que fazem futurar em seu autor uma das mais fulgurantes estrelas da nossa plêiade literária”
O Dr. Agostinho Fortes apreciou-o assim no discurso que fez em Lisboa em 1929, por ocasião do centenário de Francisco Luís Gomes:
“Na realidade, não sei que mais admirar em “Os Brahmanes”, se a riqueza e o apropriado da linguagem, se o bem delineado e conduzido da acção, se a beleza e a magnanimidade dos conceitos, se a firme justeza dos caracters, se a grandiosidade do intuito. Há em “Os Brahmanes” o reflexo da magnificência da Índia, dessa Índia de sonho, dessa Índia do além, dessa Índia tão criadora literariamente que nos deu as grandes epopeias Ramaiana e Mahabharata, dessa Índia de Xacuntalá, de Sitá, o tipo mais idealmente belo e mais inexcedívelmente moral. A secção de “Os Brahmanes” é simples mas grandiosa, perpassando nela o tumultuar das paixões e ódios de raças que outros não há que se lhes assemelham em intensidade e rancor, e o desdém olimpicamente altaneiro das castas superiores, dum brâmane por um pária, cuja só única vista macula a alva pureza dimanada do Brahma. Mas, o consolo das almas bem formadas, todo esse ódio, todo esse desdém se esboroa e derrue (sic) à luz suavíssima da virtude e do bem, como o rancor que parecia insaciável de Magnod se liquefaz à luz quente da grandeza de ânimo de Frei Francisco, o missionário exemplar que edifica e converte”.
É certo que o romance perdeu hoje a sua actualidade. A Índia de 1966 é o pólo oposto da Índia de 1866. A Índia dum século atrás era um país decadente, prostrado, crucificado na cruz infame da subjugação. Mas mesmo então os seus faquires vaticinavam: “A pátria de Manu, depois de correr como uma moeda às mãos de Alexandre, Tamerlão, Albuquerque, Dupleix e Clive, deve voltar aos seus antigos senhores (os indianos)”.
As soluções que Francisco Luís Gomes, na melhor das intenções, propugnava para o renascimento da sua pátria, não se proveram de todo necessárias. A religião cristã e a instrução desempenharam, aí, um grande papel no ressurgimento da nossa gente. Mas duma forma geral e básica, foi o génio imorredouro da nossa cultura ancestral e as potencialidades latentes da nossa raça que se afirmaram mais uma vez. O século XX viu gigantes de pensamento e acção, como Ramacrishna e Vivekapanda, Dadabai Naoroji e Lokmanya Tilak, Radindranath Tagore e Mahatma Gadhi, Subhas Chandra Bose e Jawaharlal Nehru, viu esses gigantes surgirem do seu solo e levantarem o seu país do torpor em que se encontrava. A Índia está hoje livre e marcha triunfante na senda do progresso...
Escassos três anos haviam decorrido sobre a publicação de “Os Brahmanes”, e o seu autor que, como que pressentindo a morte, ia trabalhando sem descanso, sentiu-se exausto e combalido. Os médicos esgotaram todos os seus recursos.
Lembra-se então dos ventos da Pátria: “É meu inimigo este doce clima da Europa” diz, e embarca para a Índia.
Mas a Parca cruel atinge-o em pleno Mar Mediterrâneo. A notícia é recolhida com sensação e dor nos dois continentes.
Tomás Ribeiro cantou-lhe assim a glória:
“Morrer! Fugir do sol! Furtar-se à glória
Quem tão mimoso foi dos seus afagos
Quem, no abismo sem fim dos sonhos vagos
Passará a vida, a transbordar de luz”
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