Nasceu em 1866, no Distrito de Ratnagiri, numa família pobre, o maior poeta das letras maratas. Os fracos recursos da família não lhe permitiam a instrução superior. Mesmo o curso secundário pôde conclui-lo à força de grande tenacidade e sacrifícios. Por mais de doze anos, o poeta levou uma vida errante, à busca de algum serviço condigno. Em 1903 foi nomeado mestre-escola em Dharwar e morreu em 1905, vítima de peste bubónica. Mas, no curto espaço de 14 anos, escreveu mais de 130 poemas que o consagraram na literatura marata pelo alto quilate das suas produções, como fundador duma nova escola, cujo impacto, volvidos setenta e cinco anos, ainda hoje a geração moderna admite e reconhece com suma gratidão.
Kesovahsuta é o pseudónimo de Krisnaji Kesova Damle que iniciou na literatura marata uma era nova. Podemos chamar-lhe a era romântica. Libertou de inúmeras peias o espírito poético: abriu-lhe novos horizontes no tocante ao conteúdo e à forma. Introduziu na poesia o subjectivismo, até então ignorado ou desprezado pelos seus contemporêaneos.
A sua forte personalidade poética, agressiva, revolucionária, iconoclasta, contrasta com a sua modesta humilde, silenciosa, individualidade física. De extremas condições adversas em que se debateu, saiu e gradualmente se tornou nítida a sua personalidade que açoita como o vendaval o conservantismo, o dogmatismo, os preconceitos e costumes sociais, concertos poéticos que atrofiavam a alma social e reduziam o indivíduo à situação de escravo, negando-lhe a liberdade da acção, do pensamento e do sentimento.
Reformador Social
Pode-se dizer, por isso que Kesovahsuta foi arauto das novas reformas sociais que, mais tarde, haviam de sacudir a nociva poeira do obscurantismo em que estava submerso o espírito social e individual. Apareciam, então, sinais de resitência ao domínio britânico. A sociedade despertava para o novo influxo das ideais democráticas, disseminadas pela literatura inglesa. Despontavam no horizonte novas estrelas de primeira grandeza, como Tilak, Ranande, Agarkar. Fermentavam novas ideias no meio social. Foi Kesovahsuta que, através dos seus versos, deu expressão à nova corrente da renascença e reformismo.
As suas poesias como ‘Tutari’, ‘Nova Shipayee’, ‘Gotam’ e ‘Sfurti’ são gritos de revolta contra o status quo social. Os males sociais forneceram-lhe temas favoritos. Ali o poeta cresce em proporções gigantescas. Não é um indivíduo atrelado, como bois à carroça lenta, morosa da sociedade. É um ente livre, fogoso, haurindo a sua força do potencial do indivíduo que na Europa acabava de criar revoluções. É o espírito da renascença que, embora tarde, chegava às praias do nosso subcontinente, sacudindo, em diversos pontos, a letargia e a inércia em que estava imerso o elemento pensante do pais. O idealismo do poeta, derivando dum subjectivismo dinâmico dava-lhe uma visão extraordinária que antevia para todos os seres sociais um paraíso. Mas o seu subjectivismo tinha um fundo metafísico que nos lembra Antero de Quental. Há nas suas poesias como Padyapangti e Sandyakall arroubos de desespero, futilidade da vida. Mas esta faceta não é tão predominante como a do reformador social. Há na sua personalidade a fusão de Guerra Junqueiro e Antero de Quental. Às vezes o poeta sobe para as regiões do incógnito e problemas eternos como Deus, a Morte, a Vida, atormentam o seu espírito e, à maneira dos Rishis antigos, tenta dar-lhes solução. Então as suas produções tornam-se místicas como “Zapuraza”, “Matari” e “Harpalem Shreya”.
Génio Criador
A sua máxima contribuição para a poesia, em geral, e para o pensamento criador em particular, foi a consciência nítida do imenso poder do artista, consciência que ele comunicou à sua geração e às vindouras, com coragem e ardor imprevistos. Esse pensamento transformou o poeta que se julgava um metrificador passivo, um ente estéril , numa força dinâmica, num ente invulgar que, à força da sua visão, lobriga nas vulgaridades da vida significados vastos e profundos, capazes de comunicarem ao indivíduo imensas forças.
“Rangoli”, “Satariche Boll”, “Ammi Khon” e muitos outros poemas são a prova da minha afirmação. Neles o poeta canta hinos ao génio criador. Daí a sua inteira atitude e seus variados problemas. Graças a ela, o metrificador marata subiu do seu pedestal rasteiro e tornou-se um poeta, um visionário, um escultor das almas. É a filosofia do romantismo, reflectida, pela primeira vez, nas letras maratas. O individualismo, cercado da aureola do romantismo, imprimiu às suas criações poéticas um aspecto radiante, inteiramente novo. Há nelas um repto à nossa humanidade dormente, passiva, uma ânsia vigorosa por uma vida melhor em que o indivíduo modela o seu meio, segundo as suas aspirações.
Seis meses antes da sua morte repentina, o poeta escrevia a um dos seus amigos e admiradores uma carta em que este lhe pedia a sua opinião sobre uma poesia que lhe enviara para a sua apreciação. Dou a seguir passagens mais importantes desse documento que é como o testamento da sua fé:
“A poesia é como o raio celeste. Os que tentam atingi-la, são, na sua maioria queimados. Sou um deles. Aconselho-te, por isso, a não alimentar ilusões. Queres dissipar as trevas do mundo com o raio do teu talento? Se sim, vê se o teu coração está despertado ou melhor constrangido, despedaçado. Porque, só então, isto é, quando o raio, partindo do coração, penetra a inteligência e se reflecte no mundo exterior, se abre o caminho da perfeição. Doutra forma, a poesia será como lâmpadas pintadas no papel, com as quais magotes de voluntários pretendem guiar nas trevas os transeuntes. Queres um íntimo prazer espiritual? Não há dúvida que tal prazer é a melhor recompensa da poesia. Mas de que serve o prazer que deriva da coceira? São desta natureza todos os prazeres materiais. Só nós trazem a desilusão. É pois necessário pensar seriamente na maneira como poderás desfrutar o verdadeiro prazer espiritual.
P.S. Aspiras a ser grande? Se sim, a tua aspiração deve ser orientada pelos ditames da bondade. E nota uma coisa. A nossa bondade reflecte-se melhor na expressão dos rostos dos nossos pais e de todos os entes, pequenos ou grandes, da nossa casa”
Eis uma das melhores poesias de Keshavut “Nava Sipay”, em que se revela na sua plenitude revolucionária:
“Guerreiro da Era Nova”
Jovem e bravo, sou o guerreiro da era nova;
Sou indomável na peleja,
Não sou brâmane, não sou hindu,
Nem sou sectário de qualquer crença.
Miseráveis são os que tentam
Levantar barreira em volta do campo da universalidade.
Sou voraz
E não me satisfazem as migalhas.
Não quero ser do poço a mesquinha rã
E não tolero que me fechem,
Com a sebe farpada, a vasta seara,
Onde quer que eu vá,
Vejo os meus irmãos
E vejo em todas as casas
A imagem da minha morada
E em toda a parte, sob os meus pés,
A terra relvada,
E por cima da minha cabeça
O firmamente azul,
E a sombra das árvores
A infância, bela e radiante,
E no solo flores graciosas
E à sua vista a minha alma
Vibra alvoroçada.
São minhas, todas elas,
E sou delas, de igual maneira.
A mesma corrente nos une a nós.
Sou o guerreiro indomável da era nova,
Em mim, adoro-me a mim mesmo,
A ninguém mais!
Vejo em mim o universo
E o venero.
Eu ignoro o termo “ego”
E eles, os ignorantes, limitam-no
E convidam tempestades.
Para mim são iguais o pequeno e o grande,
Iguais o bom e o mau,
Desaparece a noção de perto e longe,
Para mim tudo é grande e bom
E tudo está perto.
Sou o arauto da era nova
Que procura no mundo estabelecer
O reino da paz.
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