Monday, 23 December 2013

A Dias - Diário de Um Esquizofrénico (no date)

O meu vizinho Fabião tido por esquizofrénico na opinião do seu médico, constitui para mim um engano. No meu conceito, se é que ele sofre de esquizofrénico, nos momentos lúcidos, disserta como um filósofo cínico. O homem, de quando em vez, vem importunar-me com as suas arengas e, eu, dado o meu feitio complacente, não tenho coragem de o sacudir. Ontem, o sujeito caiu-me em casa como um rato, à hora da minha habitual sesta e, em tom sentencioso, dispara-me à queima-roupa esta diatribe: Olha, meu caro, a nossa religião conhecida como católica, apostólica, romana já não merece tal denominação.

- Que queres tu dizer com isto, perguntei-lhe em tom de enfado.

- É isso mesmo, retorquiu categórico o meu interlocutor. Ela está a descambar a olhos vistos. Por este andar não sei aonde vamos...

- Não compreendo patavina do que dizes, respondi enfiado.

- Ai não comprendes, meu pacóvio? Se tens olhos de ver, atenta bem no que se passa em nossa volta. Tudo anda em bolandas.

Cada qual mede as coisas pela sua craveira mental a fazer tábua rasa de normas preestabelicidas que nos serviam de base para a nossa conduta religiosa. O pior é que ninguém se entende neste babel.

- Estás cada vez mais intrincado com os teus paradoxos. Troca isso por miúdo, retorqui embuchado.

- Tinha-te na conta de mais atilado. Mas já que não és capaz de atinar com o que te digo, serei mais explícito. Então vês como um bom sector de sacerdotes tidos por dirigentes da religião são responsáveis pela desorientação que vem criando na mente dos fieis? Pondo de remissa o espírito de revolta e insubordinação aberta de alguns deles contra a autoridade estabelecida a constituir pedra de escândalo aos fieis, proponho-me falar desta feita apenas da febre de inovações que tem atacado muitos deles que se julgam com direito de amoldar a liturgia tradicional às suas idiossincrasias. Cito apenas um exemplo para ilustrar a minha asserção. Esses conspícuos sacerdotes, arvorando-se em reformadores religiosos, andam empenhados em introduzir no ceremonial da missa e de outros actos de culto externo, o ritual do hinduísmo. Esses pseudoreformadores invocam razões especiosas da necessidade de adaptação da nossa religião ao meio ambiente, que se convencionou chamar indianização da Igreja Mas que adaptação tão objecta essa de macaquear o ritualismo hindu. Chamar-se-ia com mais propriedade hinduização da Igreja porque metem lá unicamente o ceremonial hindu, esquecendo-se ou fingindo esquecer-se para os seus fins, de que há na Índia mais religiões que deviam contar também. Mas não! Para eles só conta o hinduísmo. Já tenho visto algures com estes meus olhos que a terra há-de comer um dia, sacerdotes católicos a celebrar a missa sentados no chão, penas atravessa; uma estola ou coisa que o valha, pendente do pescoço a substituir a tradicional casulo; velas substituídas por diulis, a símile dos que se usam das devalaias; agarbatis plantados em volta a fumegar em vez do nosso aromático incenso; os fieis sentados à frente do sacerdote com pernas cruzadas e, para coroar a burlesca cena, uma galante donzela a bailar graciosamente em torno do celebrante, ao ritmo de cânticos a estilo hindu, com acompanhamento de murdanga, à guisa de devadassis ou bailadeiras na linguagem vulgar – tudo, em suma, um arremedo caricato do ceremonial hindu... Não acabou. Vai já para poucos anos, na igreja de um convento religioso, armaram um presépio por ocasião do Natal, consoante a arte hindu onde o pobre do S. José cingia um dothi na cintura, kurtá no tronco e rumal a cabeça enquanto a Virgem Maria convergando um sari à moda hindu ostentava um notém no nariz e painzan nas pernas.

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