Eu não te
conhecia ainda. É certo que havia lido alguma coisa sobre o outro lado do Atlântico,
do Corcovado onde se não me engano o Cardeal Gonçalves Cerejeira aliás douto
homem de letras inaugurou há anos um monumento a Cristo. Gertúlio Vargas e a
sua revolução era tema de conversa entre estudantes do Liceu dos anos 1950 ávidos
de folhear o “Cruzeiro” e a última página de Raquel de Queiroz. Porém foi mais
tarde que a realidade brasileira se anunciou ou revelou duma forma trágica,
grandiosa e humana. A Selva de
Ferreira de Castro com toda a sua pujança deu-nos a imagem naturalíssima dos Seringueiros, das plantações de
borracha, de homens e animais em cio igualados pelo mais raso condicionalismo
factual da Natureza e das condições da vida. José Lins do Rego do romance São Bernardo de Pureza levou-nos até o Nordeste onde os mesmos problemas universais
como os do trabalho, pio, sangue, sexo e lágrimas recebem uma nova dimensão, um
novo estilo literário. O grande Jorge Amado da Gabriela, Cravo e Canela, do Jubiabá
herói negro de noivas negras e mulatas amando livremente no areal e junto às
docas onde marinheiros louros compravam em moeda estrangeira corpos virgens de
noivas virgens, veio mais tarde. Manuel Bandeira, o maior poeta do Brasil
moderno trouxe-nos aqueles versos que nunca mais esquecem: “Amanhã que é dia de
finados/Vai ao cemitério/Leva três rosas bem bonitas/Ajoelha e reza uma oração/Não
pelo pai/Mas pelo filho/Que o filho tem precisão/O que resta de mim na vida é a
amargura do que sofri.”
Eu sei, meu irmão
brasileiro, que o Atlântico é imenso e pesado como um sonho (segue na 4a
página) poético de duas pátrias. A mesma natureza tropical, até as mesmas
variedades de frutas como a manga ou o caju. Foi no Brasil que ficou a
descansar na mão direita de Deus como diz o Santo Antero uma das maiores
inteligências de Goa, sua voz mais eloquente, seu perfil mais romântico, sua ânsia
de cientista e microbiologista de renome internacional Froilano de Melo.
Froilano de Melo, que após a morte de Gandhi afirmou na Assembleia Nacional que
“era um herói que havia elevado o culto da revolução até a culminância da
santidade”, jaz esquecido hoje nesta terra que segundo o dizer do poeta Manuel
Maria Barbosa du Bocage será “ingrata madrasta de poetas”. Os medíocres há-os
bastantes. Ah! É verdade, já me ia esquecendo desse prosador intimo, lírico,
confessional de A Volta do Gato Preto:
Érico Veríssimo, Veríssimo que nos entusiasmou quando da sua visita a Lisboa em
busca de raízes do seu próprio passado, explicou-nos no Teatro D. Maria o
problema dos modernos da literatura
brasileira: “Nós não queremos imitar o modelo europeu da ficção. Porém, isso não
quer dizer que as correntes modernas do surrealismo e do antiromance não tenham
adeptos.”
Muita e variada é
a vida, dizia D. Francisco Manuel de Melo. A vida é feita de mudanças. Mais do
que nunca é necessário hoje o diálogo. Quem sabe, camarada existencial, se a
tua pátria não seria um elo de um viver universal sem limitações da geografia e
de dados políticos? Por enquanto, meu irmão brasileiro, apertemos as mãos sobre
o Atlântico como um símbolo desesperado de compreensão e solidariedade humanas.
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