Monday, 23 December 2013

Walfrido Antão - Crónica de Raízes: Cem Flores e Treze Abrolhos ou Carmo da Silva Contestando a Desistência (1976)

“Sexo não pode ser o único objectivo de celibato (eunuco): através do sexo pode-se alcançar “eternal bliss”, “communion with the Divine”, é uma fase de celibacy”

Acharya Bhagawan Rayneesh (Poona), Book of Secrets

“Quando dizemos Testemunha de Verdade, não abrangemos o jornalista ou homem de letras – esses vivem sua verdade particular de emoção, raciocínio, inspiração que não é propriamente divina como por exemplo quando falamos do amor horizontal, a necessidade biológica, a verdade da Mulher”

Poeta da Aldeia

“O heroísmo nasce exactamente por causa das fraquezas humanas. Entenda-me, estou falando do celibato. O que eu contesto é a desistência quando já se assumiu o compromisso. O argumento existencial de circunstâncias como a ignorância do conhecimento da Mulher é falso – eles conhecem meninas nas férias, nos casórios. E justificação póstuma. Há duas soluções – individual, de sim ou sopas, a outra “to make the best out of a bad situation”

Carmo da Silva ao natural.

Há muito que perdi o hábito do “outro”, o “other is hell” (Jean Paul Sartre). Bastava-me a solidão vivencial povoada de personagens buscando autenticidade na minha pena de dor e de criação. Após um dia de trabalho ficava-me o longo silêncio do coqueiral retendo ao cair da tarde a luminosidade quente da imagem de uma mulher desnudada, os livros amados de um Krishnamurty ou de um Redol, o viver simples da gente da aldeia onde os demónios nem era velhos e seriam quando muito “mitos”, criações fantasmagóricas. Na aldeia não havia o “parecer ser sincero”, era-se sincero e pronto. Autenticidade garante-se a si mesma: não precisa dos goles de Feny que aparecem agora na prosa de neo-literatos da Tiróide curada. Autenticidade e o inferno do “outro” meu camarada operário inferiam comigo, buliam-me a alma. Mas o “outro da sotaina, dialéctico da sabatina, divisional e complicado, esse, gostaria não ter nada com ele. Quase sem jornais, contavam-me amigos, da polémica de agrónomos de leitoas e que tinha aparecido na coluna de graças do Pe. Agnelo (a fé simples, fé ingénua de um Junqueiro, pode bem dar-se o caso de um individuo ter leitoas como esteio económico e na aflição ia cada qual pedir o que lhe manda a boa e inocente fé dos humildes, felizmente sem tiróide e sem acesso ao Secretariat, como Jesuítas ou a alguma paroquia rendosa) e um frei Anastásio de santa e honrada virtude que, segundo os amigos, estava a perder o seu latim, seu estudo e oração dos textos e espírito de renovação com brincalhões da “sueca de bem” de “meninos bem” de polpa untada que estavam “pulling the leg”, na expressão dos menos sérios. Literatura de engorda de suínos não me interesssava. Até passei por alto aquele tão clamoroso publicitar de um suposto beijo carismático entre um padre e uma freira, sempre convicto de que “Renovação” e “Carismático” devem ser assunto de especialidade de teólogos, aliás familiares desde os exames para o Confessionário das mais horrendas aberrações sexuais. Se é beijo biológico, activador do sexo , ou é carismático, lá falará a consciência de cada qual, e não havia nada que publicitar uma anomalia da gente goesa. E assim, alheio ao “outro”, lá ia passando meus dias quando aconteceu esse acontecer tão antigo como natural de encontraram-se dois filhos da mesma aldeia. “Get exposed, malleable, and the journalist will get the best of it”, as palavras de Roy da Universidade de Osmania, Haiderabade, ainda me batiam nos ouvidos. E lá fui ouvindo.

Na casa rústica, oh ia de flores, Carmo Silva ainda conserva aquele tique romano que trouxe da Europa. Brinca-lhe nas mãos um cão de luxo, fiel e devoto de seu dono, como só os animais podem ser. A “Cassete” e a voz de Judas: “You believe, Jesus, what you say”. Carmo Silva fala-me de Londres, da representação de Jesus Christ Super Star, do teatro e assim chegamos ao Concani, às diferenças entre um Dalgado e um Mariano Saldanha, quanto sabe aquele Dr. Azevedo. A voz de Madalena é triste e cheia de cansaço na noite de martírio e agonia com Jesus “Let this world go on” já me não lembra os versos nem a malícia dos que não sabem Arte. Carmo Silva traz-me uma merenda tropical goesa e na varanda tropical própria para um clima como o nosso, falo do problema do Homem quando Sacerdote. Tem o raciocínio seco e vibrante, como certos mármores de intelecto bem trabalhado. Evita comprometer-se. Mas há uma gentileza na sua voz, fruto de quem há muito vive o drama de vocações. “Não contesto, não, o direito de cada individuo determinar sua vocação – pode deixar a Igreja. Contesto sim a desistência quando se assumiu um compromisso, e como me dizia um distinto Advogado, essa desistência traz desânimo aos leigos. O argumento de que os sacerdotes quando estudantes do Seminário não conhecem meninas raparigas, é falso e eles têm bastantes oportunidades de conhecê-las nas férias, nos casórios, nas Conferências Vicentinas. Se encontram uma hoje, amanhã terão outra, e então o que se teve em vista, não foi o sexo feminino mas outra coisa.”

A noite vai carregando de sombras as rosas do jardim de Carmo Silva. Pergunto-lhe o que pensa de uma entrevista no “Free Press” em 1970 “no Seminário a minha opção foi sem conhecimento da Mulher, hoje as circunstâncias mudaram, logo a minha opção não é a mesma, à base do pensamento existencialista”. Carmo Silva responde: “sei quem fala, foi meu aluno, um homem de convicções, hoje uma opção. Uma mulher, amanhã outra e assim por diante”. Porém, o sacerdote, Professor e Monsenhor, foge sempre do concreto, especialmente quando lhe falo do entusiasmo de sacerdotes jovens que “não são eunucos” (parecer ser é diferente, entende, leitor amigo) e seria falta de caridade não compreender o drama de capelanias solitárias sem uma companheira que partilhasse as alegrias e tristezas de uma missão sagrada. “Cada um deve com a graça divina fazer “the best out of a bad situation”.

Perdi a tarde, sim, ainda nos ficou por acabar como ele sincroniza a Arquidiocese e o Padroado, as bulas de um Papa Leão, que a hora já não permite. “Era desta gama de intelecto que se deviam coroar Bispos”. Ouço um vagabundo que foi poeta em concani falar sozinho na rua. De quem falava só Deus sabe.

O “outro” de “sotaina” não é tão alheio como eu pensava – pode-se perfeitamente viver com o “outro”, meu camarada operário de Deus. Era uma vez cem flores e treze abrolhos.

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