Wednesday 27 February 2013

Remígio Botelho - Ó Sol de Maio (1964)

Ó Sol de Maio
Queima-me a alma...
Queima-me mais
A alma queimada,
Acrisolada,
Como o topo dos palmeirais:
Alma de jovem
Exilada
Em terras d’além:
Alma de crente
Penitente,
Sonhando
Ao Sol brando
De Lisboa:
Sonhando, sonhando sempre
Longe, longe de ti,
Ó Sol de Goa!

Ó Sol de Maio!
Sol ardente,
Dardejante,
Quão diferente
Do Sol distante
Que me vela os passos,
Ó Sol do Hindustão!
Tu só velas os abraços,
Dos que voltam e dos que vão...

Ó Sol de Maio,
Canicular!
A bater
Intransigente
Sobre a terra e sobre o mar...
A bater eternamente
Sobre o fruto
Amadurando
Na herdade,
E sobre a praia
Onde se espraia
A Saudade...

E que saudade, meu Deus!
Sob esses mesmos céus
Donde me fitas e gritas
Ó Sol amigo!
Ouvi eu em grito
Aflito
Dos que não têm abrigo,
E dos que não têm pão...
E o teu calor
Abrasador
Não me faltou então!

E quando a chuva caía
Noite e dia,
Caía incessante,
Alagando,
Ameaçando
O viandante,
Muita vez ajoelhados,
Sobre os soalhos molhados,
Pedíamos o teu calor!
E tu, Sol amado,
Desejado
Eras sempre o vencedor!

Ó Sol de Maio!
Sol ardente, dardejante...

E agora parto, Sol d’Amor
Que me vistes nascer,
E crescer
Ente as jaqueiras,
E as goiabeiras,
E as mangueiras em flor...
Eu parto... mas em mim fica,
A mensagem rica
Do teu rico calor...
E quando um dia voltar,
Já cansada de andar
De toda a Terra em redor,
- Já cansada finalmente,
Doutros mundos, doutra gente –
Seja me dado,
Ó Sol de Maio, abençoado,
Na santa embriaguez
Daquela hora,
Abraçar mais uma vez,
Os que me abraçou outrora.

Ó Sol de Maio
Queima-me a alma...
Queima-me mais
A alma queimada,
Acrisolada,
Como o topo das palmeirais;
Alma de jovem
Exilada
Em terras d’além;
Alma de crente
Penitente,
Sonhando
Ao sol brando de Portugal;
Sonhando, sonhando sempre,
Longe, longe de ti,
Torrão natal!

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