Havia um casamento na minha aldeia. O noivo, um limpa-pratos vindo do Golfo Pérsico, ia ter uma festa de espavento para celebra a vitória final do seu coração sobre os seus pais e mais parentela, que se opunham a que ele se casasse com a moça a quem namorava há alguns anos. É a eterna questão de castas e classes e desequilíbrios sociais, que surge sempre contra o casamento, mas nunca contra o namoro, mancebia e outras actividades compartilhadas.
Como sucede com todos quantos sofrem do complexo de inferioridade, o novo rico, que tinha a bazófia de dizer que trazia consigo mais notas bancárias do que as folhas do tamarindeiro secular do Dr. , em cujo prédio morava, viha apostado a celebrar bodas de arromba para deslumbrar os velhos ricos e fazer cócegas à freguesia inteira com uma sumptuosidade nunca dantes vista por estas redondezas.
Talvez por eu ter simpatizado com o noivo e efectuado um armistício na família, fui convidado a fazer o brinde, mas em português, ou pelo menos em inglês – ambas as línguas perfeito chinês para os nubentes e suas relações. É a bem conhecida mania do goês, nobre ou plebeu, rico ou pobre, instruído ou analfabeto, que pensa que o seu nível social sobe alguns degraus quando fala língua que não é sua. Aceitei o convite, mas sob condição que o brinde seria na nossa língua materna, pois antevia o auditório que me esperava, e não me dispunha a fazer o ridículo papel de falar em idioma desconhecido da grande maioria, só para satisfazer a vaidade do populacho, que quer empertigar-se, guindando em andas ou pernas de pau.
A ‘entrada’ era a uma hora depois do meio-dia. Fui lá uns minutos antes da hora marcada e encontrei a sala alugada já atulhada de um formigueiro de crianças de todas as ideias e tamanhos, e de gente em trajes tão variegados e disparatados, que seria mais exacto chamá-los carnavalescos. Para amostra: estava lá uma rapariga muito gorda, vestida de calças muito apertadas de amarelo muito berrante, e uma camisola preta de malha, demais pequena para um busto tão enorme, com uma caveira no peito e outra nas costas com este dístico em letras garrafais brancas: “Meet me at the graveyard!”
Ia chegando ainda mais gente, não em pares, como se fazia dantes, mas em bandos, capazes de encher a cógulo mais uma sala. É que basta haver uma função nas nossas aldeias, e nesse dia não se acende lume de fogão, e os pais com toda a sua filharada aterrisam lá como um enxame de gafanhotos com um só intento: beber e comer à tripa forra.
Por falta de assento, fui ocupar o sofá reservado para os noivos, pois hoje ninguém tem a delicadeza de oferecer o seu lugar a uma pessoa de idade ou respeitabilidade, graças a educação moderna ou, melhor, à falta de educação elementar não obstante a pletora de escolas e colégios, onde não se suplementa o que falta à educação caseira, nem se remedia as suas flagrantes lacunas.
(continua)
A ornamentação era de tal profusão, que não havia lá lugar para mais um festão ou para mais um balão. Nas paredes penduravam cartazes com caricaturas de homem e mulher em pelo e os seguintes letreiros: Amor é felicidade. Amor é intimidade. Amor é união. Amor é sexo. Amor é??? e coisas assim, sugestivas insinuantes, de mau gosto, terminando com mais esta obscenidade: Love is a 4-letter Word! para conspurcar a santidade do matrimónio, dando-lhe uma torcedura retintamente carnal..
Uma orquestra chamada “Relâmpagos e Trovões” pôs-se a afinar os intrumentos; duas guitarras eléctricas tocavam uns arpejos, um drummer fazia umas acrobacias com as suas baquetas “para se esquentar”, e um saxofone e um clarinete executavam uns gorjeidos. Isso durou por algum tempo, até que afinal um mulherão que desejava ouvir uma musicata, disse com um ruidoso bocejo: O que estão eles a tocar? Mas a esposa do Sr. Dr. X, com ares de pessoa muito entendida na arte de Mozart, explicou-lhe em surdina: “Oiça com atenção, é música clássica!”
O relógio marcava já duas horas e meia e os noivos não apareciam. A causa desta desaforada demora era que eles tinham ido a Panjim para se fotografar, pois todos os fotógrafos de Mapuçá, conforme eles eram uma turma de palermas que não prestavam para nada. No entanto, chegava mais gente, que conhecia melhor que eu a suposta pontualidade goesa; mas o que me intrigava mais era que aqueles que, como eu, tinham chegado a hora marcada, não se ralavam com a demora, que para eles era a coisa mais natural do mundo, e até contribuía para maior solenidade da ocasião. Para o inglês o tempo é dinheiro. Para o goês, que timbra em macaqueá-lo, o tempo não vale um chavo. O relógio é uma jóia para adornar o pulso, não para ser consultado, menos ainda obedecido. É inútil perder o tempo a filosofar. Cada povo é o que é, e o que desavergonhadamente teima em ser. Dizem em tamul: “Na terra onde se cultiva nudez, vestir langotim é estupidez.”
Finalmente os noivos chegaram uns minutos depois das três, radiantes de glória nos seus ricos trajes de noivado com a sua vistosa comitiva, e foram recebidos por entre um foguetório ensurdecedor, salvas de palmas e a fanfarra de instrumentos desavindos uns com os outros. Dirigidos por um mestre de sala trazido da freguesia vizinha e que só falava a língua de Milton, os noivos passearam pela sala a passo de caranguejo e receberem uma chuva de confetti trazidos do Golfo.
Depois do corte do bolo de noivado no meio de clarões que partiram de uma meia dúzia de máquinas fotográficas profissionais e amadoras, foi anunciado que eu ia fazer o brinde. Esfomeado e sedento, armado com um copo de vinho, dei uns passos para a frente e comecei, com visível surpresa dos ouvintes, o meu brinde... em concani. Até a esposa do Dr. X resmungou, para eu ouvir: “Pouca de vergonha!” Mas eu felicitei os noivos e suas famílias, desejei-lhes todas as ventras, falei do amoroso sacrifício que a vida conjugal demandava, a sua santidade e indissolubilidade, e tudo quanto a minha teologia conservadora me inspirou, e terminei, diplomaticamente, com as sacrossantas e mágicas palavras: “God bless the bridal couple. Vivam os noivos!” Foram precisamente estas duas frases em inglês e português que me valeram uma vigorosa salva de palmas e me absolveram da ignomínia de ter falado numa língua tão desprezível como a nossa língua-mãe. O sr. noivo fez em inglês (pois não!) o seu primeiro e possivelmente o seu último discurso, bem decorado e ensaiado: “Thank you. Enjoy yourself” – a mais breve e eloquente peça de oratória que ouvi, e que foi sublinhado por uma efusiva salva de palmas e uma ruidosa improvisao da orquestra, e lhe mereceu um enleiado olhar de admiração e apreciação da sua cara metade.
A felicitação dos noivos foi um pandemónio. Quebraram-se muitos copos de vinho, enodoaram-se muitos vestidos, pisaram-se muitos calos, acotovelaram-se propositadamente muitos bustos tentadores, desarranjaram-se muitas toilettes, e de tanto beijocar, de que foram vítimas, encheram-se de carimbos de lábios carminados as caras sorridentes dos felizes noivos. Uma demonstração de amor e amizade verdadeiramente democrática e popular como o nosso governo.
Enquanto se servia o queque, o meste de sala foi ao microfone e ribombou: “Queiram ouvir. Vou-lhes contar, especialmente aos noivos uma interessante anedota: Marido e mulher foram a uma coudelaria alugar um cavalo padreador para algumas éguas que tinham. Quando Inês foi apresentado um soberbo espécime, a mulher quis saber a sua capacidade prócriativa. Foi-lhe dito: “Umas dezes vezes ao dia.” Voltando-se ao seu homem, ela disse com visível desdém: “Ouviste meu desavergonhado?”. Quando o marido por sua vez perguntou: “Ele toma a mesma égua”, foi-lhe dito: “Certamente que não”. E ele, voltando-se para a mulher: “Ouviste, minha ciumenta?”. A reacção foi variada. 90 por cento não percebeu. Alguns deram uma gargalhada. Uns poucos, como eu, ficaram nauseados com uma grosseria desse calibre, saída da boca de um jovem cristão, por ocasião de um casamento cristão, numa festa em que cada convidado era cristão, e onde se encontrava um ministro de Religião, que acabara de falar da santidade conjugal de um casal cristão! Temos lá o barómetro a indicar quanto, pela nossa cumplicidade e tolerância, temos ajudado a bancarrota geral em bom senso e bom gosto, em boa educação e boas maneiras, em boa religiosidade e boa moral.
Começaram a dançar. Eu com poucos cavalheiros e senhoras éramos os únicos espectadores daquele redemoinho que voluteava pela sala numa nevrose colectiva. O que quer que a orquestra tocasse, não fazia nenhuma diferença aos supostos dançarinos. Eles saltitavam como macacos ou energúmenos, fazendo macabros trejeitos, meneado vente e ancas, entrechocando, as nádegas, e parecendo estar em delírio hipnótico. Alguns davam a impressão de estar em convulsões epilépticas e outros faziam uma coisa parecida com a dança de S. Vito. Como diz Júlio Dantas: “A dança tinha sido noutras épocas um simples passatempo, um pormenor de festas galantes, de distinção e de boas maneiras”. Hoje nada de elegância, ritmo, arte ou decência. Hoje não é preciso saber dançar; basta ter a coragem e a pouca vergonha de fazer o melhor ou o pior que a tal criatividade lhes inspira. É o resultado daquilo que se vê no ecrã. É o único modelo.
O entusiasmo dos jovens pegou-se aos mais idosos, e no meio da confusão geral viu-se homens gordos e pançudos agarrados a mulheres bojudas e obesas a andar aos trambolhões, pisando os pés uns aos outros, tropeçando, esbarrando e pensando que estavam a dançar. Lembrei-me daquilo que tinha lido, há anos, numa revista inglesa: num luncheon a que Churchill assistia alguém viu o corpulento Ministro de Trabalho a dançar e chamou a atenção do Primeiro Ministro de Sua Magestade Britânica. Churchill, com o seu inseparável charuto na boca, voltou-se e viu o seu colega a dançar mal com uma senhora muito volumosa e, no meio de uma gargalhada, comentou: isso não é uma dança. Isso é um dos movimentos laboristas!
Como sucede com todos quantos sofrem do complexo de inferioridade, o novo rico, que tinha a bazófia de dizer que trazia consigo mais notas bancárias do que as folhas do tamarindeiro secular do Dr. , em cujo prédio morava, viha apostado a celebrar bodas de arromba para deslumbrar os velhos ricos e fazer cócegas à freguesia inteira com uma sumptuosidade nunca dantes vista por estas redondezas.
Talvez por eu ter simpatizado com o noivo e efectuado um armistício na família, fui convidado a fazer o brinde, mas em português, ou pelo menos em inglês – ambas as línguas perfeito chinês para os nubentes e suas relações. É a bem conhecida mania do goês, nobre ou plebeu, rico ou pobre, instruído ou analfabeto, que pensa que o seu nível social sobe alguns degraus quando fala língua que não é sua. Aceitei o convite, mas sob condição que o brinde seria na nossa língua materna, pois antevia o auditório que me esperava, e não me dispunha a fazer o ridículo papel de falar em idioma desconhecido da grande maioria, só para satisfazer a vaidade do populacho, que quer empertigar-se, guindando em andas ou pernas de pau.
A ‘entrada’ era a uma hora depois do meio-dia. Fui lá uns minutos antes da hora marcada e encontrei a sala alugada já atulhada de um formigueiro de crianças de todas as ideias e tamanhos, e de gente em trajes tão variegados e disparatados, que seria mais exacto chamá-los carnavalescos. Para amostra: estava lá uma rapariga muito gorda, vestida de calças muito apertadas de amarelo muito berrante, e uma camisola preta de malha, demais pequena para um busto tão enorme, com uma caveira no peito e outra nas costas com este dístico em letras garrafais brancas: “Meet me at the graveyard!”
Ia chegando ainda mais gente, não em pares, como se fazia dantes, mas em bandos, capazes de encher a cógulo mais uma sala. É que basta haver uma função nas nossas aldeias, e nesse dia não se acende lume de fogão, e os pais com toda a sua filharada aterrisam lá como um enxame de gafanhotos com um só intento: beber e comer à tripa forra.
Por falta de assento, fui ocupar o sofá reservado para os noivos, pois hoje ninguém tem a delicadeza de oferecer o seu lugar a uma pessoa de idade ou respeitabilidade, graças a educação moderna ou, melhor, à falta de educação elementar não obstante a pletora de escolas e colégios, onde não se suplementa o que falta à educação caseira, nem se remedia as suas flagrantes lacunas.
(continua)
A ornamentação era de tal profusão, que não havia lá lugar para mais um festão ou para mais um balão. Nas paredes penduravam cartazes com caricaturas de homem e mulher em pelo e os seguintes letreiros: Amor é felicidade. Amor é intimidade. Amor é união. Amor é sexo. Amor é??? e coisas assim, sugestivas insinuantes, de mau gosto, terminando com mais esta obscenidade: Love is a 4-letter Word! para conspurcar a santidade do matrimónio, dando-lhe uma torcedura retintamente carnal..
Uma orquestra chamada “Relâmpagos e Trovões” pôs-se a afinar os intrumentos; duas guitarras eléctricas tocavam uns arpejos, um drummer fazia umas acrobacias com as suas baquetas “para se esquentar”, e um saxofone e um clarinete executavam uns gorjeidos. Isso durou por algum tempo, até que afinal um mulherão que desejava ouvir uma musicata, disse com um ruidoso bocejo: O que estão eles a tocar? Mas a esposa do Sr. Dr. X, com ares de pessoa muito entendida na arte de Mozart, explicou-lhe em surdina: “Oiça com atenção, é música clássica!”
O relógio marcava já duas horas e meia e os noivos não apareciam. A causa desta desaforada demora era que eles tinham ido a Panjim para se fotografar, pois todos os fotógrafos de Mapuçá, conforme eles eram uma turma de palermas que não prestavam para nada. No entanto, chegava mais gente, que conhecia melhor que eu a suposta pontualidade goesa; mas o que me intrigava mais era que aqueles que, como eu, tinham chegado a hora marcada, não se ralavam com a demora, que para eles era a coisa mais natural do mundo, e até contribuía para maior solenidade da ocasião. Para o inglês o tempo é dinheiro. Para o goês, que timbra em macaqueá-lo, o tempo não vale um chavo. O relógio é uma jóia para adornar o pulso, não para ser consultado, menos ainda obedecido. É inútil perder o tempo a filosofar. Cada povo é o que é, e o que desavergonhadamente teima em ser. Dizem em tamul: “Na terra onde se cultiva nudez, vestir langotim é estupidez.”
Finalmente os noivos chegaram uns minutos depois das três, radiantes de glória nos seus ricos trajes de noivado com a sua vistosa comitiva, e foram recebidos por entre um foguetório ensurdecedor, salvas de palmas e a fanfarra de instrumentos desavindos uns com os outros. Dirigidos por um mestre de sala trazido da freguesia vizinha e que só falava a língua de Milton, os noivos passearam pela sala a passo de caranguejo e receberem uma chuva de confetti trazidos do Golfo.
Depois do corte do bolo de noivado no meio de clarões que partiram de uma meia dúzia de máquinas fotográficas profissionais e amadoras, foi anunciado que eu ia fazer o brinde. Esfomeado e sedento, armado com um copo de vinho, dei uns passos para a frente e comecei, com visível surpresa dos ouvintes, o meu brinde... em concani. Até a esposa do Dr. X resmungou, para eu ouvir: “Pouca de vergonha!” Mas eu felicitei os noivos e suas famílias, desejei-lhes todas as ventras, falei do amoroso sacrifício que a vida conjugal demandava, a sua santidade e indissolubilidade, e tudo quanto a minha teologia conservadora me inspirou, e terminei, diplomaticamente, com as sacrossantas e mágicas palavras: “God bless the bridal couple. Vivam os noivos!” Foram precisamente estas duas frases em inglês e português que me valeram uma vigorosa salva de palmas e me absolveram da ignomínia de ter falado numa língua tão desprezível como a nossa língua-mãe. O sr. noivo fez em inglês (pois não!) o seu primeiro e possivelmente o seu último discurso, bem decorado e ensaiado: “Thank you. Enjoy yourself” – a mais breve e eloquente peça de oratória que ouvi, e que foi sublinhado por uma efusiva salva de palmas e uma ruidosa improvisao da orquestra, e lhe mereceu um enleiado olhar de admiração e apreciação da sua cara metade.
A felicitação dos noivos foi um pandemónio. Quebraram-se muitos copos de vinho, enodoaram-se muitos vestidos, pisaram-se muitos calos, acotovelaram-se propositadamente muitos bustos tentadores, desarranjaram-se muitas toilettes, e de tanto beijocar, de que foram vítimas, encheram-se de carimbos de lábios carminados as caras sorridentes dos felizes noivos. Uma demonstração de amor e amizade verdadeiramente democrática e popular como o nosso governo.
Enquanto se servia o queque, o meste de sala foi ao microfone e ribombou: “Queiram ouvir. Vou-lhes contar, especialmente aos noivos uma interessante anedota: Marido e mulher foram a uma coudelaria alugar um cavalo padreador para algumas éguas que tinham. Quando Inês foi apresentado um soberbo espécime, a mulher quis saber a sua capacidade prócriativa. Foi-lhe dito: “Umas dezes vezes ao dia.” Voltando-se ao seu homem, ela disse com visível desdém: “Ouviste meu desavergonhado?”. Quando o marido por sua vez perguntou: “Ele toma a mesma égua”, foi-lhe dito: “Certamente que não”. E ele, voltando-se para a mulher: “Ouviste, minha ciumenta?”. A reacção foi variada. 90 por cento não percebeu. Alguns deram uma gargalhada. Uns poucos, como eu, ficaram nauseados com uma grosseria desse calibre, saída da boca de um jovem cristão, por ocasião de um casamento cristão, numa festa em que cada convidado era cristão, e onde se encontrava um ministro de Religião, que acabara de falar da santidade conjugal de um casal cristão! Temos lá o barómetro a indicar quanto, pela nossa cumplicidade e tolerância, temos ajudado a bancarrota geral em bom senso e bom gosto, em boa educação e boas maneiras, em boa religiosidade e boa moral.
Começaram a dançar. Eu com poucos cavalheiros e senhoras éramos os únicos espectadores daquele redemoinho que voluteava pela sala numa nevrose colectiva. O que quer que a orquestra tocasse, não fazia nenhuma diferença aos supostos dançarinos. Eles saltitavam como macacos ou energúmenos, fazendo macabros trejeitos, meneado vente e ancas, entrechocando, as nádegas, e parecendo estar em delírio hipnótico. Alguns davam a impressão de estar em convulsões epilépticas e outros faziam uma coisa parecida com a dança de S. Vito. Como diz Júlio Dantas: “A dança tinha sido noutras épocas um simples passatempo, um pormenor de festas galantes, de distinção e de boas maneiras”. Hoje nada de elegância, ritmo, arte ou decência. Hoje não é preciso saber dançar; basta ter a coragem e a pouca vergonha de fazer o melhor ou o pior que a tal criatividade lhes inspira. É o resultado daquilo que se vê no ecrã. É o único modelo.
O entusiasmo dos jovens pegou-se aos mais idosos, e no meio da confusão geral viu-se homens gordos e pançudos agarrados a mulheres bojudas e obesas a andar aos trambolhões, pisando os pés uns aos outros, tropeçando, esbarrando e pensando que estavam a dançar. Lembrei-me daquilo que tinha lido, há anos, numa revista inglesa: num luncheon a que Churchill assistia alguém viu o corpulento Ministro de Trabalho a dançar e chamou a atenção do Primeiro Ministro de Sua Magestade Britânica. Churchill, com o seu inseparável charuto na boca, voltou-se e viu o seu colega a dançar mal com uma senhora muito volumosa e, no meio de uma gargalhada, comentou: isso não é uma dança. Isso é um dos movimentos laboristas!
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