Tuesday, 22 January 2013

Vimala Devi: Poetisa e Contista (1966)

Vimala Devi – pseudónimo literário da nossa esperançosa conterrânea, estabelecida em Londres, Teresa de Almeida Seabra – já não é estranha aos leitores de A Vida.

Alem da apreciação literária do seu último livro, feita há tempos, nessas colunas por um nosso autorizado colaborador, a própria escritora teve a amabilidade de nos honrar recentemente com um artigo em que revelou aos leitores deste jornal detalhes de um monumental projecto literário que traz entre mãos.

Acabamos de receber – amável oferta da gentil autora com uma assaz penhorante dedicatória – as suas duas obras que lhe têm criado justamente um indiscutido renome no mundo das letras portuguesas. Sem pretensão de critica literária, vamos procurar dar aos nossos leitores, nestas fugidias linhas uma pálida ideia da incipiente mas vigorosa produção dessa notável goesa.

Súria (1962), o seu primeiro livro publicado, é uma coletânea de 29 poemas de desigual tamanho e valor, todos inspirados em temas regionais e vazados numa linguagem de típico ressaibo goês, e constitui o terceiro volume da secção Poesia da Colecção Unidade publicada pela Agência Geral do Ultramar, de Lisboa, sob a direcção literária de Luís Forjaz Trigueiros, para autores nascidos ou radicados nas províncias ultramarinas portuguesas.

Unanimemente aplaudido pela critica, tanto a imrpensa lusa como alguns consagrados críticos de arte teceram-lhe os mais rasgados elogios. O Diário Popular saudou-o como uma “magnífica expressão da cultura goesa”, que A Voz não hesitou em reconhecer “à altura da nossa poesia contemporânea”. De Vimala Devi, no dizer de José António Moedas, “senhora duma forte personalidade poética”, o Diário de Notícias escreveu que “estamos em frente de um sério caso poético, de um estranho caso poético... Uma poesia que a vem colocar entre os puros valores revelados nos últimos vinte anos” e o Diário de Lisboa que é “um caso diferente e original na literatura contemporânea”.

Críticos de nomeada não lhe regatearam também louvores. Para Jorge de Sampaio, é “do melhor que temos lido nos últimos tempos”. Amâncio César vê na autora “uma individualide que se torna necessário ter em mente”. Até o grande João Gaspar Simões não encontra na poesia do continente “um acento tão fundo de sensualidade mística, de pureza conturbada pela tentação que um deus é capaz de suscitar na carne de pétalas de uma mulher”. E Natércia Freire acha essa poesia “tão perfeita e essencial, tão densa e secreta, como se pode ser quando se percorreu já um doloroso caminho de ambições e exigências, de lutas entre a palavra e a forma”.

Para pano de mostra, destacámos da poesia GAA, os seguintes versos cheios de nostalgia, ao mesmo tempo impregnados de uma visão como que profética:

O Súria Divino

Esconde-se tímido

Cobrinhdo de luto

Teus rios e prados!

Calam-se murdangas e batuques;

Mandós são lamentos

Do folclore em agonia...



Teu brado de protesto

Como eco abafado

Guardei no sorriso

Que me deste em criança,

E a tua expressão de luar

Na noite de amor mais fundo

Será o meu único enlevo

No sonho da noite imensa.

Envolta em redor do sândalo,

Serei a voz da consciência;

A voz de dois mundos!

Monção (1963) é um livro de contos – Contos de Goa, como se diz em subtítulo em português e em concani, escrito em devanágari, - integrado a colecção Dédalo. São 13 aguarelas regionais, descrevendo cenas da vida goesa, tanto cristã quanto hindu, de que os editores dizem: “É a alma do povo goês, com os seus impalpáveis paradoxos, que surge nestes contos de Vimala Devi. A sua galeria de tipos humanos, batcares e curumbins, manducares, católicos, hindus e descendentes com nomes de reis, mostra-nos sem disfarces, a verdadeira realidade de Goa. A ex (segue na 4a página) pressão portuguesa que a informa não consegue, porém, abafar a sua essência intrinsicamente oriental, revelada na sua linguagem e principalmente, na sua posição perante a obra de arte, que, como muito bem disse Prabhakar Kanekar, é uma posição imanente, de fora para dentro, ao contrário da posição transcendente, de denro para fora, que toma o artista ocidental”.

Para que o leitor possa ajuizar por sua conta, transcrevemos aqui um trecho do conto "O Genro Comensal", o africanista recém-regressado de Moçambique, pretendente à mão de uma solteirona rica:

“Francisco João Barreto, mais conhecido por Franjoão, engordara muito nos seus dez anos de África. Não se podia dizer que fosse obeso, mas como era baixito e a calva tinha aumentado muito, parecia mais redondo, do que na realidade. Aliava a tudo isto uma grande insatisfação, pois, por mais esforços que fizesse, não conseguia progredir na vida. Faziam-lhe toda a sorte de desconsiderações, abusavam da sua boa-vontade, e os colegas iam-lhe passando à frente nas promoções. E ainda ele tivera a coragem de emigrar, que o irmão Franxavier conservava-se teimosamente agarrado à propriedade, na velha casa em ruínas, de paredes rachadas, que os manducares haviam quase totalmente abandonado e que mal dava para o arroz caril. O seu grande sonho, quando partira para Moçambique, fora juntar dinheiro e poder regressar ao esplendor passado. Mas tudo em vão. Dez anos tinham passado e com muito sacrifício conseguira finalmente voltar a Goa para gozar a graciosa. E foi reencontrar apenas miséria, desolação e ruínas, e a mulher, a Belmira, enrugada, caduca. Os poucos milhares de rupias que amealhara não chegariam para grande coisa.

Franjoão não perdera, no entanto, a sua bem conhecida alegria, que o tornara, no seu tempo, tão popular nas festas dos clubes e nos piqueniques.”

Apresentando aos leitores estas primícias literárias de uma distinta conterrânea e renovando a expressão do nosso reconhecimento pela fineza com que nos distinguiu, fazemos votos por que continue a honrar o nome de Goa em terras de Europa.

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