Tuesday, 21 May 2013

Renato de Sá - Luz e Trevas: Um Livro Postúmo de Hipolito de Menezes Rodrigues (1951)

Um poeta que morre é mais uma vida que se apaga envolta no mistério da sua própria existência.

 
Hipólito de Menezes Rodrigues, temperamento poético por excelência, cujos primeiros versos surgiam tão cheios de ritmo nas “Luarizadas” ou na “Barca do Amor”, era uma dessas tendências poéticas que procurava na Arte um meio de expressão para as emoções mais intimas da sua alma.

Dominado por esse sonho do irreal e do vago, o seu espírito recolhia-se na doce contemplação dos horizontes vastos, ora escutando aqui uma folha que treme ao sopro da aragem, além um regato que corre plácido por entre as veigas... Ele sente a beleza da terra e da paisagem, ouve o eco da viração, além escuta a voz dolorida do pobre pedinte da estrada e mendigar uma côdea de pão...

E logo, nos primeiros cantos da mocidade os seus versos surgem num hino triunfal a poesia:

“Eu amo a poesia, amo a palidez funérea,
Das campas a mudez, da noite a quietação,
Eu amo a solidão, a tristeza, a miséria,
E a virgem traída na sua mais bela afeição,

Eu amo o soluçar da guitarra, a desoras,
No silêncio da noite os dobres a finados,
A coruja chorando, escondida , horas e horas,
Seus amores talvez funestos, malfadados.”

Todavia num rebate juvenil em que as primeiras realidades de existência o chamaram a si, Hipólito de Menezes Rodrigues, completado os estudos do Liceu, segue para a Metrópole como bolseiro do Estado para fazer os seus estudos superiores.

Passa pela antiga Escola Politécnica; faz os preliminares para os estudos da Agronomia: transita depois para a Faculdade de Medicina, e nessa digressão em que procura escolher o curso que mais se ajuste a sua índole entra para a Faculdade da Farmácia do Porto, centro notável dos estudos químicos e farmacêuticos em Portugal.

Está-se com efeito nos grandes dias em que o movimento transformador da nova ciência com a síntese química está em pleno apogeu, ao mesmo tempo que a química biológica, a nova técnica das análises e a química orgânica aplicada à Farmácia tendem a ampliar os acanhados horizontes de velha botica rural.

E si, no ambiente da vetusta Universidade onde pontificam os grandes mestres como Aníbal da Cunha, Castro Henriques e Manoel Pinto (e mais tarde Abel Salazar nos seus doutos estudos sobre a química microscópica), que Hipólito de Menezes Rodrigues prossegue nos seus estudos de Farmácia Superior que lhe abrem um mundo novo no vasto campo da investigação laboratorial e cientifica.

Mas vem a queima das Fitas, a tradicional festa da pasta, e é então que novamente a sua lira vibra em sínteses formosas que ficam grávidas nas páginas do livro dos finalistas do seu curso.

E os anos passam... e um dia no sertão dessa África – onde ele é Inspector do Exercício Farmacêutico do quadro do Ultramar, quando os serviços do seu dispensário o permitem, ele revê as suas primeiras poesias, os seus primeiros cantos, doces e ternos, o “Idílio”, “A Procura do Ideal”, o “Nosso Amor no Campo”, “Nos Lábios de Mulher”, “O Calvário duma Alma”.

Depois sonha com essas belas quadras do Instabílis:

Rosa que estás na roseira,
Sorrindo a minha desgraça,
Lembra-te que neste mundo”
“Tudo muda, tudo passa”
Passa a desgraça mais crua
Morre a ventura mais linda,
Surge o que menos se espera,
O que mais se estima finda.

Não. A vida não mudou. O destino tem qualquer coisa de inexplicável e subtil que nem a ciência nem nenhuma filosofia conseguem explicar, o eterno enigma que o determinismo universal condensou nessa inexorável sentença:

“A Móbil não escreve e passa avante. Da sentença que lavra nem toda a sua piedade num todo o teu génio alcançarão que risque meia linha sequer! Todas as lágrimas que chores não poderão delir-lhe uma palavra só.

E ele torna-se pessimista, descrente como se um sonho mau o perseguisse:

“Nas minhas veias perpassa
Fatalismo duma raça
Que não consigo vencer –
E assim, julguei-me feliz,
E, assim, julguei-me infeliz,
Fatal poder.
Alma vogando, vencida,
Por tantas vagas batida,
Co’os sonhos a naufragar...
Quem te deu esse cilécio,
P’ra que tanto sacrifício
Num tão inglório luar?

E ocorre-nos preguntar:

- Qual o drama que o pungiu, que lhe amorteceu a vida que tão prometedora e fagueira lhe surgia?

O mesmo drama talvez que ensombrou a vida de tantos poetas, de tantas existências consagradas a poesia, desde esse sublime Leopardi que cantou as suas desditas no “Pardal Solitário” até esse mago da Arte que foi Burns quasi que pressentiu o seu triste fim na sua famosa “Ode a uma violeta...”

Era na selva por um dia nevoento de Setermbro de 1947, quando Hipólito de Menezes Rodrigues em vésperas do seu embarque para a terra natal, fechou para sempre os olhos à luz nas terras de Quelimane, longe do carinho dos seus, tendo por únicos companheiros as páginas das suas líricas que a ternura do seu irmão Alberto de Menezes Rodrigues, camarada distinto das Letras coligiu num mimoso poema de saudade...

Mas é aí que encontramos o lírico mavioso da “Suplica”, da “Rosa Branca”, das “Ironias do Destino” e desse belo soneto “Luz e Trevas”, que em páginas de subtil beleza converteu os seus casamentos em formosos cantos.

“Luz e Trevas”, testamento lírico de um grande poeta que entra para o cancioneiro da melhor antologia goesa, versos em que perpassa a chama dum ideal de pureza sem artifícios e cujo autor repousou suavemente na paz de Deus na selva adusta e impenetrável...

E ao desfolhar a última página desse livro da saudade, eu recordo o famoso verso de Vigny:

Sur la pierre du tombeau croit l’arbre de la grandeur.

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