Tuesday, 17 February 2015

Walfrido Antão - A Telefonia e a Língua Portuguesa: Uma Contribuição Válida ou de um Programa da ‘Peoples High School’ (1982)

“O Indiano é individualista e por isso o sistema democrático dá-se bem na Índia”- Indira Gandhi falando recentemente em Londres

“Vamos abrir uma janela sobre a cultura ocidental” – Mahatma Gandhi

“É bom, é saudável, cada um orgulhar-se da sua língua mãe, mas odiar uma outra língua é fanatismo de pior espécie

“Minha pátria é a língua portuguesa!” – do poeta António Barahona, referenciado num artigo por Dr. Carmo Azevedo.

Martinho Noronha, sacerdote e intelectual que conhece como raros em Goa ao lado de Carmo Azevedo, Mário Cabral e Sá, o segredo, o mistério da Palavra Portuguesa, teve um dia esta resposta realista quando lhe foram pedir para fazer uma conferência sobre o “Futuro da Língua Portuguesa em Goa”: “Olha, primeiro não sou um astrólogo para predizer o futuro e depois, de momento, o que me interessa é fortalecer a minha língua - o konkani”. Não sei até que ponto o cultivo da língua portuguesa pode afectar o desenvolvimento da literatura konkani, mas estou convencido da verdade das palavras do Mahatma – “É preciso abrir uma janela sobre a cultura ocidental...”

Entre as instituições de ensino secundário na língua inglesa que tomaram o risco e a coragem de introduzir o português como língua secundária encontra-se a prestigiosa e coroada de louros “People’s High School” do Prof. Surlakar em Fontainhas. A professora encarregada de ensinar o português em casa nem por assim dizer tem contacto algum com a cultura portuguesa é uma jovem senhora da cidade, Celina Velho e Almeida, que começou a sua vida académica no velho Liceu tendo passado o 7o ano de letras grupo C e mais tarde feito o BA e Master of Education na Universidade de Bombaim.

Como me notou o Pe. Filinto Cristo Dias a quem referi estes casos de devoção à língua portuguesa – é um verdadeiro apóstolo. Sem alarde, na rotina do dia a dia por entre bancos escolares e a palmatória ausente, a palavra portuguesa volta a ecoar a mensagem de um Humanismo que chegou à Índia em 1498...

Nestas condições foi um acto de Reconhecimento e justiça a apresentação no programa Renascença de um acto de variedades dos alunas da escola People’s High School sob a direcção da sua Profa. Celina Velho e Almeida.

A abrir o Programa, Ninfa Fernandes declamou uma bem substanciosa poesia que talvez não ficasse muito a calhar num programa de meninos, mas senões desses não desfeiam a beleza do esforço humano. Sulana Costa revela-se como um voz para a canção popular portuguesa e a sua participação é digna de nota. Mas Sadhna Mahtme impôs-se-me como a expressão da adaptabilidade do gênio hindu a uma cultura estrangeira, a louçania fresca da inocência usando da palavra portuguesa como um meio de comunicação com os rádio-ouvintes, a voz da Índa falando de uma outra Pátria onde há meninas também que sonham e amam a Índia na caminhada para a Pátria Universal de um ‘horizonte sem fronteiras’ como queria o nosso poeta Orlando Costa.

Nesta época de aproximação de culturas, Indiana e Portuguesa, e quando a Gulbenkian pretende patrocinar a ida a Portugal de 3 jovens goeses, levamos ao conhecimento do Público e em especial, da sociedade da Língua Portuguesa, cujo Coordenador Local, Dr. Carmo Azevedo, com certeza deve estar a processar as sugestões sob o critério na escolha dos representantes indianos.

Felicitamos sinceramente a Profa. Celina Velho e Almeida que não obstante as preocupações do ensino da língua portuguesa toma cuidado em amorosamente transmitir toda a Poética ou Palavra Portuguesa, talvez contribuindo para o ideal da Pátria Universal.

Remígio Botelho - De Profundis (1968)

E o Dia veio
Levar-lhe ao seio
Da terra amada,
E lá foi ela –
A doce estrela
Da madrugada.

Lá foi ela –
A alma bela
De sonhador
Ungida
E possuída
De luz e cor.

Alma tão plena
De poesia
A alegria
Da morena
Que apanha
Lírios brancos
Pelos flancos
Da montanha;
A mansidão
Da lua cheia
Que vagueia
Na amplidão
E o fervor
Dos rishis
Ardendo de amor
Em lâmpadas rubis.

Ardendo ainda
De saudade
Da ilha linda
Onde passara
A mocidade –
A seara

Que ondeia
Pela aldeia
Casas de Deus
Que se elevam
Até os céus;
E os oiteiro
Onde rezam
Os cajueiros.

Lá foi ela
Para o além...
Mas dela
Inda nos vem
Um ardor
Abrasador
E risonho –
A flama
Que o proclama
Veleiro do sonho
E do luar,
No altar
Da História



E da Gl

Wednesday, 4 February 2015

Laxmanrao Sardessai - Zalach Pahije (1965)

Se Deus é do mundo o pai,
Desta terra o é Nath Pai
Porque nos ensinou a pronunciar
“Zalach Pahije”!

Deus antes da criação,
Pronunciou ‘Fiat lux’
Mas, após a eleição,
Vassantrao Naik
“Zalach Pahije”!

Deus guia o universo inteiro
Para a salvação
E Esvantrao Chavan
Esta mimosa terra
Para a perdição
Com o seu mantra
“Zalach Pahije”!

Sou um ignorante
Mas, em vez de instrução,
Sempre me impingem
“Zalach Pahije”!

Sou um indigente
E persegue-me a fome
Mas dão-me, volta e meia,
“Zalach Pahije”!

Sou um enfermo
E sofro da malária,
Mas ministram-me
Dia e noite doses
“Zalach Pahije”!

Sou um manducar
E para ser batcar
- Dizem – devo rezar
“Zalach Pahije”!

Sou um eleitor
E prometeram-me
O paraíso inteiro
Contanto que diga
Sem cessar
“Zalach Pahije”!

Sou um mestre-escola
Mas forçado – sina minha! –
A ensinar
A crianças inocentes
“Zalach Pahije”!

Na nossa aldeia
Quem não tem ocupação
E nos negócios alheios
Mete o seu bedelhom
É conhecido como
“Zalach Pahije”!

Aparece nos templos
E nas escolas,
Nos bares e nos bazares,
A odiosa coruja
De “Zalach Pahije”!

A maneira de fantasma
Que persegue a sua vítima,
Persegue em toda a parte
O goês inocente –
O fantasma –
De “Zalach Pahije”!

Tem entrada
Em todos os círculos
Quem possui
O santo e a senha
De “Zalach Pahije”!

Suga o sangue
Do pacato cidadão
A sangue-suga nojenta
De “Zalach Pahije”!

Do coração soturno
Do falido MG
Sai o rouco mugido
De “Zalach Pahije”!

O álcool de alto grau
Faz ao embriagado
Vomitar bílis
Contra quem quer,
Assim tem sido
O “Zalach Pahije”!

Desvirtua e deshonra,
Abandalha e corrompe
O slogan assolador
De “Zalach Pahije”!

Conflitos na família
Conflitos na sociedade,
Conflitos com os amigos,
Conflitos com os vizinhos,
A raiz de todos eles
Está no “Zalach Pahije”!

A mentira e a hipocrisia,
O crime e a aleivosia
São fruto vergonhoso
De “Zalach Pahije”!

O fantasma hediondo
Que profana a dignidade
Vilipendia o amor,
Cospe no passado
E adultera o futuro
É “Zalach Pahije”!

O fantasma hediondo
Que profana a dignidade,
Vilipendia o amor,
Cospe no passado
E adultera o futuro
É “Zalach Pahije”!

Se, ó goês, queres
Viver em paz e harmonia,
Repele quanto antes
A ignominia fatal
De “Zalach Pahije”!

Levanta-te e trabalha
E não está longe o dia
Em que volte
Para a terra da sua origem
A peste maldita
De “Zalach Pahije”!

Laxmanrao Sardessai - A Minha Velhice (1966)

- Estás velho, amigo –
Duvido. Mas tenho sessenta, sim –
- Não basta para ser velho?
- Não! Tenho a fescura da relva
E o vigor da palmeira
Tenho o fulgor do sol
E a ligeireza do vento
Tenho a esperança da alvorada
E o ideal do sonho
Tenho a clareza da fonte
E a firmeza do monte
Tenho a ternura do santo
E o fogo do raio
- Mas donde lhe vêm esses raros dons?
- Da tua bondade, amigo.
E da tua vasta simpatia
Que, como tu, milhares me dispensam.

Tuesday, 3 February 2015

Alberto de Menezes Rodrigues - Falam os Terrenos Incultos (1972)

Séculos e milénios decorreram
Desde que começamos a existir
E ninguém se importou de nós
Nenhum homem nos veio arrotear
Para aproveitar
A nossa força criadora
Nós somos em grande número situados
Em várias partes desta linda Goa
E não poucos de nós fomos beneficiados
Com um solo muito rico,
Que pode produzir searas luxuriantes!
Nós ansiamos por vos levar, ó goeses,
A meta da prosperidade.

Cresce erva, crescem plantas inúteis,
Extraindo do nosso seio
Os alimentos que necessitam
Todos nos abandonaram!
Todos nos abandonaram!

Quando, anualmente, o ribombar do trovão
Anuncia a chegada do Inverno
Para a fecundação
Da terra,
A nossa ansiedade atinge o auge.
Depois, sentimos as carícias,
O frescor,
Das águas que se despenham do céu,
Cantando,
- Magnífica dádiva do Senhor
Ao povo goês! –
Mas nunca lobrigamos ninguém,
Nenhum ser humano.

Que venha operar
Segundo o divino plano,
Desbravando-nos,
Lavrando-nos,
Semeando-nos,
Para que tenhamos a ventura
De nos desentranhamos
Em messes e verdura.

Agora que uma nova era raiou
Para este pedaço do Concão,
Nós recorremos a vós,
Senhores governantes
Pedimos vos digneis volver
Os vossos olhos para nós
E satisfazer
O nosso anhelo.
Desejamos a nossa inclusão
Na reforma agrária que foi anunciada,
A fim de sermos cultivados.
E, se o conseguimos,
Nós vos ajudaremos, com prazer,
A resolver,
O grande problema,
Concernante a Goa,
Em que estamos a cogitar:
A auto-suficiência alimentar.

Telo de Mascarenhas - Ganesh Chaturthi (1971)

Raiou o dia
Alegre e festivo
Com foguetes a estralejar
Em todos os lares
Na manhã de sol esquivo,
Para festejar
Ganesh Chaturthi,
O Divino Ganapoti,
Guloso de bons manjares,
Deus protector e soberano
Das searas já espigadas
Nesta quadra do ano.

Ganesh é festejado
Neste dia
Propiciador,
E invocado
Como Deus inspirador
Da Arte e Poesia.

Com cabeça de elefante
E ventre abaulado
De guloso e tunante,
Percorre a terra montado
No rato,
Temível ‘assura’,
Implacável roedor
De todo o género
De cultura.

A imagem da Divindade
É conduzida em procissão
Em vistosos andores
Pelas ruas da aldeia
E da cidade,
Ao som de címbalos e tambores,

Para o mergulho ritual
Nas águas do rio ou do mar,
Onde ficam a vogar
Grinaldas votivas
De flores.

Na noite delirante
Fogos de Bengala
Incendeam o ar;

O cheiro do agarvati
Deleita e regala.

Finda a festividade
Fulgurante
De luzes e ouropéis,
Ficam a ressoar
Os cânticos dos fiéis:
“a Ganesh namaskar!
Vinde para o ano, Ganapoti,
Para abençoar a próxima Novidade”

Walfrido Antão - Escrever, porque e para quem? Ou, o silêncio fala melhor nas tardes de calor (1968)

A minha casa não é minha/é de vós todos/As palavras que escrevo não são minhas/São de vós também – poeta brasileiro

Perguntaram-me outro dia se eu sabia o que era a Vida. Desde a ovulação até a inseminação artificial. Ou as suas manifestações como a velhice de cabelos de prata na noite de prata de destinos cruéis de sofrimento e de ternura. “Teasingly”, afirmaram-me que na filosofia da goanidade, viver era beijar a mão que não se podia cortar. Ou quem não herdou, tinha de m..... Cônscio como sou de que o protesto rebelde é válido e actual, fiquei a lembrar páginas antigas de Nietzsche – uma das grandes benesses do Cristianismo é tornar-nos cordeiros, pois aliás, até os servente e os criados davam cabo de nós. Quanto à Vida, não soube que responder. Ainda penso galgar Sancoale para pedir uma resposta aos heróis da tragi-comédia.

Sim, este fado de escrever a horas mortas quando os capitalistas pensam no ‘net profit’, ‘net figures’ e ‘net amount’ (tudo net mas não neat) e o pequeno burguês sorve na inconsistência de cama do casal lonçanias gastas no duro ofício de dactilógrafa, Oficial (oficial sem espada, claro, femino e moderno, tipo 75), o que a esposa burguesa traz além do dote. Escrever com a música da agonia na alma palavras de agonia. Mas porque? Porque não se escolhe o fado, o destino das letras, quem tem olhos de ver que leia.

Não haveria outras opções? A luta, a acção directa junta com camaradas que no silêncio heroico de suas vidas constroem um barco, máquinas, arroz e tantos bens de utilidade social? Cada homem leva ao túmulo o que trouxe do berço, e o homem de letras não podia ser excepção. No nosso arsenal, só a pena nos resta. E o agravo de uns quantos ofendidos orgulhosos da sua vitória intitulada “saber viver”. Ou aceitar a horizontalidade de Cristo? Quem sabe, uma das opções?

Eu não aceito a afirmação de Cabral e Sá de que a literatura se estagnou com Eça. Se é certo que o nosso Amadeu trazia transparente na sua ironia, as “Farpas” de Ramalho, também é verdade que alguns de nós buscam o autêntico na Arte – que o digam aliás, eles próprios, Mário e Martinho Noronha. Mas compreendo a sua dúvida potente quando afirmou no Simpósio sobre “Goanidade- Mito ou Realidade”. Sim, resta-nos “O Heraldo” mas com o preço do papel quem nos vai ler (cito de memória, não tenho o texto à mão)?

Escrever para quem? Eis a dúvida para aquela Jane símbolo e não nome verdadeiro da juventude goesa que lê Nick Carte e se empenha decidadmente com “calças stretch” balão ou bandeira do seu modernismo e desprezar ou ignorar por condição factual a língua e literatura portuguesa num alongamento goês, típico congraçar de duas raízes, duas autenticidades? Para aqueles poucos da velha guarda que vivem e sentem o que sofremos na hora difícil da criação?

Desistir não está no meu calendário existencial. Escrever, ainda que seja para uns poucos eleitos e logo vos conto o que se passou em Lisboa nos anos 50. Estavamos à saída do Teatro, lá na Avenida da Liberdade, eu e um jovem do Porto, José Luís de Costa (segue na 3a página) Dias fresco de uma prisão no Peniche por ter assinado um Comunicado de Protesto da M.U.D. ao lado de Rui Cabeçadas, Luís Monjardino. Era uma noite de invernia e a calor da emoçnao com que Eunice Muñoz e Rogério Paulo haviam representado o “Gebo e a Sombra” de Raul Brandão disseminava no espaço confluente as dúvidas da adolescência. E foi então que o Poeta brasileiro nos surgiu, anónimo como “Pedro, o Vagabundo” de Manuel Mendes que pouco antes estivera conosco no Teatro. Vinha de Paris, do Sud Expresso, gostaria conhecer os intelectuais não comprometidos. E dizia versos (ou seria algo de real, penso hoje?) que rezavam assim “Tinha uma casa, lá no Morro, com crioula mulata Pulquéria ou coisa que valha, havia retratos na sala de Generais e Comendadores e uma suposta tia velha parte do recheio. A tia era uma espécie de Símbolo de coragem, e havia negros no Morro [os negros e os curumbins, que estranha identidade pensava eu, goês e indiano?]. Um dia de sol parti à busca de aventura. Mordendo, piscando, esgravatando o solo e por toda a parte, encontrei a comunhão dos homens.

“A minha casa não é minha
É de vós também!
As palavras que escrevo não são minhas,
São de vós também!”

Esquecer e lembrar é parte da condição humana.