Através de Armindo Santos, nosso camarada da Imprensa moçambicana, recentemente chegado a Goa onde se encontra em serviço militar, foi-nos dado ler uma interessante crítica de Guilherme de Melo – jovem e apreciado jornalista Laurentino – ao livro “Destino” da nossa conterrânea Judite Beatriz de Sousa.
Essa crítica - publicada, com o título acima, na edição de 24 de Janeiro findo do “Notícias”, importante diário de Lourenço Marques – não só pela honestidade da sua concepção, mas também, e especialmente, por dizer respeito a um livro da outrora de uma goesa, merece ficar registada nesta página semanal de “O Heraldo”, da qual, aliás Beatriz Judite de Sousa, foi apreciada colaboradora.
Por tal motivo, passamos a transcrever com a devida vénia essa crítica do nosso prezado colega de Moçambique.
Com o lacónico e, ao mesmo tempo, incomensurável título de Destino – ou não concordais que pode, nesta simples palavra, saber todo um universo de sonhos e de esperanças, de lutas e desesperos, de alegrias e de lágrimas? – acaba Judite Beatriz de Sousa de trazer para as mãos do Mundo o seu primeiro livro de poemas.
Se outro valor não tivera, com efeito, esta pequena obra de estreia, ainda assim merecia que a ela dedicássemos um pouco de atenção e interesse, quanto mais não fosse pelas circunstâncias pouco vulgares que envolvem o seu aparecimento: Judit Beatriz de Sousa nasceu na velha e portuguesíssima Goa e jamais da sua terra natal saiu. Assim, como muito bem aponta Mário Isaac no curto prefácio à coletânea dos poemas: “não sofreu, portanto, a influência do tão discutado meio ambiente e, se juntarmos a isto o facto de não haver europeus entre os seus descendentes, conclui-se que a poetisa de “Destino” é, para além do mais, um produto da cultura portuguesa na Índia”
Razão, pois, mais do que suficiente, para que a pequena obra litéraria, composta e impresssa na Imprensa Nacional de Goa, contenha, a par do natural interesse que sempre em nós suscita a estreia de uma poetisa ou de um poeta, um especial motivo de atenção e estudo.
Vejamos, pois, o que, na verdade, “Destino” nos oferece como obra poética.
O fulcro da colectânea define-o a poetisa no décimo terceiro poema justamente com o nome “Destino”: vai pelos caminhos da Vida andando, sem norte, sem farol, sem um guia, a si próprio fazendo companhia, agora vai sozinha.
“Porque houve alguém mais forte
que te arrancou dos meus braços
quando
com as almas plenas de sol,
Caminhávamos sonhando,
Teus passos paralelos aos meus passos”
E agora vai sozinha, “como um coração sobre as águas a boiar”.
“como aquele que caminha
porque tem de caminhar!”
É, pois, o Amor, o Amor com tudo o que possa conter de alegria e mágoa, de dor e prazer, de renúncia e abandono, de exaltação e sofrimento, de ânsia e de desespero, de fé e ilusão, o mundo em que se desfia o rosário das vinte a tantas poesias que Judite Beatriz de Sousa reuniu neste seu livro, em que a Artista e a Mulher se confundem a cada passo, numa união curiosa e tendo, por vezes, como resultado, momentos de rara beleza poética:
“Parti num barco sem idade,
Feito só de silêncio musical da noite
E de vigílias de ansiedade,
Para um país sem fronteiras,
Sem caminhos.
Onde as asas não se quebram
Nas barreiras...”
Ou, por exemplo, esse belíssimo “Elegia”, quanto a nós um dos melhores, senão mesmo o melhor poema do livro:
Meus dedos eram de barro
(ou de terra humedecida);
Quiseram prender o Sonho
Trazê-lo mais para a Vida.
Mas ai! Que o Sonho se foi
Como fumo de cigarro...
Os meus desejos partidos,
Meus pobres dedos quebrados.
Meus dedos eram de barro”
Apaixonada, a Mulher sobrepuja, por vezes, a Poetisa, como no poema em que, num lirismo quase exacerbado, num rompante de masoquismo puro, depois de gritar o seu Sonho desfeito, porque ele passou na sua Vida para não voltar conclui que passou afinal apenas
“para que colasses a boca nos teus passos
religiosamente
apaixonadamente!”
Mas, conhecedora perfeita de que a Vida não é só amor e desilusão, sonho de lirismo e romance desfeito:
“Bebe mais Sol. Amor, e encara a Vida!
- já lá vai o tempo das janelas
floridas de roseiras,
e, debaixo delas,
a estrofe sentida
de amantes sonhadores...
Agora há mais espinhos,
E menos flores,
Mais pedras nos caminhos,
Mais esperas, canseiras,
Mais ilusão mentida!
Bebe mais Sol, Amor, e encara a Vida”
A Poetisa chega ao fim com um viajante que alcança uma fronteira – “fronteira de Alma”, lhe chama. E, aí parada agora nessa fronteira alcançada, queima, na fogueira em si mesma acesa, “tudo o que foi mentira, tudo o que foi Passado”m para, depois de tudo queimar, se encontrar a si mesma.
“Eu só – no meu quarto parado,
De parades pasmadas limitando a curva sinuosa do Futuro
Lá fora, o escuro...”
O escuro – ou o Mundo, talvez o Mundo onde Judite Beatriz de Sousa, estamos certos, não hesitará em entrar, de passos bem firmes, pisando a estrada aberta à sua frente, vivendo a Vida, sentindo-a, tocando-a, palpando-a, cantando-a nos seus versos de Poetisa que realmente é.
Essa crítica - publicada, com o título acima, na edição de 24 de Janeiro findo do “Notícias”, importante diário de Lourenço Marques – não só pela honestidade da sua concepção, mas também, e especialmente, por dizer respeito a um livro da outrora de uma goesa, merece ficar registada nesta página semanal de “O Heraldo”, da qual, aliás Beatriz Judite de Sousa, foi apreciada colaboradora.
Por tal motivo, passamos a transcrever com a devida vénia essa crítica do nosso prezado colega de Moçambique.
Com o lacónico e, ao mesmo tempo, incomensurável título de Destino – ou não concordais que pode, nesta simples palavra, saber todo um universo de sonhos e de esperanças, de lutas e desesperos, de alegrias e de lágrimas? – acaba Judite Beatriz de Sousa de trazer para as mãos do Mundo o seu primeiro livro de poemas.
Se outro valor não tivera, com efeito, esta pequena obra de estreia, ainda assim merecia que a ela dedicássemos um pouco de atenção e interesse, quanto mais não fosse pelas circunstâncias pouco vulgares que envolvem o seu aparecimento: Judit Beatriz de Sousa nasceu na velha e portuguesíssima Goa e jamais da sua terra natal saiu. Assim, como muito bem aponta Mário Isaac no curto prefácio à coletânea dos poemas: “não sofreu, portanto, a influência do tão discutado meio ambiente e, se juntarmos a isto o facto de não haver europeus entre os seus descendentes, conclui-se que a poetisa de “Destino” é, para além do mais, um produto da cultura portuguesa na Índia”
Razão, pois, mais do que suficiente, para que a pequena obra litéraria, composta e impresssa na Imprensa Nacional de Goa, contenha, a par do natural interesse que sempre em nós suscita a estreia de uma poetisa ou de um poeta, um especial motivo de atenção e estudo.
Vejamos, pois, o que, na verdade, “Destino” nos oferece como obra poética.
O fulcro da colectânea define-o a poetisa no décimo terceiro poema justamente com o nome “Destino”: vai pelos caminhos da Vida andando, sem norte, sem farol, sem um guia, a si próprio fazendo companhia, agora vai sozinha.
“Porque houve alguém mais forte
que te arrancou dos meus braços
quando
com as almas plenas de sol,
Caminhávamos sonhando,
Teus passos paralelos aos meus passos”
E agora vai sozinha, “como um coração sobre as águas a boiar”.
“como aquele que caminha
porque tem de caminhar!”
É, pois, o Amor, o Amor com tudo o que possa conter de alegria e mágoa, de dor e prazer, de renúncia e abandono, de exaltação e sofrimento, de ânsia e de desespero, de fé e ilusão, o mundo em que se desfia o rosário das vinte a tantas poesias que Judite Beatriz de Sousa reuniu neste seu livro, em que a Artista e a Mulher se confundem a cada passo, numa união curiosa e tendo, por vezes, como resultado, momentos de rara beleza poética:
“Parti num barco sem idade,
Feito só de silêncio musical da noite
E de vigílias de ansiedade,
Para um país sem fronteiras,
Sem caminhos.
Onde as asas não se quebram
Nas barreiras...”
Ou, por exemplo, esse belíssimo “Elegia”, quanto a nós um dos melhores, senão mesmo o melhor poema do livro:
Meus dedos eram de barro
(ou de terra humedecida);
Quiseram prender o Sonho
Trazê-lo mais para a Vida.
Mas ai! Que o Sonho se foi
Como fumo de cigarro...
Os meus desejos partidos,
Meus pobres dedos quebrados.
Meus dedos eram de barro”
Apaixonada, a Mulher sobrepuja, por vezes, a Poetisa, como no poema em que, num lirismo quase exacerbado, num rompante de masoquismo puro, depois de gritar o seu Sonho desfeito, porque ele passou na sua Vida para não voltar conclui que passou afinal apenas
“para que colasses a boca nos teus passos
religiosamente
apaixonadamente!”
Mas, conhecedora perfeita de que a Vida não é só amor e desilusão, sonho de lirismo e romance desfeito:
“Bebe mais Sol. Amor, e encara a Vida!
- já lá vai o tempo das janelas
floridas de roseiras,
e, debaixo delas,
a estrofe sentida
de amantes sonhadores...
Agora há mais espinhos,
E menos flores,
Mais pedras nos caminhos,
Mais esperas, canseiras,
Mais ilusão mentida!
Bebe mais Sol, Amor, e encara a Vida”
A Poetisa chega ao fim com um viajante que alcança uma fronteira – “fronteira de Alma”, lhe chama. E, aí parada agora nessa fronteira alcançada, queima, na fogueira em si mesma acesa, “tudo o que foi mentira, tudo o que foi Passado”m para, depois de tudo queimar, se encontrar a si mesma.
“Eu só – no meu quarto parado,
De parades pasmadas limitando a curva sinuosa do Futuro
Lá fora, o escuro...”
O escuro – ou o Mundo, talvez o Mundo onde Judite Beatriz de Sousa, estamos certos, não hesitará em entrar, de passos bem firmes, pisando a estrada aberta à sua frente, vivendo a Vida, sentindo-a, tocando-a, palpando-a, cantando-a nos seus versos de Poetisa que realmente é.
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