Monday 15 July 2013

José Rangel - O Poeta e o Amor (à volta do livro 'Destino' de Judite Beatriz de Sousa) (1955)

A poesia é a quintessência do do sentimento humano. E ela a intérprete fiel e sagrada de toda a gama de sentimentos que palpitam na alma humana.

Nos seus versos, que têm, por vezes, a extensão dum sorriso ou duma lágrima, todo um mundo de volúpia e sofrimento, de anseios que arroubam, de desilusões que ferem.

Se na prosa, o homem pode elevar às alturas a sua arte, é na poesia que ela se sublime, quando tocada pela asa de espiritualidade, por aquela unção religiosa que a envolve por vezes, dum halo e misticismo...

O poeta é um ser superior, por que ultra-sensível. Qualquer sentimento, o mais banal, vibra nele com uma intensidade dolorosa, e se constela dum manto de estrelas, que espargem poalhas de luz, cujo brilho, não ilumina, muita vez, os olhos prosaicos, porque a distância que os separa é imensa...

É por isso, que o poeta é considerado um ser à margem das realidades tangíveis da vida e é apodado de sonhador...

Não! O poeta não vive de quimeras. Mas arrancando da realidade a sua própria carne que lateja e uiva, tece-lhe uma grinalda de flores, envolve-a de um manto diáfano de fantasia, para cobrir a nudez forte da verdade... E como o olhar humano não é bom psicólogo, e vê as coisas pela rama, isso o leva a julgar que o mundo do poeta é fictício, ilusório...

O poeta é um iluminado. Com aquela visão profunda que perscruta a alma dos homens e das coisas, ele ausculta em pequenos nadas da vida, o mistério que vive nele.

Que tem de extraordinário, um sorriso que se entreabre cândido e meigo ou um suspiro que se evola choroso e compungido? É tão banal! Mas o poeta entrevê através a névoa que os cobre, almas que ora se banham de alegria, em que há sonhos doirados que se corporizaram, promessas ridentes que se cumpriram, ora estremecem de amargura e dor, ante sonhos desfeitos, esperanças desfolhadas..

E como estas pequenas emoções, têm reflexo invulgar na sua alma, elas carreiam para o seu estro, pérolas, que lhe servirão, para tecer o seu poema.

Como todo o ser humano, o poeta também tem o seu ideal, de que faz o móvel da sua vida, dando-lhe todo o calor da sua alma fremente, e o iluminando daquela luz interior tão suave e tão bela que vive imaculada no sacrário do seu coração.

Mas o seu ideal, é por vezes, incompreendido. Ele sofre com isso. A sua alma amarfanha-se de dor, que lhe anavalha a alma.

Mas, é o próprio sofrimento que o eleva àqueles édenes de beleza a que o seu coração aspira, onde vive uma paz serena e luminosa, que dulcifica a alma e santifica a dor. É ele que cria as estrofes mais belas e mais sentidas.

Diversos sentimentos fazem vibrar a lira do poeta. Mas nenhum deles arranca dela acordes tão maviosos, como esse sentimento subtil e indefinível, que tendo a razão de ser em si próprio, viva do seu próprio sangue que lhe dá cada vez nova seiva; o Amor.

Sentimento dos mais elevados, que fremem na alma do poeta ele exala-o e o transfigura, tornando-o um ser diferente dele próprio.

Sentimento universal, que caldeia no mesmo cadinho, almas nos pares, a palpitarem do mesmo anseio, ele vive de braço dado com a Dor, quando este anseio vive isolado e incompreendido, quando a chama que ilumina uma alma, ao revés de aquecer outras almas só depara com gélida frieza...

O poeta, então, não procura apagar esta chama, mas fazendo dela a lâmpada a alumiar-lhe o estro, vai arrancando do seu alaúde, as mais sentidas endechas. E só depois de extravasado, às vezes duma forma irregular e impulsiva, todo o fogo que arde na sua alma e restar dele só cinzas e o olor duma saudade, é que o poeta depõe por momentos a sua lira, para a retomar e qual paladino do seu coração, continuar a trilhar por outras veredas, à busca de novos rumos para o seu Ideal...

Vem estas considerações ao bico da pena, á propósito do livro de poemas, que a jovem poetisa Judite Beatriz de Sousa acaba de dar à luz da publicidade.

Poetisa de alto quilate, que tem feito a nossa admiração pelos seus versos prenhes de beleza, de há muito esperávamos, que de dispersiva que era a sua lira, ela se enfeixasse num livro de versos, que espelhasse a sua verdadeira, alma de Artista e Mulher.

E cá temos agora “serena, clara, carinhosa, palpitante de viva emoção e humana beleza” a cantar aquilo que na sua alma mais vibrou: o Amor.

Seguindo a máxima de imortal Goethe “faz da tua dor um poema”, ela dá-nos hoje, poemas de admirável contextura, em que a elevação do pensamento e sentimento se alia à singeleza da frase e onde estua uma alma superior, qeu amou, com aquela acrisolada paixão que só os artistas podem ter e por isso mesmo sofreu e hoje se entrega à tristeza e ao abandono.

“O que amei foi tanto e há tanto tampo

Eu tenho as mãos cheias de abandonos...

E todo o mistério de dramas ocultos

A doer os meus olhos tarjados de mágoa”

Estes poemas constituem um longo estendal de amarguras, cuja leitura nos faz comungar do mesmo sentimento que a torturou, mais parecendo que é a nossa alma que neles suspira de dor...

“O meu poema é a minha grande dor

Porque é a mesma dor de toda a gente!”

Só os compreenderá, quem os possa sentir na sua carne e no seu sangue, ou parafraseando Júlio Dantas, é preciso lê-los com aquela mesma ternura com que foram escritos, para beijar a mão que os traçou.

Nestes poemas, sobressai, não só a beleza dos versos mas principalmente a beleza da alma da Mulher, embora eles nos dêem só uma parte dessa alma, pois as palavras por mais eloquentes que sejam, nunca podem traduzir à justa todo um rosário de anseios suspensos, lutas inglórias, e negros desesperos que se agitam na alma humana e os melhores poemas são aqueles que nunca se puderam escrever...

Fernando Namora, p poeta do “Mar de Sargaços” teve este desabafo doloroso, no final dum dos seus versos: “Ah! Covardes versos: nada dizeis do que sinto!”

Nos seus versos, a autora parece seguir a corrente modernista, em que “cada um vive consigo, entrega-se livremente à sua revelação, manifesta-se de acordo com o seu temperamento” e “o “único elo que os liga a todos entre si é o desejo de sinceridade, de quererem ser inteiramente eles, de cada um procurar um seus versos dar-nos a sua maneira própria de sentir, de pensar e de dizer”, sem se sujeitar a cânones estereotipados a que um poeta nunca pode confinar-se, renovação essa que, iniciada por Eugénio de Castro, continuada por António Nobre e ampliada por Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa, tem hoje poetas de gema num José Régio, Mário Dionísio, Fernanda de Castro, Mário Beirão, José Gomes Ferreira e outros.

Irmã gémea na poesia de Florbela Espanca (a que a comparou Mário Issac que prefacia o livro), essa “filha da charneca erma e selvagem que é o Alentejo, a Soror Saudade como lhe chamou o poeta Américo Durão, embora os ambientes de ambos sejam diferentes, elas se tocam e se irmanam porque viveu nelas o mesmo sentimento amalgamado de lágrimas.

Não pretendemos, com estas palavras, bordar considerações críticas à volta da sua alma, que não temos fôlego para tanto, mas tão somente, focando à verdadeira luz à sua alma de Mulher e o sentimento que nela germinou e tão bem frutificou, dar-lhe a nossa plena adesão espiritual, a quem cantou com tanta beleza é verdade, sentimentos que não são nossos.

Este livro é o primeiro passo na senda íngreme e dolorosa que é a glória. Temos a certeza que Judite Beatriz de Sousa, com a grandeza do seu espírito e a sinceridade do seu coração, saberá lutar contra todas as vicissitudes e ganhará a palma de glória que é a suprema aspiração de todos os artistas.

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