Bal Gangadhar Tilak nasceu numa família ortodoxa de brâmanes chitpavanes, vulgarmente conhecidos por Konkanastas, por serem oriundos do Concão, em Ratnagiri, em 23 de Julo de 1850. Os seus avoengos eram Khots, que passavam aos olhos do povo como pequenos proprietários, mas eram realmente cobradores de impostos sobre propriedades em nome de um soberano. O seu bisavô, Kashvarao, que era um bom cavaleiro, atiradore e nadador, ocupou um alto cargo no governo dos Peshawas, o qual, porém, deixou quando os ingleses tomaram conta da administração. O seu avô, Ramachandrapant, homem talentoso e versado nas Escrituras Sagradas, teria acabado os dias como sanyasi na cidade santa de Benares, a Roma do Hinduismo.
Com os Tilaks reduzidos pelas vicissitudes da fortuna à condição da burguesia, seu pai, Gangadhar, era um modesto professor primário em Ratnagiri quando Bal nasceu. Mas, erudito sanscritologo que se tornou amigo do famoso orientalista Ramakrishna Bandarkar, Gangadhar veio a ocupar finalmente o posto de inspector assistente das escolas primárias em Poona, onde pôde educar melhor o seu filho, que obteve sucessivamente os graus de bacharel em Letras (Matematícas e Sânscrito) em 1876 e em Direito em 1879, distinguindo-se em toda a sua carreira académica como estudante excepcionalmente inteligente, aplicado e disciplinado e revelando desde logo apreciáveis qualidades de independência de carácter, respeito pela verdade e oposição a qualquer forma de injustiça.
Concluídas as formaturas em Letras e Direito, foi de facto devido ao seu espírito de independência que Bal Gangadhar Tilak recusou o oferecimento pelo Governo de cargos altamente remunerativos para se dedicar de corpo e alma à causa da educação e da criação de uma consciência nacional no povo. Com este objectivo fundou primeiro a New English School de Poona e posteriormente a Deccan Education Society e o Ferguson College. Mas, devido a divergências de opinião, afastou-se bem cedo daqueles três para tomar inteira conta de dois periódicos, Maratha em inglês e Kesari em marata, dundados por sócios daquela instituição educativa, tornando-se desde então um jornalista militante com a sua pena vigorosa posta ao serviço da causa nacionalista.
Acusado pelas autoridades britânicas, que o não viam com bons olhos por causa da sua actividade jornalística de cumplicidade no assassinato do collector Rand em Junho de 1897, Tilak foi arrastado à barra do tribunal por sedição, julgado e condenado à pena de prisão maior celular pelo período de dezoito meses. Graças, porém, à então rainha-imperatriz Vitória por Max Mueller, o ilustre orientalista e amigo da Índia anglo-alemão, WW Hunter, um liberal vitoriano inglês, e os patriotas indianos Dadabhai Naoroji e RC Dutt e em parte também para aplacar o descontentamento que lavrava no país, foi posto em liberdade depois de cumprida a pena po um ano, isto é seis meses antes de expirar o período da sentença.
Com as suas ideias extremistas em política, Tilak entrou em conflito, pela primeira vez, com os moderados chefiados por Gopal Krishna Gokhale no Congresso de Calcuttta em 1896, quando declarou solenemente que “o vosso futuro está nas vossas mãos” condenando a atitude de tudo esperar do Governo britânico e recomendando que se pusesse ênfase na educação nacional e no swadeshi. Mas foi só após a partilha de Bengala, no Congresso de Surrate, no ano imediato, que o cisma entre os moderados e os extremistas, estes centrados à volta do Partido Revolucionário de Bengala, liderado por Aurobindo Ghosh, o futuro chefe religioso do ashram de Pondicherry, se tornou completo. Snao desta data os dois celebres artigos do fogoso Tilak no Kesari, “The Country’s Misfortune” e “These Remedies Are Not Lasting”.
Novamente processado por se revelar, com os seus escritos, desafecto à Coroa britânica, Tilak foi, a despeito da brilhante defesa pelo abalizado causídico de Bombaim, Joseph Batista, mais conhecido como Kaka (tio) Batista, condenado a seis anos de degredo na Birmânia, onde ficou encarcerado na cadeia de Mandalay até ser posto em liberdade, regressando à Índia, em 1914. Foi na prisão ali que, absorvendo-se na leitura da Bíblia e nas obras de Hegel, Kant, Spencer, Stuart Mill, Bentham, Voltaire e Rousseau, o político se fez pensador e escreveu o seu comentário ao Bhagawat Geeta Rahasya, ou “significado secreto” daquele cântico da epopeia nacional., Mahabharata, dando-lhe uma interpretração nova, inteiramente diferente dos comentadores anteriores.
Neste seu famoso comentário do Bhagwat Geeta, Tilak provou que a ideia fulcral desse “Cântico da Bem-Aventurança” é Karma Yoga, afirmando que “ninguém pode contar com a protecção da Providência se se senar com as mãos postas e alijar o seu fardo sobre outros” e que “Deus não ajuda os inactivos, os apáticos” e dirigindo um apelo vibrante à acção. O revolucionário virado filósofo, com a sua interpretação activista do Bhagwat Geeta, formulou assim uma filosofia revolucionária, uma filosofia de acção e nao uma filosofia de renúncia, como queria Shankara.
Regressado do desterro na Birmania, Tilak lançou-se na campanha pelo Home Rule, que tinha sido iniciada pouco antes por Annie Besant e, dois anos depois, tornou ao Congresso, que havia deixado por causa das suas desinteligências com os moderados. Após o Congresso de Lucknow, desencadeou por todo o país uma campanha vigorosa pelo Home Rule, que levou até a Inglaterra quando lá foi intentar acção por difamação contra Sir Valentine Chirol pelo seu livro intitulado Indian Unrest, causa que perdeu, mas não sem granjear o apoio de algumas das figuras mais representáveis daquele país, como o jornalista e escritor Edgar Wallace, o dirigente socialista George Landbury e, acima de todos, o chefe do Partido Trabalhista, Ramsay Macdonald, que desde então fez da causa indiana um dos pontos principais das suas campanhas eleitorais.
Foi no congresso de Lahore que Tilak proclamou Sampurna Swaraj, ou seja, independência completa como o objectivo final daquela organização política, declarando perentória e enfaticamente: “Swaraj é para mim um direito de nascença e eu alcançá-lo-ei”. De facto, muito antes de Mahatma Gandhi, ao contrário do que geralmente se supõe, foi Tilak quem converteu o Congresso, essa instituição lealista fundada por Octávio Allan Hume, um liberal victoriano, numa organização política militante anti-britânica, ao mesmo tempo que transformou uma plataforma elitista limitada à classe intelectual educada à inglesa num movimento verdadeiramente popular extensivo às massas analfabetas.
Como conseguiu Tilak, criar uma consciência política no povo, mas massas? Muito simplesmente. Principalmente, convertendo uma comemoração cívica, o Shivaji Jayanti, aniversário do grando herói marata e uma festividade religiosa, o Ganapati puja, em manifestações de carácter popular. Mais do que o culto de Shakti na Bengala, o de Ganexa serviu a Tilak à maravilha para o fim em vista por se tratar do deus “removedor dos obstáculos”, Vigneshwar, sendo o maior obstáculo de todos o jugo colonial britânico, e o primeiro a ser removido a todo custo. Tilak conseguiu o seu desiderato remodelando o tradicional festival religioso anual, substituindo a celebração privada nos lares pela entronização de uma imagem comum, sarvajanik, numa praça pública, aproximando deste modo brâmanes e não-bramanes e, enfim, fazendo dos deus Vigneshwar o símbolo de um movimento de protesto.
Tem-se dito por vezes, por um conhecimento superficial da sua complexa personalidade, que Tilak, radical, extremista, politicamente, era conservador, até reaccionário, em matéria social, como se veria da sua oposição ao Age of Consent Bill para a abolição dos casamentos entre crianças na comunidade hindu ou às medidas profilaticas tomadas pelo Governo de Bombaim por ocasião de peste bubónica. É mister, porém, considerar que Tilak não se opunha em princípio a uma legislação social progressiva nem a providências sanitárias, como as acima mencionadas, mas apenas negava a um potência estrangeira o direito de reformar os usos e costumes indianos ou de adoptar medidas higiénicos ou outras que iam bulir com os sentimentos religiosos do povo. A sua aceitação equivaleria para ele a uma renúncia abjecta ao direito que cada um tem de moldar o seu próprio destino.
Tilak não foi apenas um político, foi também um sábio, um erudito, que deixou obras de alto valor, com “Orion ou pesquisas sobre a antiguidade dos Vedas, em que, preferindo os dados astronómicos aos filológicos, provou remontar a 3000 anos AC, a composição dos Vedas e “The Attic Home of the Vedas”, em que, valendo-se também de argumentos geológicos, mostrou serem os Árias originários das regiões árticas da Ásia, duas obras, para não falar de outros trabalhos de menor tomo publicados em revistas de especialidades, que o consagraram definitivamente como erudito arqueólogo.
Estabelecido um paralelo entre Lokamanya Tilak e Mahatma Gandhi, escreveu Romain Rolland, na sua biografia deste: ‘Homem de uma rara energia, unindo num feixe de ferro a tríplice grandeza da inteligência, da vontade e do carácter, um cérebro mais vasto que Gandhi, mais solidadmente enriquecido da velha cultura asiática, sábio, matemático erudito, tendo sacrificado todas as exigências do seu gênio ao serviço da pátria e despido, como Gandhi, de toda a ambição pessoal, não esperando senão a vitória da sua causa para se retirar de cena para retomar o seu labor científico. Foi, enquanto viveu, o chefe incontestado da Índia. O que teria sucedido se uma morte prematura o não tivesse arrebatado em 1920? Gandhi, que se inclinava diante da soberania do seu gênio, diferia profundamente dele quanto ao método político e não teria, se Tilak vivesse, conservado senão a direção de certo modo espiritual do movimento. O que seria o levantar dos povos da Índia sob este duplo comando! Nada lhe teria podido resistir porque Tilak possuía o controlo da ação como Gandhi o das forças interiores. A sorte decidiu de outro modo e foi de lamentar para a Índia e para o próprio Gandhi. O papel de chefe da minoria, de elite moral teria correspondido melhorà sua natureza e aos seus íntimos desejos. Gandhi teria deixado de bom grado a Tilak a direção da maioria. Gandhi nunca teve fé na maioria. Essa fé, tinha-a Tilak. Este matemático de ação acreditava no número. Era um democrata nato. Era também absolutamente um político, sem se prender com as exigências da religião. Dizia que a política não é para sadhus. Este sábio teria sacrificado mesmo a verdade à liberdade. E esse homem integro, cuja vida foi de uma pureza imaculada, não hesitava em dizer que tudo é justo em política. O pensamento de Gandhi neste ponto é irredutível. Em face de Tilak, Gandhi proclama que obrigado a escolher sacrificaria a liberdade a verdade.