Oh! Que lindas flores! Hei-de enfeitar com elas o meu presépio! – exclamou Ana, ao ver, no fundo do barranco, umas mimosas flores bravas que brilhavam aos raios do sol, já em declínio, regadas pelo rumorejante rigueirinho que corria para o regato saltando de pedra em pedra.
- Que ideia! Não podes chegar-te até lá! – objectou António.
- Aposto que posso!
- Aposto que não!
- Que perdes, se eu ganhar?
- O meu colar de pérolas.
- Não quero! De que me serve o teu colar?
- Para ofereceres um dia à tua noiva.
- Se fosses tu essa noiva!?
Ao pronunciar estas palavras que traduziam o seu sonho, acalentado no intimo por muito tempo, a voz de António tremia de comoção.
Quando procurou encontrar o olhar de Ana, já ela estava descendo para o barranco.
Ao dar o segundo passo, talvez turbada pela comoção ou talvez por imperívia, o pé resvalou e Ana foi cair no fundo, aos trambolhões.
António correu em seu socorro. Ana tinha um rasgão na testa e corria-lhe pela face um fio de sangue. Tremia de susto. António lavou a ferida na água da fonte e fez o penso com o seu lenço. Enquanto Ana se sentava a refazer-se do susto, ele colheu uma porção de flores e alguns talos da relva rendilhada que atapetava as margens do rigueirinho, e depô-las no regaço de Ana.
- António, perdi a aposta – disse ela. Tu ficas com o meu colar e eu com... uma cicatriz na testa que vai enfear-me por toda a vida, para me lembrar desta imprudência.
António contemplava a airosa e grácil figura, sentada numa pedra com a relva e as flores no regaço, emoldurada pela verdura luxuriante com que se engrinaldavam as paredes do barranco. O lenço que servia de penso, já apresentava mancha de sangue. Era urgente seguir para casa. O rosto de Ana já se serenara e ela sorria embevecida, naquele ambiente de paz e frescura que a atraíra e podia ter-lhe sido fatal.
- Ana, não me respondeste...
- Queres-me ainda com este rasgão na testa?
- Pois! Se te quis antes deste incidente, agora inda mais te quero. A cicatriz que te ficar, será o castigo da nossa imprudente aposta, que podia ter um resultado fatal.
- É verdade. Iremos os dois à meia-noite para a Missa do Galo agradecer ao Menino Jesus o ter-me poupado à morte e pedir-lhe que abençoe o nosso amor. Ele será o primeiro a receber a participação.
Ana não podia subir para cima do barranco. António apoiava-a com o seu braço. Ela fizera como uma bolsa da saia e levava nela as flores.
- Parece-me que estou a fazer uma ascensão aos Céus com estas flores no regaço, guiada pelo meu anjo da guarda.
- Guiados um pelo outro poderemos fazer da nossa via uma ascensão aos Céus, levando nos braços flores muito mais valiosas – os filhos que Deus nos der.
No comments:
Post a Comment