O estouro do balão trouxe-me a realidade...
Bagvanram vivia num compartimento que havia sido conzinha duma residência, que hoje tinha sido convertido num godão.
No compartimento havia ruína e miséria.
Viviam nele oito pessoas, os pais, irmãos, a mulher e filhos do Bagvanram, todos dormindo, amando e chorando, neste espaço de 12 metros quadrados.
Conhecia o filho mais novo do Bagvanram que tinha uns 3 ou 4 anos de idade.
Todos as vezes que eu passasse pela sua porta pedia-me dinheiro. Era hábito seu.
É assim que o vim a conhecer.
Era uma criança raquítica em que a fome crónica tinha vestígios no seu corpo de cabeça rapada e faces puxadas onde às vezes se suspeitava a vigorosa impetuosidade do gesto maternal, quando havia exigência demasiada para mais pão, pois o que já consumira não satisfazia o aperto da barriga.
Chamava-se Krisna.
Apesar da sua miséria, sempre sorria, um sorriso inocente e tão simpático, que me fascinava invariavelmente.
Era noite de Natal.
Eu vestido do meu melhor fato burguesmente, ia apressado, para encurtar o caminho pela casa do Bagvanram porque já era tarde para comparecer no ponto do encontro onde o Aires me esperava no seu carro, acompanhado dos camaradas Zito, Elmano, Vasquito e Chico.
Quando passava pela porta do Bagvanram ouvi e vi Krisna a chorar.
A mãe tinha-o no seu regaço e procurava consolá-lo desesperadamente.
Chamei pelo Krisna, mas este recusou-se a mover e continuou a chorar.
Perguntei à mãe a razão do choro do filho. Ela informou-me que estava doente.
Meti a mão no bolso e deitei ao Krisna a pequena e insignificante moeda que me veio à mão e perguntei, pondo-me a andar, se já tinham levado ao médico.
Não sei o que me foi respondido, pois já estavam longe da sua porta quando veio a resposta.
Ouvimos a “missa de galo” no D. Bosco.
Terminada a missa e termos distribuído profusa e hipocriticamente as Boas Festas, por todos que se abeiravam de nós, fomos para a “Noite dos Românticos”.
Aí ao som da música suave, saboreamos os deliciosos chouriços e outras iguarias terminando com a soberba “Bibinca”.
Quando a “Noite dos Românticos” terminou, já era manhã e o Sol suavemente se levantava ao nascente.
Com vapores da festa ainda a aquecer-me a voluptuosidade do meu animalismo a produzir delicias, saí do local, e ao sair arranquei um balão que estava a fazer parte da ornamentação da sala, para oferecê-lo ao Krisna.
No caminho enquanto brincava com o balão, a minha animalidade se crescia embalada pela suave brisa duma manhã fresca de Dezembro.
Quando cheguei à porta da casa do Bagvanram é que me lembrei de que o balão se destinava para Krisna.
Sem mais delongas entrei em casa do Bagvanram com o balão na mão.
No chão estava um corpo inerte de criança coberta com um pano que fora branco e hoje de cor duvidosa.
A um canto, Bagvanram e os seus familiares estavam sentados de cócoras e silenciosos.
A sua mulher chorava.
À porta vi algumas mulheres a falarem baixinho e a soltarem Ais. Nisto o balão que ficara exposto aos raios solares, estoirou-se.
Reparei que eu era a única pessoa que não estava bem no quadro pois destoava ridiculamente pelo seu modo de vestir com os restos do balão na mão.
Saí do local.
Cá fora celebrava-se o Natal alegrement.
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