Thursday, 28 July 2011

Alfredo Bragança - O Grande Poeta RV Pandit (1968)

Alguns dias depois da estrondosa aclamação que R.V. Pandit, o poeta festejado de Goa, recebeu com uma condecoração honorífica das Filipinas, passo a falar dele no que mais me impressionou na sua poesia de alto recorte literário.

R.V. Pandit, autor de quatro livros em inglês e sete em Konkani, tendo também deixado gravados os seus pensamentos em artigos em marata e inglês focando temas de actualidade social e cultural. Redigiu com proficiência a revista marata Bharati em 1953. Obteve o grau de Bacharelato, e apesar de ser estudante de ciências, bem cedo revelou o seu pendor pelas letras. Já versejava em inglês aos 15 anos. Divulgou ao depois os seus poemas em marata. Porém, só mais tarde sob a mais profunda influência dos grandes pensadores como Tagore e Kakasaheb Kalelkar é que Pandit descobriu-se, e em 1954 principiou a dar expressão plástica aos sentimentos, pensamentos e anseios de grande poeta que é na nossa língua-mãe Konkani.

RV Pandit é, sem sombra de dúvida, um “grande” poeta. É grande porque é autor de muitas obras? Não. É grande porque os seus poemas foram vertidos para hindi, kanada, inglês e português ou porque escreveu em algumas delas? Não. Pandit é grande porque é pequeno. E ser pequeno é inteirar-se dos sentimentos e anseios dos pequenos, amá-los a pugnar pelos mesmos.

A paz que o “Gauddó” procura em vão através das longínquas Nações Unidas, como se patenteia no seu poemeto “Hanv Ek Ihan Munis” (Sou um Homem Pequeno) ou a tranquilidade interna que ele próprio anseia, só pode consegui-los no bem-estar dos pequenos. No mesmo poemeto volta a bater na mesma tecla: não obstante toda a sorte de correntes e esforços para nivelar as diferenças, tudo se condensa na diferença principal – de o opressor contra o oprimido. Dum lado, os arranha-céus, e doutro os “zhopddis” da Índia, os “slums” da Inglaterra, os “ghettos” da América e as “favelas” do Brasil.

Tudo isto indica que o Pandit não está a sonhar na Torre de Marfim, nem tão pouco a inspirar-se nos livros. Ele é grande porque é formado pela Universidade da Vida. Como poeta ele penetra no âmago da vida dos pobrezinhos, sente o seu coração palpitar pelos humildes que bradam pela codeia de duro pão. Refereindo-se ao poemeto “Hanv Ek Ihan Munis”, diz o Hugh McKinley que escreveu uma longa apreciação literária no “Athens Daily Post”, que o tal poemeto “actua como uma bomba napalm sobre as nossas ilusões e afastamento da responsabilidade activa”; e condensando a sua critica literária, acrescenta: ‘nos versos do Sr. Pandit temos uma expressão quente destes temas que criam a vida: o lar, a família, o amor conjugal, a ordem e a glória da natureza.”

A personalidade do R.V. Pandit cresce com raízes no solo. Ela cheira à terra vermelha. Os seus poemas são plantas regadas com o suor dos “gauddé.” O seu coração pulsa pelo sofrimento dos “Kunbis” e dos pobres campesinos. Ele vê tudo sob o prisma do realismo nu da existência. Mesmo a sua imaginação não libra voos como a dos bardos românticos. A sua imaginação é bem térrea. Eis o motivo por que a sua poesia é inspirada, em grande parte, na cultura folclórica de provérbios e superstições. Não só ele ausculta os sentimentos e pensamentos dos “gauddés”, mas identifica-se com eles ainda na expressão. A sua colectânea de poemas “Mujem Guit Gauddeanchem” é toda simplicidade, despida de ornamentos artificias. E a simplicidade é grandeza, escreveu algures o Victor Hugo. O Pandit canta noutro passo que a grandeza da palha reside no seu crescer por si mesmo à chuva e ao sol.

Quando vemos o “Bhatkar-Saukar”, sr. Pandit ao volante do seu carro e morando no Altinho, a primeira pergunta que nos aflora nos lábios: “É o mesmo Pandit que se identifica com os “gauddé”? Sim, “ecce homo”. Contudo Pandit não verseja na Torre de Marfim. Algumas vezes por semana, o Pandit vai comisturar-se com os seus co-aldeanos, a arraia-miúda em Palém de Siridão. Não se sente à vontade longe deles.

O amor aos humildes abarca toda a humanidade, e o apelo dos seus poemas é universal. Na sua cadência se sente o rítmico bater do coração que geme e sofre por uma dura côdea de pão. Eis o espírito de fraternidade que extende o seu círculo dum canto a outro do mundo:

“Tum ani Hanv,
Dogui bhav bhav,
Bhashek lagun
Dusman zaliat”

Noutro poema, “Hem Mhujem Ghor”, o espírito universitária de poeta canta “hoje e cá, amanhã lá, depois não sei onde”.

Os poemas de Garcia Lorca constituem uma tela em que se projecta fielmente o panorama da Espanha. Onde está a Espanha, lá está o imortal Lorca. Enquanto viver a Goan (Koncão) lá estará o Pandit sempre vivo na memória Pandit também pinta com palavras o cenário soberbo de riachos, mangueiras e coqueiros. Porém, não cantou como Lorca que a Morte é sombra da Vida, Lorca que morreu tragicamente na Guerra Civil da Espanha em 1936 com apenas 38 primaveras. Pandit conta hoje 50 anos.

A fé inabalável nos destinos da humanidade leva-o a arrancar os seguintes versos chamejantes cheios de visão profética:

“Aiz nam faleam
Tumkam amchi yad zatoli
...
Ami tumche bhavuch
Tumche prem korpi.
...
Ani tea dissa
Soglo sonsvar – hem ek rashtr
Sogle rong, kelle gore,
Hanchi ekutch zat – mnnis zat
Ekuch dhorm – mnnis dhorm
Oxem tumkam distolem –
Tea dissachi hanv vatt polle tam”

Outro poema em que anuncia que tudo se faz por Deus, rescende à grinalda de Tagore a Deus enquanto noutro passo o poeta não deixa de se insurgir contra o formalismos, como no-lo atesta “Fatrachi Puza” (Adoração à Pedra). Acho que devia lançar ao limbo de obscuridade poucas poesias de pouco quilate como “Mudoi” (O Capital de Amor) e “Nova Torecham Kalliz” (Nova Espécie de Coração). Porém, o seu verso livre é admirável, lembrando-nos sempre do insigne poeta da democracia Walt Whitman. Que mais poesias de povo venham à luz da pena dum dos poetas mais representativos de Goa de todos os tempos, R. V. Pandit.

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