Mal o comboio fez a sua paragem na estação, o Sr. Eng. Rogunath, passageiro de 1a classe, gritou por um begarim e mandou tirar a sua bagagem.
- Olhe lá: Tome cuidado com a bagagem. Aquela maleta... o termo-frasco... cesto de fruta... disse o engenheiro ao homem.
Depois de encabeçar tudo aquilo no homem, Rogunath pôs-se a andar. Ao sair da estação de caminho de ferro, viu que uma pessoa que viajara do mesmo comboio tivera uma solene recepção à sua chegada.
Rogunath passou uma vista, num instante, por toda a estação a ver se aparecera alguém a recebê-lo por parte do seu cliente, grande proprietário ou bhatcará daquela aldeia. E verificando que não aparecera ninguém, perguntou ao homem se ele sabia a casa do bhatcará da aldeia.
- Com certeza, Senhor – respondeu o begarim – toda a minha vida passei cá, conheço todos os cantos e recantos da aldeia. Vamos por estrada mais curta Senhor, sim?
- Pois, com certeza! Escolha a estrada mais curta possível, pois fazem anos e anos que perdi o hábito de andar.
Os dois puseram-se a andar. Rogunath observava tudo com muita curiosidade. E, ao espreitar a sua comoção era manifesta, o que aliás era muito natural, pois após quase 25 anos de ausência regressava ele à sua terra natal, aldeia que ainda continuava a ser uma das atrasadas do pais.
Antes de acabar a instrução primária ele tinha sido obrigado a deixar a sua terra natal para sempre, em vista de repentino falecimento do seu pai, e desde esse dia vivera na Cidade, em casa do seu tio materno, à cuja generosidade devia a sua posição social de hoje. A dizer a verdade, não fora pequeno também o seu sacrifício e força de vontade. Vencendo todas as grandes e sérias dificuldades conseguira ser um engenheiro de renome a ponto de hoje ser convidado para uma consulta técnica por um ricaço da aldeia.
Enquanto percorria a estrada, o engenheiro ia recordando o seu tempo da infância; espreitava maravilhosos cenários que, aliás, não eram novos para ele, e que por sinal algumas árvores permaneciam quase da mesma forma. Algumas casas que ladeavam a estrada estavam substituídas por outras novas, e algumas davam mostras de já terem perdido o seu aspecto novinho.
- Sabem quem é o senhor que agora foi recebido, solenemente, na estação? Pareceu-me ser uma pessoa conhecida mas não me recordo donde... sabes? – perguntou o Rogunath.
- É o novo Administrador; voltou de uma viagem, chama-se Bhagavantarau Mahamatmê.
- O que? Bahgú é hoje administrador? É admirável! Olhe que nós fomos companheiros de carteira... Sou também desta aldeia. Bhagú é muito inteligente e foi um bom estudante... E, só ele, porquê?... Todos nós fomos bons estudantes. O nosso professor gostava muito da nossa turma. Ele então dizia que nós havíamos de fazer boa figura na vida. Olhe, tínhamos mais um companheiro. Chamava-se Gondú... Sim, Gondú... Sabes onde está ele?
- Gondú?... Ah... sim. Sei quem é... É o Govindarau... Ele formou-se em engenharia.
- Ah... Sim?... Então é meu colega. Onde está ele?
- Não sei precisamente dizer onde é que ele trabalha. Mas no ano passado esteve cá. Ele tem também um irmão chamado Morú que é hoje um grande artista....
- Exactamente, é esse mesmo. Oh! Que sorte! Dizem que o meio é que faz os homens. Qual história! Não é preciso outro exemplo! Basta ver que apesar de pertencermos a esta pobre aldeia todos nós saímos bem. Sim... muito bem mesmo... Dizem também que é preciso de sorte... Nem sempre é verdade. Sorte existe no pulso de cada um. Persistência é que é preciso ter-se!
- Pode ser que assim seja – disse o homem, largando um grande suspiro.
- E sabes onde está o Gopó?
- Gopó?... Ah!... Sim, já sei.. É o senhor Gopinata Cossambê? Ele é hoje inspector da Policia aparece por cá de vez em quando...
- Ah!... Sim? Formidável...! Todos nós fomos bem recompensados. Não achas?... Mas tudo isso com força de vontade de cada um de nós. Aliás veja. Fomos pobres. Protecção faltou-nos sempre. Mas todos nós estamos bem colocados. Pena é que não posso encontrar-me com nenhum deles... Se todos eles estivessem cá... ! Sim... Mas porque é que eles hão-de ficar cá nesta aldeia solitária? Para fazer o quê?... Mas diga-me lá onde estão...
O Engenheiro não chegou a completar a sua pergunta, pois foi interrompida pelo aparecimento dum bigodeiro que cumprimentando respeitosamente o engenheiro pediu desculpas por ter chegado tarde a recebê-lo, e perguntou admirado:
Mas, Sr. Engenheiro, quem é que trouxe por este caminho tão conveniente?
- Foi este homem que me trouxe por aqui, naturalmente por este caminho ser mais curto.
- Que diabo! Fez muito mal. Ele é um idiota. O meu Bhatcará, se fica sabendo isso, zanga-se comigo de certeza. Pois, eu fui pela estrada principal e mesmo com pequena demora encontraria o Sr. Engenheiro se não tomasse este caminho.
- Mas este coitado para eu andar menos encaminhou-me por este lado – disse o Engenheiro com um sorriso franco.
- Ele? Ele não é coitado... hum!... é um grande patife! Não pode estar quieto na aldeia. É um grande sabichão com a leitura de Reader’s Digest que faz. Fazia propaganda contra o nosso Bhatcará, mas ele deu-lhe uma lição muito boa: apanhou-o numa curva e sacou-lhe tudo – disse o bigodeiro com todo o orgulho.
- Ah!... Sim?... Como foi isso?
- É que o pai dele devia ao nosso Bhatcará uma importância de mil rupias que, com juros de tantos anos, aumentara para mais de sete mil. Ora, o meu Bhatcar para acabar com a fanfarronice deste estúpido lançou mão a todas as propriedades que o gajo tinha...
- E de que vive ele agora?
- Vive destes trabalhos.
- Coitado... disse o engenheiro largando um grande suspiro, e olhando com ternura para o homem que estava um bocadinho afastado e que embora não tivesse ouvido nada, já compreendera que a conversa era a seu respeito. A sua cara manifestava um ódio pelo bigodeiro.
Momentos depois todos eles chegaram ao palácio do Bhatcará. O secretário correu imediatamente para dentro a anunciar a chegada do engenheiro. Entretanto este ficou junto da sua bagagem e reparando no homem que a trouxera para ali puxou pela carteira a fim de lhe pagar: mas nisto lembrando-se da sua pergunta interrompida, momentos antes, disse:
- Olhe lá, diga uma coisa. Já me falou de todos os meus companheiros, naturalmente conhece-os todos; não sabe, por acaso, onde está um deles que se chamava Ganú Savanta que era muito meu amigo e que sempre fora o primeiro na nossa classe? Não calcula quanto nós tabalhamos para lhe conquistar o primeiro lugar da classe. Mas nunca! Sempre o rapaz puxava notas mais elevadas do que nós. Era muito inteligência e trabalhador. As suas ideias, mesmo então, eram maduras. Creio que ele deve estar ocupado, com certeza, em algum lugar de destaque. Ouviu falar dele qualquer dia? Nunca ele voltou para esta terra? Pois não?
- Não, meu senhor, como poderia ele voltar, se nunca o desgraçado teve possibilidade de sair desta terra!?... disse o begarim comovido com os olhos rasos de lágrimas. – Sou eu mesmo desgraçado Ganú Savanta! Oh! Rogunath, agradeço-te muito pela lembrança, pois tu foste o único que se lembrou deste desgraçado e por uns momentos conduziu-me ao feliz mundo de então que era cheio de sonhos! A minha vida não pode ser nunca outra coisa senão o que se está a ver... – interrompeu o homem a sua fala por não poder prosseguir mais.
Rogunath fitava-o boquiaberto. Quis abraçá-lo.
Nisto o homem, muito comovido, comprimindo um soluço forte, virou-se para disfarçar e correu para fora sem receber a recompensa do seu trabalho.
Rogunath, que ficara uns momentos pálido e inerte, sem saber como devia proceder, murmurou: C’est la vie...
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