17 anos decorreram desde que o Exército Indiano, sem encontrar a anunciada resistência até morder o pó, pôs termo em Goa, Damão e Diu ao regime colonial português, sob o qual a sua população viveu por espaço de quase meio milénio.
Com o facto irreversível da integração, na União Indiana, do que era designado por Estado da Índia, baqueou a extravagante fórmula constitucional adrede adoptada como apta para salvar os territórios de além-mar de um irredentismo que se dizia suicida, em desafio ao seu incontestável direito à autodeterminação. Sob este aspecto, a libertação de Goa, Damão e Diu teria sido precursora da revolução portuguesa que acabou com o fascismo que asfixiava a vida portuguesa e possibilitou a independência das demais colónias. Afigura-se que a queda de Goa colocou o mundo português perante a realidade de que o falado império ultramarino, tal como concebia o velho ditador, era um mito, não passava de uma ficção absolutamente destoante dos tempos actuais.
A verdade é que se fosse o contrário, se fosse o Portugal metropolitano a sacudir primeiramente a canga fascista, as coisas para nós se teriam passado de outra forma: a descolonização não teria deixado de se processar diferentemente; o o nosso destino não serviria de joguete a estadistas que vão surgindo no tablado nacional, com descaso das promessas feitas no momento crucial.
Ainda hoje continuamos na condição de cidadãos de um território de União. Não se materializa o nosso anseio de estatutos de plenos poderes. Não se outorga reconhecimento à nossa língua materna. Não se favorece o nosso modo de vida nem a cultura e a língua portuguesa enraizadas neste território.
Muito pelo contrário, modificou-se radicalmente o sistema administrativo, introduzindo leis, instituições e práticas burocráticas, algumas delas retrógradas, obsoletas. Na parte omissa pelo menos houvesse o bom senso de considerar em vigor tanta legislação que nos veio do passado, em grande parte promulgada localmente com a intervenção dos filhos da terra, mas nem por isso se fez como regra, talvez por uma questão de patriotismo que não se põe no caso desses diplomas de lei e normas processuais do tipo colonial, remontando porventura, inclusivamente, à época vitoriana. E, para cúmulo, não faltaram medidas do governo local, lesivas do interesse de uma parte dos habitantes, que ficam privados de seus escassos bens ancestrais, sem a justa indemnização.
Neste momento, paira sobre Goa o espectro da proibição, com todos os malefícios inerentes à destruição de uma actividade secularmente exercida por um sector da população, como fabricantes e intermediários, a par de privação que representa para as classes médias, que os ricos terão o que há de melhor, custa o que custar, e os pobres não terão outro remédio senão afogar as mágoas nos espíritos espúrios, tornando-se bocas a menos, face às carências alimentares. E afinal tudo isso não passaria de pirronice de quem se esquece de que a virtude está no meio. A menos que, por detrás do problema que se cria, ande a manobrar essa fauna de contrabandistas e seus aliados na expectativa de negócio chorudo, com as inevitáveis comparticipações.
Sem embargo dos ressentimentos recalcados durante este período todo, pelas discriminações e imposições que se fazem, o goês não pode deixar de reconhecer que a libertação abriu horizontes mais amplos, enveredando esta terra pelo caminho do progresso. É o ensino que se está a difundir até alcançar todas as camadas, graças à sua feição democrática e ao número de estabelecimentos abertos muito embora haja vários aspectos assumindo orientação pouco aceitável. É a electrificação do território que se transformou em realidade, à parte os fiascos e limitações que atenuam a importância do melhoramento. É a urbanização que conquistou novos espaços, com construções modernas, perdendo embora as cidades em asseio e higiene. São as instalações industriais que despontam por toda a parte, num esforço desenvolvimental digno de apreço.
Mas, para alem de tudo quanto seja lícito dizer num sentido ou noutro, está a Democracia, com todos os seus princípios e instituições consagrados na Constituição da Nação, e este é um bem inestimável que todo o Goês que se preza recebeu com alacridade, após a longa caminhada através do árido deserto político que foi a ditadura salazarista.
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