O leitor duma novela da vida e costumes de Goa com este título devia a cada página ouvir o tanger de plangentes sinos, o choro de carpideiras. Mas não. Lambert Mascarenhas, seu autor, tem o estilo ligeiro e cantante e, nas suas evocações da nossa vida rural, dos nossos simples costumes, palpita o amor pela terra e pelo povo. Quão diferente é este ambiente do ambiente pincelado por Orlando da Costa – este todo artificial, certamente composto com arte e jeito, mas desgostosamente afastado das realidades do clima e relações sociais, ao passo que o livro de Lambert Mascarenhas corre espontâneo e natural, como uma fonte que brotou do flanco dum oiteiro coberto de surungam e pidkallam.
Lambert Mascarenhas vive a vida que narra, sente os sentimentos que possuem os seus personagens. Durante a sua longa ausência em Bombaim sentiu a saudade do cheiro das nossas flores, do saber acre da água do mar durante as alegres passeatas na praia de Colvá, sua aldeia natal. São reais e vivos estes personagens – o Pai lavrador, amando a sua várzea e o seu palmar, mas homem à sua maneira culto, a Mãe caseira com fortes opiniões sobre a educação dos seus filhos, os rapazes e as meninas cada qual com o seu temperamento e os seus gostos mas correndo por todo este aglomerado de temperamentos e de gostos qualquer elemento comum que é tipicamente goês desenrolando-se na atmosfera confinada da aldeia – para os rapazes a escola primária, o liceu e depois fuga para Bombaim ou as Áfricas, para as meninas o casamento...
Mas porque jaz triste a terra de Lambert?
O episódio passa-se durante os últimos terríveis anos do regime policial em Goa. Descreve-se a primeira incursão, na nossa pacata terra, duma força expedicionária de paclés. Correm pelas aldeias histórias aflitivas de lares invadidos, de raparigas violadas. O regedor da aldeia defende os paclés e faz o elogio “da civilização” de que eles são os portadores para afinal cair sucumbido sob a terrível notícia de a filha ter sido raptada e violada.
Descreve-se a fortes traços a resistência do povo no dia em que Tristão Bragança Cunha desafiou a lei na praça de Margão. O Pai, tenaz anti-salazarista, toma parte na luta e regressa à casa com um rasgão na cara. Dias depois é chamado ao quartel onde o comissário lhe fez um “sermão” narrando factos íntimos da sua vida. O bom velho fica sabendo no fim que o seu próprio filho o delatou à policia. Este rapaz, filho desnaturado, é o símbolo de tantos que traíram a sua terra Mãe recebendo pinguemente pagos lugares para fazerem o frete do portuguesismo. O velho simboliza o espírito de resistência e de luta dos goeses cultos e patrióticos, em face de todos os sofrimentos físicos e morais.
Neste breve período encontraremos as razões por que jaz triste a terra de Lambert.
Este livro encantador produzido por Lambert Mascarenhas em terra ao tempo estrangeira e no período em que viveu ali exilado, chegou ao seu pátrio lar no encalço das tropas indianas libertadoras. É ainda cedo para Lambert Mascarenhas escrever a sequência do seu lindo romance. Mas fazemos votos para que chegue a produzi-lo. Poderíamos sugerir-lhe vários títulos: “As nuvens negras levantam-se”, “Voltou o sorriso ao rosto da minha Goa”...
Mas Lambert Mascarenhas é artista bastante para achar um título muito mais bonito que oxalá possa ser um título assinalado uma feliz verdade.
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