Como é do conhecimento público, a Agência Geral do Ultramar, que tão apreciáveis serviços vem prestando à cultura portuguesa, estabeleceu no intuito de incentivar o interesse dos estudiosos pelos variados problemas ultramarinas, um concurso anual de literatura sob estas quatro modalidades: poesia, novelística, história e ensaio.
Haverá um ou dois meses anunciou a imprensa que os júris constituídos para julgamento dos trabalhos que concorreram para o certame do ano findo, conferiram prémios a obras seleccionadas entre dezenas de produções apresentadas ao concurso.
Louvando esta bela iniciativa da Agência do Ultramar, um jornalista metropolitano, depois de verificar que quase todos os escritores que se candidatam para os prémios, se ocupam, sobretudo, no domínio ficcionista, somente dos costumes e paisagens de África, estranhava que continuassem esquecidos os assuntos do Oriente português, mormente da Índia, dos quais trataram com carinho e reconhecida objectividade os escritores quinhentistas.
Deplorava ainda que Goa, sem embargo do seu numeroso escol de escritores e intelectuais, não tivesse chegado a conquistar até aqui, pelo menos na literatura de ficção num um prémio e terminava por concluir pela manifesta inferioridade das produções de escritores goeses na novelística.
E vamos lembrar-nos passados alguns anos, do juízo do escritor alguns anos, do juízo do escritor, não é porque nos mova o empenho de contrastar a todo o transe a opinião que, aliás, com alguma reserva, não teríamos dúvida de subscrever.
Um lanço rápido de vista pela literatura luso-indiana basta para apurar que entre tantos géneros cultivados pelos indo-portugueses, o romance é que tem tido pouca fortuna. Podemos até afirmar que, excepção feita de Os Brâmanes, de Francisco Luís Gomes não se descobre na nossa literatura, um romance digno deste nome.
Parece-nos que não é difícil explicar a razão do fenómeno que só à primeira vista, se afigura estranho.
Para se criar uma obra de arte como a novela, o conto, o drama, requer-se da parte do autor uma notável dose de imaginação criadora, capacidade emotiva, ou seja, sensibilidade e o senso estético, dum lado; e doutro, um estilo próprio servido por uma opulência vocabular e fraseológica.
E o goês possui o que se chama temperamento artístico, não é feliz todavia na forma em que não tendo podido assenhorear-se da língua, principalmente se sempre viveu nesta terra cujo idioma é diferente do portuês, não se acha capaz de desenvolver um conflito intimo com a riqueza e simplicidade com que faria um escritor da metrópole, que bebeu a língua com o leito materno.
Nós pertencemos àquela classe de “povos” que, no dizer do Prof. Rodrigues Lapa na sua obra A politica do idioma e as universidades, “têm uma alma dilacerada e confusa: são aqueles que, pelos acasos da história, da história feita pelos grandes homens, são obrigados a falar duas ou mais línguas: uma, a verdadeira que se mamou dos seios maternos, a outra que é imposta oficalmente pelo conquistador.”
Se uma obra de arte que se imponha pelo seu real valor, não sai da pena do goês, é porque ela não pode ser elaborada somente, com o auxílio da gramática e do dicionário dessa língua, uma tal obra deve sair espontânea da alma e só podemos exprimir-nos espontaneamente no idioma que as nossas mães nos ensinaram.
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