Wednesday, 28 September 2011

Mário Isaac - José Osório de Oliveira e o prefácio do Destino (1955)

O homem de letras que é José Osório de Oliveira nem sempre disporá de tempo suficiente para analisar detidamente os escritos que lhe vão ter às mãos. Só assim se poderá explicar o equívoco que lhe ficou da leitura do meu prefácio ao livro DESTINO de Judit Beatriz de Sousa.

Em artigo para o Serviço de Intercâmbio Cultural da Agência Geral do Ultramar, escreve o conhecido prosador que eu aparentei a goesa com Florbela Espanca e acrescenta que o estabelecimento de tal parentesco é excessivo, reproduzindo em seguida uma passagem do prefácio onde eu chamo à alentejana “irmã mais velha” de Judit.

Mais abaixo, José Osório de Oliveira explica a sua opinião, afirmando:

“Disse que era expressiva a comparação com Florbela porque a autora de Charneca em Flor, apesar das suas faltas de gosto, se ergueu à maior altura da Poesia passional de qualquer tempo e em qualquer língua, ao passo que Judit Beatriz de Sousa, cuja idade incerta do caminho da sua Poesia, hesitante, não só formalmente, mas psicologicamente”

Quem não tenha lido o prefácio de DESTINO a for julhar do seu conteúdo pelas palavras que acabei de transcrever, chegará, de certo, à conclusão de que eu pretenda colocar em presença as alturas atingidas na Poesia (mesmo passional) por aquelas duas mulheres portuguesas, ficando ainda margem para se poder imaginar que atribui a Judit um lugar descabido relativamente ao de Florbela.

Repito que há aqui um equívoco.

Abri o trabalho com ligeiras considerações inspiradas em dois versos de Eugénio de Andrada (Aqui abandonaste as mãos/A tudo o que não cheguei a acontecer...) Dessas linhas vou transcrever aquelas que – juntamente com a “irmã mais velha” – me parecem ter precipitado o juízo de Osório de Oliveira. Disse eu:

“Abandonar as mãos a tudo o que não chega a acontecer – é sina de quem um dia partiu com os olhos carregados de estrelas. O poeta deixa-se conduzir – porque é esse o seu destino – abandona-se à visão permanente e mãe de beleza; e dela, da visão, nasce o sentido e o som dos seus versos. A mão que os escreve é, ainda e sempre, guiada por ‘tudo o que não chega a acontecer

Assim se passou com Florbela Espanca. Outro tanto se dá com Judit Beatriz de Sousa. Simplesmente, se em Florbela parece ter havido males maiors, algo esclarecidos pelas circunstâncias em que deixou a vida, em Judit é apenas o Amor o centro da visão – que mais espaço ocupa e vivamente se mostra.”

A explicaçã de ter glosado aqueles dois versos deve-se ao facto de eles me parecerem bons intérpretes do caso poético de Judit Beatriz de Sousa – a própria poetisa, de resto, se dá ao trabalho de nos esclarecer logo no primeiro poema que intitulou de ‘Prefácio’:

“Amor imaginário... mas talvez

em perspectiva de longo revés...”

E vem a confirmação na ‘Elegia”:

“Meus dedos eram de barro

(ou de terra humedecida);

quiserem prender o sonho,

trazê-lo mais para a Vida.



Mas ai que o sonho se foi

Como fumo de cigarro...




Meus dedos eram de barro”

E como estes e outros desabafos espalhados pelo livro não bastassem para nos convencermos de que Judit “abandonou as mãos a tudo o que não chega a acontecer,” deparamos com a confissão de que nada mais houve que

“a dor

de amar só por amar... só por amar”

resultante de

“aquele meu velho sonho

De querer sonhar contigo.”

Mas acontece que os dois versos de Eugénio de Andrade são de um “Poema a Florbela”. Daqui e só daqui, nasceu a minha referência à poetisa alentejana, convencido como estou de ter ela também “abandonado as mãos a tudo o que não chega a acontecer”.

Aparentadas? Mas não são os poetas ramos do mesmo tronco? Onde há aqui lugar para o “excessivo” de José Osório de Oliveira?

E naquilo que o autor da ‘Explicação de Machado de Assis e de Dom Casmurro’ parece querer concretizar na palavra comparação, limitei-me a apontar um elemento comum à Poesia de Florbela e de Judit: o amor. Repito o que escrevi a este respeito:

“Simplesmente: se em Florbela parece ter havido males maiores, algo esclarecidos pelas circunstâncias em que deixou a vida, em Judit é  apenas o amor o centro da visão – que mais espaço ocupa e vivamente se mostra”

Não sei até que ponto será fácil concluir de tudo o que aí fica que pretendi colocar Judit Beatriz de Sousa, já não digo a par, mas até longe ou perto de Florbela Espanca, na hierarquia de valores da Poesia portuguesa, passional ou não. Se houve comparação aquela ‘irmã mais velha’ (em Poesia, claro está) atribui a Florbela uma superioridade mas de que eu nem sei a medida.

José Osório de Oliveira comenta a coisa de modo a fazer criar nos leitores a ideia de um escalonamento errado, deixando de pé a hipótese de eu ter procurado beneficiar a poetisa de Pangim à custa de uma desconsideração à real valia de Vila Viçosa.

Tenho razões para afirmar que houve equivoco. Suponho que uma cuidada leitura das minhas linhas dará ao critico oportunidade de constatar o seu engano.

Mantenho que a poetisa Florbela Espanca é irmã mais velha da poetisa Judit Beatriz de Sousa e não vejo onde esteja o “excesso”.

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