Vertido um mar de sangue, o inglês, finalmente,
Prometeu largar a Índia em paz e boamente.
São catorze de Agosto, um dia a mais raiava.
Batera a meia-noite. A Índia trepidava...
Sonhos de glória e raiva! Euforia! Tristeza!
Um povo que traçou páginas de beleza
Vibrava como um só: tanto no Parlamento,
Como fora na rua a luz do firmamento,
E um homem austero, em passo mesurado,
Caminhou então hirto e solene ao estrado.
Era o audaz Nehru, o Primeiro Ministro!
Acabara o pavor, o regime sinistro.
Uma Índia, agora, livre ia ter finalmente
Um governo só seu, feito com sua gente,
Novecentos quarenta e sete é uma data
Desde a qual o Bharat frui liberdade lata.
Cumprido o protocolo e aposta a chancela,
Um dilúvio de luz, visão de Cinderela,
Galvanizou Delhi. As ruas, as esquinas,
Eram grandes florões de cores peregrinas.
Archotes, lampiões, como em dias de festa
Brilhavam no solar e na casa modesta.
Bandeiras e festões, mil ramos de verdura,
Charangas a tocar; fogos, doces, fartura!
Homens ao desafio choravam a cantar
E, num estranho brio, dançavam a gritar.
E, no entanto, Nehru, numa voz muito calma,
Estava a declamar com toda a sua alma
Sua fala à Nação – mensagem bem sentida,
O eco passional duma alma dolorida
Duma alma de eleição, de poeta e de santo
Que teve a sua cruz – pois ele sofreu tanto!
Um sulco de agra dor riscava-lhe a fronte
Os vultos dos seus pais e da mimosa esposa
Morrendo a abençoar a causa gloriosa!
Junto com tantos mais, mortos ante-sazão,
Espancados sem dó ou presos sem razão;
Mulheres juvenis a encher as cadeias
Só faziam lembrar gigantescas colmeias.
O Juliana – Bag – este açougue sangrento;
Marcha de Bardoli – aquele acampamento
Perto de Jamuná; os pobres camponeses
Apátridas sem lei, escárnio dos ingleses.
Os talukdares burlões – enormes, sanguessugas
Não tendo coração, duros quais tartarugas.
O vil saucar – algoz do pobre harijan,
Opróbio de Manu, expulso do bahujan –
Um cancro sem igual a roer o Bharata,
Seja ele um telegu, um cashmiri ou marata.
Havia aqui também cristãos e muçulmanos,
Budistas e parsis, há mais um milhar de anos;
Questões de águas do mar e questões dos caminhos;
O poder de Jiná, e receio dos vizinhos...
Uma Índia bipartida ele já antolhava.
Ter sido o mal fatal, um mal que bradava,
Tudo isto e muito mais, nesse dia bendito,
Passou qual raio veloz na mente do Pandito,
Que cimentou com fé, sangue e inteligência,
O último degrau da áurea independência.
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