Friday 11 February 2011

Leonardo da Rocha's 1963 review of Vimala Devi's Monção

Consola verificar que na triste conjuntura em que se debate a língua portuguesa em Goa, escritores nossos se esforçam por preencher as lacunas herdadas no género literário de obras de ficção goesas. Orlando da Costa em O Signo da Ira marcou um vigoroso passo e sugiram lentamente outros na peugada, afirmando-se com não pouco talento.

Chega-nos ora à mão o livro de contos, intitulado Monção da nossa distinta conterrânea Maria Teresa de Almeida, que assina pelo pseudónimo literário de Vimala Devi. Oriunda de uma ilustre família de Britona, Teresa de Almeida radicou-se, faz anos, em Portugal e é ora casada com o conhecido escritor português Manuel de Seabra, autor de vários livros, como Terra de Ninguém (romance), O Retrato Esboçado (novela), O Fogo Sagrado (romance) etc.

Já quando em Goa, e muito jovem, Vimala Devi mostrou o seu pendor para as letras em apreciados escritos, publicados na imprensa local. Mas a obra que lhe grangeou unânimes aplausos da crítica foi o pequeno livro de poemas Súria (1962). No dizer do critico literário do influente Diário de Noticias, Súria assinala “um sério caso poético, uma poesia que vem colocar a autora entre os mais puros valores revelados nos últimos vinte anos”. E João Gaspar Simões, para citar só este, descobriu na poética de vimala Devi “um acento fundo de sensualidade mística, de pureza conturbada” pelas tentações em surto na carne de uma mulher.

É deveras curioso que tanta aclamação critica não animasse a autora a prosseguir no caminho da poesia, para lá de uma mera tentativa experimental, pois no ano seguinte ao da publicação de Súria, Vimala Devi dá à estampa Monção, um feixe de contos que, na fachada da própria capa, se denominam contos de Goa, ainda em concani, por sinal pouco feliz, escrito em devanágri.

Vimala Devi afronta pois, desta feita, o difícil veículo de expressão do short-story e se transporta à ambiência humana nossa, de Goa. A empresa é, na realidade, arrojada. Não só o género exige do artista grande capacidade de síntese, como o regionalismo a que a autora lança mão, requer seja manejado numa dosagem bem equilibrada em vista a um fim superior, qual é o da tradução duma humanidade típica, dum ser anímico dum povo, duma gente. Consegue-o a autora?

Uma notável galeria de tipos, como hindus, católicos – curumbins, pescadores, batecares, mestiços – é verdade nos oferece o livro de contos de Vimala Devi. O estilo é simples e agradável no descritivo, que a autora se esforça por manter objectivo e fiel. Eis como nos pinta Pangim na época do Ganês: “Acorria gente da toda a parte, mesmo da União Indiana, enchendo as ruas e as lojas de panos coloridos. Homens tisnados, de puddvém, batiam os mercados; mulheres delgadas, de saris berrantes, cobertas de manilhas de oiro, cucume bem rubro, adornavam-se com colares de zaiéus e compravam guloseimas. Pangim transformava-se numa aguarela estranha, mergulhada em aromas vivos de betle e chondor-vatt” (p.83).

A autora foi igualmente feliz em intuir aquelas situações que mais possibilidades oferecem de espelhar a realidade goesa.

Não obstante, fica-nos após a leitura, a impressão de que esta realidade se apresenta vaga e imprecisa. Não vemos focada bem a funda aquela face autêntica de Goa que esperávamos. Sentimos predominar a topografia, o regionalismo exótico, visto de fora, sobre a recriação do genuíno ambiente goês com as situações humanas e seus tipos bem analisados e não meramente esboçados.

Passando ora a uma análise mais particular. A história de “O Genro Comensal” gira à volta do velho casarão onde viviam desesperadamente solteiras quatro manas já entradas na idade, em companhia de algumas criadas velhas, do tempo de papá. “Porque não havia varões na família, a casa ia extinguir-se. E as quatro manas Fonsecas resignadas carpiam a mágoa de verem uma família de tão vetustas tradições (de Margão) mergulhar no vazio, desaparecer sem herdeiros ou continuadores” (p.33). Mas assim não sucedeu, graças a Deus, um casamento sempre se arranjou...

É um dos melhores contos que, pela veia satírica, foca um pitoresco problema do nossa vida social, certamente hoje em vias de acabar. O processo recorda algo de Jacob e Dulce. Eis, como pano de amostra, o diálogo entre o raibari (Ti-Aureliano) e o noivo (Franjoão). O noivo apura os teres e haveres da casa da futura noiva:

- Ainda tem o prédio de Divar?

- Sim.

- Quantos candis de bate dá?

- Sete.

- E coco?

- Dois mil cocos.

- E mais? Bananas, mangas, jacas?

- Também. Há outras propriedades.

- Onde?

- Em Dongrim.

- O que produz?

- Arroz. Várias qualidades. E muita manga, em Benaulim.

- Tem mangas em casa? Mangas ou chupadeiras?

- Qual! Manga boa. Xavier, fernandina. É boa casa. Brâmanes bem antigos, bem sabes. Aquilo tudo fica para Teodolinda.

- Sério?

- Claro. O que elas querem é um homem de carácter, que se dá bem com elas e traga respeito a casa!

Franjoão baixou a cabeça pensativo. (p.43)

De idêntica veia é o conto “A Subvenção” onde a mania de outrora de se identificar com o europeu-português assume um tom grotesco no comportamento do ‘descendente’ Eurcaristino, Terceiro Oficial de Fazenda. Aqui a maneira esquemática do tratamento da história e a sensação de anedota que fica no fim, tiram bastante à tese em si feliz, merecedora de melhor elaboração.

Em “Nâttak”, “Druva”, “Padmini” e “A Droga”, o mundo social e a psicologia do hindu goês despertam o interesse da autora. O último desses contos narra a história do amor proibido de dois amantes, Rosú e Caxinata, no contexto do código implacável que deita barreiras entre cristãos e hindus. Embora, à primeira impressão, nos agradem estas histórias, no plano de arte realizada, a uma demorada análise, não deixam de nos trair uma Vimala diletante, a que tivesse o prurido de abrir o véu ao mundo hindu só com as leves reminiscências hauridas de um superficial contacto que une os cristãos e hindus em Goa.

Enfim, contos como “Filhos de Job”, “Vénus e Sues Braços” tiram efeito artístico duma exploração literária do pauperismo existente em certas camadas nossas. Para alguns leitores de agora os casos humanos descritos, em cor tão berrante, talvez se desfiguremdépassés e só porventura viverão na memória de uma época que se foi. Todavia, mitigada desta ou daquela forma, a miséria de irmãos nossos lá está, trágica na sua impotência, comovente no silêncio da resignação. E há para nós arte e beleza nestas histórias em que sentimos a dor partilhada por um coração feminino, terno e sensível, da escritora e poetisa Vimala Devi.

I wish to thank Leopoldo da Rocha for his permission for me to reproduce this review. To anyone out there with an interest in Goan writing in Portuguese, I suggest you read Leopoldo da Rocha's recently published Casa Grande and that you look up his own blog:
http://lusogoanus.wordpress.com/ 

1 comment:

  1. Muito Obrigada.
    Gostei immenso.

    Manisha Pal

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