Um curumbim, de profissão cavador tinha uma filha muito bonita. O homem tinha-se enviuvado quando a pequena era criança e agora, já crescidinha, era ela que tratava dos arranjos domésticos.
Um dia faltou o arroz para a panela. O pai recomendando à filha ir pedir m paili de arroz ao batcará, foi para o seu trabalho cotidiano.
Quando a rapariga foi à casa do batcará encontrou-se com o seu filho que gostou tanto dela e quebrando todas as leis de conveniência manifestou aos seus pais, o desejo de casar com a rapariga.
Os pais, embora magoados, tiveram que satisfazer ao rapaz nos seus desejos, porque era único filho. Mandaram chamar ao manducar para tratar do assunto.
Apareceu o homem à casa do batcará acatando a sua ordem não sabendo porém o motivo do chamamento. Conduzindo o curumbim à presença do batcará, este todo amável, oferece-lhe cadeira para se sentar, facto este que deixou confundido o pobre do manducar, pois, não era costume de os batcarás ofereceram cadeira aos manducares, ainda que fossem instruídos. Os manducares quando fossem a casa do batcará ou tinha que estar de pé ou sentar no chão.
Recusou o curumbim, atenciosamente, sentar-se na cadeira, mas o batcará tanto insistiu que ficou obrigado a sentar-se na cadeira ao lado do batcará. Então este disse-lhe do que se tratava.
Quando soube de pretensão do filho de batcará ficou passado... Ficou de dar resposta consultando à filha que, achando ser uma loucura da paixão não aceitou o pedido, porque pensou sensatamente, que passados os primeiros entusiasmos, seria desprezada pelo marido e a sua família, dada a condição social que os separava.
Desde esse dia vivia o rapaz muito triste, pegado à cama, sem comer sem beber; nem se divertir. O batcará ficou, vendo o estado do filho, irritado com a filha do curumbim, a quem quis matar, porém , custando-lhe pôr em execução um tal nefando plano fez-lhe uma proposta de difícil execução para ver se assim ao menos conseguia mudar-lhe de resolução.
Intimou-lhe fazer um cesto sem fundo e feito isto ir alem de de 7 mares, trazer 7 fiadas de coral e aparecer com cesto e fiadas no seu solar dentro de 15 dias. Não executando a ordem notificou que seria morta barbaramente.
A rapariga que era esperta e ajuizada foi ao batcará com cesto sem fundo e pediu-lhe uma tona sem fundo para sulcar os mares propostos. O batcará deu-lhe o barco requerido. Sentada nele foi pelos mares à busca de coral.
Chegada ao 7o mar pousou sobre o seu ombro um papagaio que lhe perguntou o motivo da esquisita viagem. Explicou-lhe a rapariga tudo o que se passou com ela. O papagaio, condoído da sua sorte, recomendou-lhe ir a casa dum feiticeiro que morava numa margem do rio, vestindo-se de rapaz. O homem lhe daria comida e agasalho. Usaria fiada de flores para a cabeça como coroa e observaria se elas murcham ou não. Levaria perto dum caldeirão onde está continuamente cozendo a manteiga tendo por hábito de perguntar ao hóspede se se a manteiga vaza pela fervura, deves responder que não importa que se vaze. Em seguida levar-te-á perto duma lagoa pedindo-te dar o salto ao que deves recusar. Então o feiticeiro daria um salto com toda força. Apareciam imediatamente à tona da água quantidade de fiadas de coral que a menina devia apanhar e desaparecer um instante. Não devia ela assustar se o feiticeiro perguntar à sua mãe se o hóspede lhe pareceu menina.
A menina fez à risca o que o papagaio lhe dissera. Apanhou as fiadas e deu aobatcará.
O feiticeiro, quando saiu de água, viu que o hóspede tinha desaparecido. Só então suspeitou que era menina. Metendo-se rapidamente num barco veio à sua procura. Descobriu a terra e sua casa pelo feitiço. Censurando-lhe puramente pelo seu disfarce, veio com ela para sua casa e casou-se com ela. Queira ou não queira a pobre da menina teve de fazer-lhe a vontade, mas sei que viveram muito felizes e... não sei mais do que isto.
Friday, 25 February 2011
Laxmanrao Sardessai - Nossos Heróis (1965)
Nossos Heróis
Que fizeram a revolução
E dela arrancaram
A emancipação
Não são aqueles
Que hoje vemos,
Uns atrás da riqueza,
Outros atrás do poder,
Outros ainda cevando
Ódios e paixões!
Não são aqueles
Que da plataforma elevada
Gritam e exortam
E da coragem
Fizeram arma
Para practicar
Toda a podridão!
Coragem!
Tem-na
E em abundância
Os ladrões
E os salteadores
Mas nem por isso
São heróis!
Eles pelo menos
São sinceros
E os nossos heróis
Criminosos e hipócritas!
Porque usaram
Da sua coragem
E dela fizeram
Arma decente
Para iludir a gente
Para aniquilar a gente
Gente que eram os seus irmãos!
Heróis são
Os que desconhecemos,
Os que tombaram
Nas matas e nos montes,
Sob balas inimigas
Ou nas prisões,
Esquecidos,
Ignorados,
Como cães,
Mortos na rua,
Sem haver
Quem cubra
Uma vez, por ano
As suas sepulturas
Não com rosas e dálias
Mas, com flores silvestres
Que abundam nas matas e nos montes!
Eles, pobres
Tinham coragem
E tinham em casa
Mães e filhos!
E em sua companhia
A pobreza fria!
Eles, nobres
Não quiseram
Poder e fama,
Porque eram
Ignorantes,
Inocentes,
O goês, teus heróis
Não são aqueles
Que nas cidades
Passeiam radiantes
E raro descem
Para as aldeias
Para consolarem
Mães, filhos
Daqueles jovens
Que jazem
Nos campos e montes
Nas sepulturas ermas
As vidas de flores
As vidas das lembranças
Desses heróis grandes
Que ganharam fama e gloria
À custa desses mártires pobres!
Que fizeram a revolução
E dela arrancaram
A emancipação
Não são aqueles
Que hoje vemos,
Uns atrás da riqueza,
Outros atrás do poder,
Outros ainda cevando
Ódios e paixões!
Não são aqueles
Que da plataforma elevada
Gritam e exortam
E da coragem
Fizeram arma
Para practicar
Toda a podridão!
Coragem!
Tem-na
E em abundância
Os ladrões
E os salteadores
Mas nem por isso
São heróis!
Eles pelo menos
São sinceros
E os nossos heróis
Criminosos e hipócritas!
Porque usaram
Da sua coragem
E dela fizeram
Arma decente
Para iludir a gente
Para aniquilar a gente
Gente que eram os seus irmãos!
Heróis são
Os que desconhecemos,
Os que tombaram
Nas matas e nos montes,
Sob balas inimigas
Ou nas prisões,
Esquecidos,
Ignorados,
Como cães,
Mortos na rua,
Sem haver
Quem cubra
Uma vez, por ano
As suas sepulturas
Não com rosas e dálias
Mas, com flores silvestres
Que abundam nas matas e nos montes!
Eles, pobres
Tinham coragem
E tinham em casa
Mães e filhos!
E em sua companhia
A pobreza fria!
Eles, nobres
Não quiseram
Poder e fama,
Porque eram
Ignorantes,
Inocentes,
O goês, teus heróis
Não são aqueles
Que nas cidades
Passeiam radiantes
E raro descem
Para as aldeias
Para consolarem
Mães, filhos
Daqueles jovens
Que jazem
Nos campos e montes
Nas sepulturas ermas
As vidas de flores
As vidas das lembranças
Desses heróis grandes
Que ganharam fama e gloria
À custa desses mártires pobres!
Wednesday, 23 February 2011
Augusto do Rosário Rodrigues - Nehru: Um Episódio da Sua Vida (1970)
Vertido um mar de sangue, o inglês, finalmente,
Prometeu largar a Índia em paz e boamente.
São catorze de Agosto, um dia a mais raiava.
Batera a meia-noite. A Índia trepidava...
Sonhos de glória e raiva! Euforia! Tristeza!
Um povo que traçou páginas de beleza
Vibrava como um só: tanto no Parlamento,
Como fora na rua a luz do firmamento,
E um homem austero, em passo mesurado,
Caminhou então hirto e solene ao estrado.
Era o audaz Nehru, o Primeiro Ministro!
Acabara o pavor, o regime sinistro.
Uma Índia, agora, livre ia ter finalmente
Um governo só seu, feito com sua gente,
Novecentos quarenta e sete é uma data
Desde a qual o Bharat frui liberdade lata.
Cumprido o protocolo e aposta a chancela,
Um dilúvio de luz, visão de Cinderela,
Galvanizou Delhi. As ruas, as esquinas,
Eram grandes florões de cores peregrinas.
Archotes, lampiões, como em dias de festa
Brilhavam no solar e na casa modesta.
Bandeiras e festões, mil ramos de verdura,
Charangas a tocar; fogos, doces, fartura!
Homens ao desafio choravam a cantar
E, num estranho brio, dançavam a gritar.
E, no entanto, Nehru, numa voz muito calma,
Estava a declamar com toda a sua alma
Sua fala à Nação – mensagem bem sentida,
O eco passional duma alma dolorida
Duma alma de eleição, de poeta e de santo
Que teve a sua cruz – pois ele sofreu tanto!
Um sulco de agra dor riscava-lhe a fronte
Os vultos dos seus pais e da mimosa esposa
Morrendo a abençoar a causa gloriosa!
Junto com tantos mais, mortos ante-sazão,
Espancados sem dó ou presos sem razão;
Mulheres juvenis a encher as cadeias
Só faziam lembrar gigantescas colmeias.
O Juliana – Bag – este açougue sangrento;
Marcha de Bardoli – aquele acampamento
Perto de Jamuná; os pobres camponeses
Apátridas sem lei, escárnio dos ingleses.
Os talukdares burlões – enormes, sanguessugas
Não tendo coração, duros quais tartarugas.
O vil saucar – algoz do pobre harijan,
Opróbio de Manu, expulso do bahujan –
Um cancro sem igual a roer o Bharata,
Seja ele um telegu, um cashmiri ou marata.
Havia aqui também cristãos e muçulmanos,
Budistas e parsis, há mais um milhar de anos;
Questões de águas do mar e questões dos caminhos;
O poder de Jiná, e receio dos vizinhos...
Uma Índia bipartida ele já antolhava.
Ter sido o mal fatal, um mal que bradava,
Tudo isto e muito mais, nesse dia bendito,
Passou qual raio veloz na mente do Pandito,
Que cimentou com fé, sangue e inteligência,
O último degrau da áurea independência.
Prometeu largar a Índia em paz e boamente.
São catorze de Agosto, um dia a mais raiava.
Batera a meia-noite. A Índia trepidava...
Sonhos de glória e raiva! Euforia! Tristeza!
Um povo que traçou páginas de beleza
Vibrava como um só: tanto no Parlamento,
Como fora na rua a luz do firmamento,
E um homem austero, em passo mesurado,
Caminhou então hirto e solene ao estrado.
Era o audaz Nehru, o Primeiro Ministro!
Acabara o pavor, o regime sinistro.
Uma Índia, agora, livre ia ter finalmente
Um governo só seu, feito com sua gente,
Novecentos quarenta e sete é uma data
Desde a qual o Bharat frui liberdade lata.
Cumprido o protocolo e aposta a chancela,
Um dilúvio de luz, visão de Cinderela,
Galvanizou Delhi. As ruas, as esquinas,
Eram grandes florões de cores peregrinas.
Archotes, lampiões, como em dias de festa
Brilhavam no solar e na casa modesta.
Bandeiras e festões, mil ramos de verdura,
Charangas a tocar; fogos, doces, fartura!
Homens ao desafio choravam a cantar
E, num estranho brio, dançavam a gritar.
E, no entanto, Nehru, numa voz muito calma,
Estava a declamar com toda a sua alma
Sua fala à Nação – mensagem bem sentida,
O eco passional duma alma dolorida
Duma alma de eleição, de poeta e de santo
Que teve a sua cruz – pois ele sofreu tanto!
Um sulco de agra dor riscava-lhe a fronte
Os vultos dos seus pais e da mimosa esposa
Morrendo a abençoar a causa gloriosa!
Junto com tantos mais, mortos ante-sazão,
Espancados sem dó ou presos sem razão;
Mulheres juvenis a encher as cadeias
Só faziam lembrar gigantescas colmeias.
O Juliana – Bag – este açougue sangrento;
Marcha de Bardoli – aquele acampamento
Perto de Jamuná; os pobres camponeses
Apátridas sem lei, escárnio dos ingleses.
Os talukdares burlões – enormes, sanguessugas
Não tendo coração, duros quais tartarugas.
O vil saucar – algoz do pobre harijan,
Opróbio de Manu, expulso do bahujan –
Um cancro sem igual a roer o Bharata,
Seja ele um telegu, um cashmiri ou marata.
Havia aqui também cristãos e muçulmanos,
Budistas e parsis, há mais um milhar de anos;
Questões de águas do mar e questões dos caminhos;
O poder de Jiná, e receio dos vizinhos...
Uma Índia bipartida ele já antolhava.
Ter sido o mal fatal, um mal que bradava,
Tudo isto e muito mais, nesse dia bendito,
Passou qual raio veloz na mente do Pandito,
Que cimentou com fé, sangue e inteligência,
O último degrau da áurea independência.
Tuesday, 22 February 2011
Laxmanrao Sardessai - O Nosso Crime (1965)
A inércia é um crime
Quando o perigo está perto
E esse crime se torna horrendo
Quando o perigo ameaça
Não a existência nossa
Mas a dignidade das gerações futuras!
Nós que somos pais
Ou avós dos novos
Procedemos como néscios
Conversamos nos balcões
Ou nas alcovas
Horas e horas
Sobre Maharashtrawadi e a integração.
Com todas as veras da alma
Gritamos, berramos
Gesticulamos, suspiramos
Nada de positivo
Conforto abraçamos
Único alvo da nossa vida
Se somos chefes políticos
Quando entrevistamos
Shashtri ou Kamaraj
É nosso empenho
Sermos com eles fotografados
E termina a nossa missão
Gastamos milhares de rupias
Em comícios magnos
E ali falamos do povo
Que desconhecemos
E até aborrecemos
A sua importância sentimos
Só quando batem à porta as eleições
Que nos prometem o poder
E choramos a sorte do povo
Que não amamos quando
Um dia, ele nós dá pontapé!
Para nós, a medida do povo
E das eleições é o palmo
Da nossa barriga
E tudo a ela respeitante
Assim temos sido, assim somos
Os que pertencemos
As gerações velhas
Se nesse andar vamos
Um dia, as bocas das urnas
Proclamarão “integração!”
Quando o perigo está perto
E esse crime se torna horrendo
Quando o perigo ameaça
Não a existência nossa
Mas a dignidade das gerações futuras!
Nós que somos pais
Ou avós dos novos
Procedemos como néscios
Conversamos nos balcões
Ou nas alcovas
Horas e horas
Sobre Maharashtrawadi e a integração.
Com todas as veras da alma
Gritamos, berramos
Gesticulamos, suspiramos
Nada de positivo
Conforto abraçamos
Único alvo da nossa vida
Se somos chefes políticos
Quando entrevistamos
Shashtri ou Kamaraj
É nosso empenho
Sermos com eles fotografados
E termina a nossa missão
Gastamos milhares de rupias
Em comícios magnos
E ali falamos do povo
Que desconhecemos
E até aborrecemos
A sua importância sentimos
Só quando batem à porta as eleições
Que nos prometem o poder
E choramos a sorte do povo
Que não amamos quando
Um dia, ele nós dá pontapé!
Para nós, a medida do povo
E das eleições é o palmo
Da nossa barriga
E tudo a ela respeitante
Assim temos sido, assim somos
Os que pertencemos
As gerações velhas
Se nesse andar vamos
Um dia, as bocas das urnas
Proclamarão “integração!”
Monday, 21 February 2011
Bailon de Sá - Manhã de Setembro (à E.) (1978)
É manhã esplendorosa
De Setembro, quando a rosa
E a suganda voluptuosa
Irradiam seu olor
Em nuvens febricitantes;
E as canas tam intrigantes
De cores estonteantes
Segredam árias de Amor
Quando o bulbul em gorjeio
Líquido, trila de enleio;
E o moruonim, no permeio,
Em perfeito abandon,
Desaperta seu trinado;
E o pinheiro, alto, enlevado
De pingos de água enfeitado,
Tem arco-irisado tom.
E o verde-loiro arrozal
Balbucia um madrigal
Ao beijo almo e virginal
Da brisa suave e cantante:
E o monte à beira do rio
Sacode seu ar sombrio,
Seu olhar místico e frio,
E arde num riso exultante.
No seu leito de sofisma,
O Homem, silencioso cisma –
Como por um novo prisma
O caos do pensamento,
Dos crimes a natureza
E do coração a frieza,
Entrevado por tibieza
- por um rútilo movimento.
Enfim toda a Natureza,
Irremediavelmente presa
Pela dúvida e incerteza
Desata-se neste dia;
E por um mistério suave,
Qual um secreto conclave,
Unifica-se sem entrave,
Em doce e santa alegria.
- Que bendito dia !
- Que santa harmonia!
Foi numa destas manhãs
De Setembro – harmoniosa –
De tempos velhos de cãs,
Manhã clara e luminosa,
Que, decerto, veio à luz
Neste grão feliz de areia,
Tendo por brasão a Cruz,
A Miriam da Judeia!
De Setembro, quando a rosa
E a suganda voluptuosa
Irradiam seu olor
Em nuvens febricitantes;
E as canas tam intrigantes
De cores estonteantes
Segredam árias de Amor
Quando o bulbul em gorjeio
Líquido, trila de enleio;
E o moruonim, no permeio,
Em perfeito abandon,
Desaperta seu trinado;
E o pinheiro, alto, enlevado
De pingos de água enfeitado,
Tem arco-irisado tom.
E o verde-loiro arrozal
Balbucia um madrigal
Ao beijo almo e virginal
Da brisa suave e cantante:
E o monte à beira do rio
Sacode seu ar sombrio,
Seu olhar místico e frio,
E arde num riso exultante.
No seu leito de sofisma,
O Homem, silencioso cisma –
Como por um novo prisma
O caos do pensamento,
Dos crimes a natureza
E do coração a frieza,
Entrevado por tibieza
- por um rútilo movimento.
Enfim toda a Natureza,
Irremediavelmente presa
Pela dúvida e incerteza
Desata-se neste dia;
E por um mistério suave,
Qual um secreto conclave,
Unifica-se sem entrave,
Em doce e santa alegria.
- Que bendito dia !
- Que santa harmonia!
Foi numa destas manhãs
De Setembro – harmoniosa –
De tempos velhos de cãs,
Manhã clara e luminosa,
Que, decerto, veio à luz
Neste grão feliz de areia,
Tendo por brasão a Cruz,
A Miriam da Judeia!
Friday, 18 February 2011
Telo de Mascarenhas - As Sementeiras (1971)
As chuvas vieram
Os homens e os bois
Jungidos ao tosco arado,
Abrem sulcos na terra
Ensopada e clemente,
Rara em seguida
Lançar a semente,
Com gestos sacudidos.
Os gritos de incitamento:
“Arre! Hoi! Hoi!”,
Ao boi pachorrento,
Lembram as apostrofes
Dos carreiros,
Alegres e chocarreiros,
Do “carrinho de barro”,
Do Rei Shudraka.
Os pobres “royts”
Com seus métodos rotineiros
E sem vanglória,
São legítimos herdeiros
Do Rei Jánaka,
Rei Lavrador
Da Nossa História.
Quando as sementes grelaram
E a terra reverdecer
Como uma alcatifa de veludo,
E as loiras messes ondularem
Com uma bênção da Fortuna
Sobre a terra de dor
Onde a fome abunda
Florirá a esperança
Duma vida melhor.
Os homens e os bois
Jungidos ao tosco arado,
Abrem sulcos na terra
Ensopada e clemente,
Rara em seguida
Lançar a semente,
Com gestos sacudidos.
Os gritos de incitamento:
“Arre! Hoi! Hoi!”,
Ao boi pachorrento,
Lembram as apostrofes
Dos carreiros,
Alegres e chocarreiros,
Do “carrinho de barro”,
Do Rei Shudraka.
Os pobres “royts”
Com seus métodos rotineiros
E sem vanglória,
São legítimos herdeiros
Do Rei Jánaka,
Rei Lavrador
Da Nossa História.
Quando as sementes grelaram
E a terra reverdecer
Como uma alcatifa de veludo,
E as loiras messes ondularem
Com uma bênção da Fortuna
Sobre a terra de dor
Onde a fome abunda
Florirá a esperança
Duma vida melhor.
Cyrano Valles - Poema (1981)
Águia negra
Arrebatou de repente
A pomba parasita
Que entre corvos
Reinava anelando
Pantera feroz disfarçada
Em sentinela d’amor...
Rompeu o sol rútilo
As malignas cadeias
Das ultimas trevas.
Aclamando com jubilo
Pelos cativos livres
Enfim dum longo pesadelo,
Um sonho mau de bruxas velhas
Que ruiu sob uma chuva
De estrelas vermelhas!
Alcandorado sobre pirâmides
De craveiras e carcaças
O desvario megalomaníaco
De chacina dos inocentes
Ruiu num instante orgíaco
Co’a maré subindo.. subindo
Lenta... inexorável... fatal...
O canto das ciganas ecoando
O monótono restolhar dos fenos
E as abelhas revoltas zumbindo
Sobre a flor d’outono submergindo,
Virgem violada pelo vendaval,
Nas névoas da noite eterna.
Algas de chumbo mal ocultando
Sua nudez intima e derradeira!
Sulla spiaggia “un odor” di putredine
Dove sta la gloria...
Arrebatou de repente
A pomba parasita
Que entre corvos
Reinava anelando
Pantera feroz disfarçada
Em sentinela d’amor...
Rompeu o sol rútilo
As malignas cadeias
Das ultimas trevas.
Aclamando com jubilo
Pelos cativos livres
Enfim dum longo pesadelo,
Um sonho mau de bruxas velhas
Que ruiu sob uma chuva
De estrelas vermelhas!
Alcandorado sobre pirâmides
De craveiras e carcaças
O desvario megalomaníaco
De chacina dos inocentes
Ruiu num instante orgíaco
Co’a maré subindo.. subindo
Lenta... inexorável... fatal...
O canto das ciganas ecoando
O monótono restolhar dos fenos
E as abelhas revoltas zumbindo
Sobre a flor d’outono submergindo,
Virgem violada pelo vendaval,
Nas névoas da noite eterna.
Algas de chumbo mal ocultando
Sua nudez intima e derradeira!
Sulla spiaggia “un odor” di putredine
Dove sta la gloria...
RV Pandit - Vinho (1968)
Em Goa
Algumas crianças
Aprendem a beber
Antes de nascer dentes.
E depois…
Quando nascem dentes de
Sizo….
Esses dentes
São de sizo alcoólico
Que trituram
A eles próprios...
Algumas crianças
Aprendem a beber
Antes de nascer dentes.
E depois…
Quando nascem dentes de
Sizo….
Esses dentes
São de sizo alcoólico
Que trituram
A eles próprios...
Benedito Dias - Coimbra (1981)
Dedico este ramalhete de versos
Como um tesouro de recordação
Duma terra que me serviu de berço
E trago-o sempre no meu coração
Dou-me feliz por ainda estar vivo
Que seria injusto da minha parte
Se não vos falasse como é devido
Dessa ‘LUSA-ATENAS”! A UNIVERSIDADE
Cantaram-na escritores e poetas
E no estrangeiro tem grande fama,
Eu nasci na Índia – terra d’ascetas
Descoberta pelo Vasco da Gama!
Oh COIMBRA! Tu és como Criança,
Também é Juventude e Mocidade,
Adolescência, Velhice e Cidade
Acolhendo poetas na Eternidade!
Como um tesouro de recordação
Duma terra que me serviu de berço
E trago-o sempre no meu coração
Dou-me feliz por ainda estar vivo
Que seria injusto da minha parte
Se não vos falasse como é devido
Dessa ‘LUSA-ATENAS”! A UNIVERSIDADE
Cantaram-na escritores e poetas
E no estrangeiro tem grande fama,
Eu nasci na Índia – terra d’ascetas
Descoberta pelo Vasco da Gama!
Oh COIMBRA! Tu és como Criança,
Também é Juventude e Mocidade,
Adolescência, Velhice e Cidade
Acolhendo poetas na Eternidade!
Alfredo Bragança - Goa Viva, Goa Livre (1963)
Eles foram…
Abutres que vieram,
Abutres que foram,
Goa não é carcaça,
Goa não é cadáver,
Goa viva, Goa livre!
Vontade divina,
Seta de Parshuram
Que funda o Concão.
Coqueiros e arecais,
Luxuriantes e frondosos,
Várezeas e mangueirais.
Jardins edénicos,
Rios leitosos,
Praias de areia branca,
Espuma cristalina,
De Betul a Siridão,
De Colvá a Calangute,
Não as deixaremos macular
Pelas botas férreas,
Do bárbaro invasor,
Tocam tambores,
Soa clarim,
Vozes que bradam,
Vozes que ecoam
Em concani:
Amchem Goem, anchi as,
Amcho ganv, amchi bhas.
Vozes da História,
De Epopeia e Glória,
Vozes de Tempo
Vozes de Panchayts e Comunidades,
Vozes sem idades,
Vozes de Bhau Daji Lad
E Dada Vaidya
De Francisco Luís Gomes
E Dalgado
Vozes de Kosambi e Valaulicar,
De Gama Pinto
E Menezes Bragança...
Gritos de Sidnate e Chadernate,
De Dudsagor e Arvalém
De Mandovi e Zuari,
Nossos Indus e Ganges,
Vozes que gritam
Vozes que rompem:
Amchem Goem, amchi as,
Amcho ganv, amchi bhas.
Vozes que ecoam,
Vozes que reboam,
Vozes que voam
Goa é nossa,
Goa viva, Goa livre.
Rica língua,
Rico folcore,
Milhares milhares
De provérbios concanis,
Mandós e dacnis,
Dulpodas e haloios,
Zotiós e ovios.
Surgem preces imortais
Por Goa viva, Goa livre,
Preces de templos e catedrais:
Da Sé e Bom Jesus,
Shri Manguesh, Shri Naguesh,
Shri Mahalacximi, Shri Ramnath,
Preces do Pilar e Sancoale,
Por Goa viva, Goa livre.
Goa é Shanta-Durga,
Deusa de paz,
Unindo Vishnu e Shivá
Ao apelo do Bramá,
Que é a Índia-Mãe.
Santos e heróis,
Luzes e faróis,
Ranés d’antanho,
Satyagrahas tamanhos,
Aguada, Reis-Magos
E fortes vetustos,
Então revoltas em vão?
Não, mil vezes não!
Eles foram...
Outros convidam
À escuridão,
À escravidão,
Profetas falsas,
Para ‘engolir’
Nosso rincão,
Cautela irmão!
Cautela com amigos
A soldo dos vizinhos!
Avalanches dos estados inimigos.
Capa de amizada,
Hipocrisia, falsidade,
Cavalo de Tróia,
Ganância e traição.
É ‘China’ dentro da Índia,
Avançando à dianteira,
Alargando a fronteira,
Empurrando o Macmahon,
Adentro do Concão.
Cautela, filhos de Goa!
Alerta, filhos de Concão!
Alerta, filhos da Índia!
Goa não é carcaça,
Goa não é cadáver,
Goa somos nós,
Goa é nossa,
Viva Goa, livre Goa,
Goa viva, Goa livre!
Abutres que vieram,
Abutres que foram,
Goa não é carcaça,
Goa não é cadáver,
Goa viva, Goa livre!
Vontade divina,
Seta de Parshuram
Que funda o Concão.
Coqueiros e arecais,
Luxuriantes e frondosos,
Várezeas e mangueirais.
Jardins edénicos,
Rios leitosos,
Praias de areia branca,
Espuma cristalina,
De Betul a Siridão,
De Colvá a Calangute,
Não as deixaremos macular
Pelas botas férreas,
Do bárbaro invasor,
Tocam tambores,
Soa clarim,
Vozes que bradam,
Vozes que ecoam
Em concani:
Amchem Goem, anchi as,
Amcho ganv, amchi bhas.
Vozes da História,
De Epopeia e Glória,
Vozes de Tempo
Vozes de Panchayts e Comunidades,
Vozes sem idades,
Vozes de Bhau Daji Lad
E Dada Vaidya
De Francisco Luís Gomes
E Dalgado
Vozes de Kosambi e Valaulicar,
De Gama Pinto
E Menezes Bragança...
Gritos de Sidnate e Chadernate,
De Dudsagor e Arvalém
De Mandovi e Zuari,
Nossos Indus e Ganges,
Vozes que gritam
Vozes que rompem:
Amchem Goem, amchi as,
Amcho ganv, amchi bhas.
Vozes que ecoam,
Vozes que reboam,
Vozes que voam
Goa é nossa,
Goa viva, Goa livre.
Rica língua,
Rico folcore,
Milhares milhares
De provérbios concanis,
Mandós e dacnis,
Dulpodas e haloios,
Zotiós e ovios.
Surgem preces imortais
Por Goa viva, Goa livre,
Preces de templos e catedrais:
Da Sé e Bom Jesus,
Shri Manguesh, Shri Naguesh,
Shri Mahalacximi, Shri Ramnath,
Preces do Pilar e Sancoale,
Por Goa viva, Goa livre.
Goa é Shanta-Durga,
Deusa de paz,
Unindo Vishnu e Shivá
Ao apelo do Bramá,
Que é a Índia-Mãe.
Santos e heróis,
Luzes e faróis,
Ranés d’antanho,
Satyagrahas tamanhos,
Aguada, Reis-Magos
E fortes vetustos,
Então revoltas em vão?
Não, mil vezes não!
Eles foram...
Outros convidam
À escuridão,
À escravidão,
Profetas falsas,
Para ‘engolir’
Nosso rincão,
Cautela irmão!
Cautela com amigos
A soldo dos vizinhos!
Avalanches dos estados inimigos.
Capa de amizada,
Hipocrisia, falsidade,
Cavalo de Tróia,
Ganância e traição.
É ‘China’ dentro da Índia,
Avançando à dianteira,
Alargando a fronteira,
Empurrando o Macmahon,
Adentro do Concão.
Cautela, filhos de Goa!
Alerta, filhos de Concão!
Alerta, filhos da Índia!
Goa não é carcaça,
Goa não é cadáver,
Goa somos nós,
Goa é nossa,
Viva Goa, livre Goa,
Goa viva, Goa livre!
Thursday, 17 February 2011
Laxmanrao Sardessai - O Teu Maior Inimigo (1965)
Sou o infeliz dos infelizes.
Disseste-me ontem: “tenho tantos amigos…"
“Quantos? Dez?... Vinte?... Trinta?...”
“Muito Mais” tu respondeste.
Ah meu senhor! Porque criaste no mundo
Essa criatura em que abunda
Tamanha afeição para dar a todos,
Como uma fonte de água perene,
Que, enquanto, corre, cresce
E fecunda várzeas e palmeirais e arecais…
Transporte no seu seio inúmeros bateis
E ao Sollevanta, em eflúvios etéreos,
Preces que sobem aos Céus,
Os ais cânticos dos Santos
Mas esquece cruelmente...
O rochedo áspero e cálido
Que está postado no alto da margem,
Em atitude piedosa, desolada,
Semelhante a um rishi antiga,
A infligir-se torturas,
Durante séculos, meu Deus!
E tão perto dessa corrente clara...
... Cantante... terna... benfazeja...
Mas tão cruel para com o infeliz rochedo,
Exposto às intempéries da Natureza...
Durante anos... Durante séculos...
Sem merecer uma só gola dessa imensidade,
Cristalina, generosa,
Eu sou o rochedo, o teu maior inimigo.
Disseste-me ontem: “tenho tantos amigos…"
“Quantos? Dez?... Vinte?... Trinta?...”
“Muito Mais” tu respondeste.
Ah meu senhor! Porque criaste no mundo
Essa criatura em que abunda
Tamanha afeição para dar a todos,
Como uma fonte de água perene,
Que, enquanto, corre, cresce
E fecunda várzeas e palmeirais e arecais…
Transporte no seu seio inúmeros bateis
E ao Sollevanta, em eflúvios etéreos,
Preces que sobem aos Céus,
Os ais cânticos dos Santos
Mas esquece cruelmente...
O rochedo áspero e cálido
Que está postado no alto da margem,
Em atitude piedosa, desolada,
Semelhante a um rishi antiga,
A infligir-se torturas,
Durante séculos, meu Deus!
E tão perto dessa corrente clara...
... Cantante... terna... benfazeja...
Mas tão cruel para com o infeliz rochedo,
Exposto às intempéries da Natureza...
Durante anos... Durante séculos...
Sem merecer uma só gola dessa imensidade,
Cristalina, generosa,
Eu sou o rochedo, o teu maior inimigo.
Clara de Menezes - A Diva do Concão (1965)
Sempre airosa e gentil, a bailadeira
Com o seu nôt de aljôfares nacarados,
Que encima os lábios, dois rubis rosados,
Tem encantos e olhar de feiticeira
Baila e canta nos templos desta beira
Do Índico com requebros e trinados.
Para louvar Ramá com seus bailados
Traja pitambor grácil e ligeira.
Argentinas pãiznam ao famoso astro
Beijam-lhe o tornozelo de alabastro
Com paixão, singeleza, bizarria...
Do lodaçal, qual lótus, foi cativa.
Uma bela alma dá a essa diva,
Num gesto nobre, a carta de alforria.
Com o seu nôt de aljôfares nacarados,
Que encima os lábios, dois rubis rosados,
Tem encantos e olhar de feiticeira
Baila e canta nos templos desta beira
Do Índico com requebros e trinados.
Para louvar Ramá com seus bailados
Traja pitambor grácil e ligeira.
Argentinas pãiznam ao famoso astro
Beijam-lhe o tornozelo de alabastro
Com paixão, singeleza, bizarria...
Do lodaçal, qual lótus, foi cativa.
Uma bela alma dá a essa diva,
Num gesto nobre, a carta de alforria.
Wednesday, 16 February 2011
Gonês Sinai Candearparcar - C'est la vie (1960)
Estando entretido no seu jogo de xadrez, um Maharajá viu aparecer o seu criado predilecto, todo aflito, que lhe disse:
“Maharajá, estou com medo, vejo-me perseguido por três homens que me querem matar. Por favor, autorize-me a levar o cavalo mais veloz de Vossa Majestade!”
“Quem é que te ameaça? E para onde pensas fugir? Estás maluco? Enquanto eu esteja vivo... hum!”, disse o rei com desprezo, “Ninguém te fará mal”
“Majestade, vou para Bagdad, tenho lá minha família”, respondeu o criado.
“Bem, podes levar o cavalo quando quiseres!... Mas quem é que se atreve a ameaçar-te? Eu quero ver isso!...
O criado não esperou nem um segundo; quando viu que o Maharajá lhe tinha concedido a autorização correu como uma flecha. E, enquanto o Maharajá procurava descobrir os perseguidores para os castigar, já ele marchava a toda a brida a caminho de Bagdad.
O rei, porém, irritado com os malfeitores, interrompe o seu jogo, olha para fora e vendo os três homens, que procuram esconder-se, pergunta-lhes:
“Ó malditos, porque é que vocês perseguem o meu simpático criado?... Pois isso vai-lhes sair caro!”
“Desculpe-nos, Senhor Maharajá, somos agentes às ordens do Yamadeu, ministro do Deus da morte, e viemos cá saber o motivo de demora do seu criado, cujo encontro está marcado para hoje em Bagdad, daqui a meia hora! E a demora dele prejudicava o nosso serviço regular” respondeu um dos homens.
“Quê?... Não compreendo!...” gritou o Maharajá muito irritado, e puxando da pistola disparou um tiro. Mas qual não foi o seu espanto quando viu que nenhum deles tinha sucumbido ao seu tiro, mas todos três tinham desaparecido bruscamente!
Aborrecido e desconfiado o Maharajá continuou o seu jogo, porém, perdera a calma!
Daí a uma hora surgiu um homem de Bagdad trazendo-lhe a infausta notícia da morte do seu predilecto criado que por marchar com excessiva velocidade saltará do cavalo e tinha morrido da queda.
O rei mordeu os lábios e meneou a cabeça. Com um medonho suspiro manifestou que agora já estava a perceber o que os Yamadutas, agentes de Deus Yama, diziam, e murmurou: O DESTINO LEVA.
(adaptação)
“Maharajá, estou com medo, vejo-me perseguido por três homens que me querem matar. Por favor, autorize-me a levar o cavalo mais veloz de Vossa Majestade!”
“Quem é que te ameaça? E para onde pensas fugir? Estás maluco? Enquanto eu esteja vivo... hum!”, disse o rei com desprezo, “Ninguém te fará mal”
“Majestade, vou para Bagdad, tenho lá minha família”, respondeu o criado.
“Bem, podes levar o cavalo quando quiseres!... Mas quem é que se atreve a ameaçar-te? Eu quero ver isso!...
O criado não esperou nem um segundo; quando viu que o Maharajá lhe tinha concedido a autorização correu como uma flecha. E, enquanto o Maharajá procurava descobrir os perseguidores para os castigar, já ele marchava a toda a brida a caminho de Bagdad.
O rei, porém, irritado com os malfeitores, interrompe o seu jogo, olha para fora e vendo os três homens, que procuram esconder-se, pergunta-lhes:
“Ó malditos, porque é que vocês perseguem o meu simpático criado?... Pois isso vai-lhes sair caro!”
“Desculpe-nos, Senhor Maharajá, somos agentes às ordens do Yamadeu, ministro do Deus da morte, e viemos cá saber o motivo de demora do seu criado, cujo encontro está marcado para hoje em Bagdad, daqui a meia hora! E a demora dele prejudicava o nosso serviço regular” respondeu um dos homens.
“Quê?... Não compreendo!...” gritou o Maharajá muito irritado, e puxando da pistola disparou um tiro. Mas qual não foi o seu espanto quando viu que nenhum deles tinha sucumbido ao seu tiro, mas todos três tinham desaparecido bruscamente!
Aborrecido e desconfiado o Maharajá continuou o seu jogo, porém, perdera a calma!
Daí a uma hora surgiu um homem de Bagdad trazendo-lhe a infausta notícia da morte do seu predilecto criado que por marchar com excessiva velocidade saltará do cavalo e tinha morrido da queda.
O rei mordeu os lábios e meneou a cabeça. Com um medonho suspiro manifestou que agora já estava a perceber o que os Yamadutas, agentes de Deus Yama, diziam, e murmurou: O DESTINO LEVA.
(adaptação)
José Rangel - Afirmação (1980)
A cântaros, chove…
Cordas de água fustigam
A Natureza,
Encharcando
As ruas, os campos, os homens…
Um coro de recriminações
Se eleva ao céu:
O operário e o funcionário que vão
Ao trabalho;
O operário e o funcionário que vão
Ao negócio;
O advogado que tem
Uma causa a defender;
O medico que tem
Uma vítima a socorrer.
Chora o camponês de ver
A seara inundada.
Cordas de água fustigam
A Natureza,
Encharcando
As ruas, os campos, os homens…
Um coro de recriminações
Se eleva ao céu:
O operário e o funcionário que vão
Ao trabalho;
O operário e o funcionário que vão
Ao negócio;
O advogado que tem
Uma causa a defender;
O medico que tem
Uma vítima a socorrer.
Chora o camponês de ver
A seara inundada.
Mas em sua morada
Ninguém se detem;
Pois todos têm
Algo a perfazer…
Haverá perdas e danos;
Haverá revolta pelos enganos
De um Deus
Que lá dos céus
Vela pelos seres humanos.
Mas eu sinto,
Talvez por instinto,
Que a Vida e a Natureza
Retomarão o seu sorriso:
No aloirar da seara,
No reviçar do arvoredo,
No alento esperançoso
Do operário ao medico.
Porque eu creio no Homem,
Que pelo seu tino
Se torna senhor
Do seu próprio destino
E penhor
Do futuro.
Ninguém se detem;
Pois todos têm
Algo a perfazer…
Haverá perdas e danos;
Haverá revolta pelos enganos
De um Deus
Que lá dos céus
Vela pelos seres humanos.
Mas eu sinto,
Talvez por instinto,
Que a Vida e a Natureza
Retomarão o seu sorriso:
No aloirar da seara,
No reviçar do arvoredo,
No alento esperançoso
Do operário ao medico.
Porque eu creio no Homem,
Que pelo seu tino
Se torna senhor
Do seu próprio destino
E penhor
Do futuro.
Alfredo Bragança - Os Finados (1962)
Pelas densas escruridões nocturnas
Passam lá em cortejo enfileiradas,
Pálidas Sombras, tristes e enlutadas,
Como farrapos de Almas taciturnas.
Saindo das suas carcomidas urnas
Em dolorosos crepes embrulhadas,
Vão todas Elas, frias e geladas,
Com as faces chupadas e soturnas.
Perguntei, porém, ao cortejo fúnebre:-
Ó velhas Sombras, lívidas e mortas,
Pra onde ides acossadas de Tristeza?
- Vamos nós, ao gemer do Sino lúgubre,
Bater às vossas generosas portas,
Mendigando a Esmola duma Reza.
Passam lá em cortejo enfileiradas,
Pálidas Sombras, tristes e enlutadas,
Como farrapos de Almas taciturnas.
Saindo das suas carcomidas urnas
Em dolorosos crepes embrulhadas,
Vão todas Elas, frias e geladas,
Com as faces chupadas e soturnas.
Perguntei, porém, ao cortejo fúnebre:-
Ó velhas Sombras, lívidas e mortas,
Pra onde ides acossadas de Tristeza?
- Vamos nós, ao gemer do Sino lúgubre,
Bater às vossas generosas portas,
Mendigando a Esmola duma Reza.
Alfredo Bragança - As Más-Caras (1964)
Três dias,
dias de bulício infernal,
são três dias de Carnaval…
Envergando o seu trajo carnavalesco,
reina supremo o deus Momo,
o pérfido mundo grotesco.
Por toda a parte vende-se
ilusório prazer,
prazer que vive um segundo,
vende-se hipocrisia,
vendem-se ambições e insultos ocultos.
- Máscaras e cocotes –
vendem-se sorrisos irónicos,
risadas sonoras e gargalhadas satânicas,
vende-se orgia e mais orgia,
orgia que, em doída azáfema,
compra o ávido Zé Povinho,
em honra do deus Momo.
Mas ao depois,
findos estes três dias,
pensamentos na Quaresma,
acocorado num solitário cantinho,
põe-se a chorar e a soluçar,
o pobre do Zé Povinho.
- Porque, porque choras,
meu Zé povinho,
a morte do deus Momo,
todo desfeito,
em frias cinzas da Quarta-feira?
Porque, porque cjoras,
se a má-língua sempre usa cocotes,
que são o sussurar,
de calúnias secretas,
se as nossas próprias caras,
são más-caras da Hipocrisia?
Porque choras, meu Zé Povinho,
se a Vida é um eterno Carnaval,
uma perene tragicomédia,
de brincos populares,
onde vão e vêm,
aparecem e desaparecem,
homens de ordem vária?
Porque, porque choras,
meu Zé Povinho,
se o Carnaval é apenas,
um esboço fotográfico,
da cria realidade da Vida?
Porque, porque choras?...
dias de bulício infernal,
são três dias de Carnaval…
Envergando o seu trajo carnavalesco,
reina supremo o deus Momo,
o pérfido mundo grotesco.
Por toda a parte vende-se
ilusório prazer,
prazer que vive um segundo,
vende-se hipocrisia,
vendem-se ambições e insultos ocultos.
- Máscaras e cocotes –
vendem-se sorrisos irónicos,
risadas sonoras e gargalhadas satânicas,
vende-se orgia e mais orgia,
orgia que, em doída azáfema,
compra o ávido Zé Povinho,
em honra do deus Momo.
Mas ao depois,
findos estes três dias,
pensamentos na Quaresma,
acocorado num solitário cantinho,
põe-se a chorar e a soluçar,
o pobre do Zé Povinho.
- Porque, porque choras,
meu Zé povinho,
a morte do deus Momo,
todo desfeito,
em frias cinzas da Quarta-feira?
Porque, porque cjoras,
se a má-língua sempre usa cocotes,
que são o sussurar,
de calúnias secretas,
se as nossas próprias caras,
são más-caras da Hipocrisia?
Porque choras, meu Zé Povinho,
se a Vida é um eterno Carnaval,
uma perene tragicomédia,
de brincos populares,
onde vão e vêm,
aparecem e desaparecem,
homens de ordem vária?
Porque, porque choras,
meu Zé Povinho,
se o Carnaval é apenas,
um esboço fotográfico,
da cria realidade da Vida?
Porque, porque choras?...
Maria Elsa da Rocha - Ouça (1967)
Ouça:
Como estou cansada
De ver Você desprezada
O Passado não foi bastante
P’ra nos convencer
Que o Futuro seria bem grande
Dando a Você um lugar adiante?
Ouça:
Como vai ser
Quando a saudade
Comigo for morar
E eu baixinho chorar
Por nada ter para dar
Para Você, meu bem querido,
Que todos me ensinaram a não amar?
Ouça:
Que devo fazer
Quando a lembrança de Você os castigar
Como de alguém
Que só carinho andou a mendigar
Deles, que amor tinham para lhe dar
Mas que fizeram questão de não dar,
Fizeram questão de a renegar?
Ouça:
Quando a garra adunca
Da maldita Ambição
Surgir mansinho, pingando fel,
P’ra apagar com ranhuras de sangue
O vinco mole de certos corações
Sim, então, que vai ser de nós?
Orfãos de Você, língua-mãe?
Como estou cansada
De ver Você desprezada
O Passado não foi bastante
P’ra nos convencer
Que o Futuro seria bem grande
Dando a Você um lugar adiante?
Ouça:
Como vai ser
Quando a saudade
Comigo for morar
E eu baixinho chorar
Por nada ter para dar
Para Você, meu bem querido,
Que todos me ensinaram a não amar?
Ouça:
Que devo fazer
Quando a lembrança de Você os castigar
Como de alguém
Que só carinho andou a mendigar
Deles, que amor tinham para lhe dar
Mas que fizeram questão de não dar,
Fizeram questão de a renegar?
Ouça:
Quando a garra adunca
Da maldita Ambição
Surgir mansinho, pingando fel,
P’ra apagar com ranhuras de sangue
O vinco mole de certos corações
Sim, então, que vai ser de nós?
Orfãos de Você, língua-mãe?
Tuesday, 15 February 2011
Bicaji Ganecar - O Goês de Amanhã, translated by Remígio Botelho (1969)
Não tenho de andar
Por terras e mar…
Chega-me o canto
Onde eu nasci,
E é só aqui
Meu menino santo
Dirá o goês
De amanhã
Nada maior
Que o meu amor
À Goa bela…
É só nela
Que hei de achar
Minha riqueza
E só hei de cantar a sua beleza
Dirá o goês
De amanhã
Tudo o que sou
Vem do seu nome
Que me matou
A sede a a fome
Beijo-lhe a mão
Em gratidão
Dirá o goês
De amanhã
Minha língua é
Só o concanim
Que lutou com fé
E alcançou o fim
E a sua vitória
É a nossa glória
Dirá o goes
De amanhã
É tudo para mim
A Goa amada
Enquanto assim
For separada
De tudo em redor
Sou eu o senhor
Dirá o goes de amanhã
E a débil planta
d’alegria santa
Cresceu cresceu
Até o céu…
E afastando a dor
Conseguiu tranpor
O cume risonho
Do seu sonho
Dirá o goês
De amanhã
Por terras e mar…
Chega-me o canto
Onde eu nasci,
E é só aqui
Meu menino santo
Dirá o goês
De amanhã
Nada maior
Que o meu amor
À Goa bela…
É só nela
Que hei de achar
Minha riqueza
E só hei de cantar a sua beleza
Dirá o goês
De amanhã
Tudo o que sou
Vem do seu nome
Que me matou
A sede a a fome
Beijo-lhe a mão
Em gratidão
Dirá o goês
De amanhã
Minha língua é
Só o concanim
Que lutou com fé
E alcançou o fim
E a sua vitória
É a nossa glória
Dirá o goes
De amanhã
É tudo para mim
A Goa amada
Enquanto assim
For separada
De tudo em redor
Sou eu o senhor
Dirá o goes de amanhã
E a débil planta
d’alegria santa
Cresceu cresceu
Até o céu…
E afastando a dor
Conseguiu tranpor
O cume risonho
Do seu sonho
Dirá o goês
De amanhã
Monday, 14 February 2011
Paraxurama Quensori - Os Dramas de Tagore (1961)
Como poeta, novelista e dramaturgo, brilhou Tagore para sempre, mas a alta expressão do seu sentimentalismo só se manifestou em exuberância nos dramas que escreveu e representou no palco. Ainda hoje há poucas pessoas cultas que teriam compreendido a fundo os dramas de Tagore.
Muitas delas acham que os seus dramas são inadaptáveis para o palco por serem excessivamente sentimentais e com alta dosagem de lirismo. Importa porém aprofundar e compreender o que Tagore teria querido manifestar através dos seus personagens. Uma das principais razões para a frustração dos apreciadores dos dramas de Tagore é a preocupação errada acerca do ideal do dramaturgo. Falando com toda a franqueza, é-me penoso manifestar que as peças teatrais de Tagore traduzidas em línguas europeias são muito mal representadas nos palcos europeus.
Mas todos aqueles que têm a felicidade de as ler no original sabem quão ternas e sentimentais elas são.
Não sei até que ponto Tagore teria influído nos escritores da língua portuguesa. O que sei é que no Brasil ele teve um acolhimento melhor que em Portugal.
Não sei se as peças teatrais de Tagore foram representadas no palco português. Suponho que só o Chitra pode ser levado em cena no palco de Goa, mas muito mutilado e deveras deformado.
Num estudo bem elaborado sobre as peças teatrais de Tagore, o escritor Sombhu Mitra diz o que segue:
“As peças teatrais de Tagore têm sido muito atacadas por críticos de reputação como dramas de inacção similares em espírito e inspiração aos de Maeterlinck. Mas eu acho que tanto a discrição como a comparação é mal concebida. Temos que ver a representação bem produzida de Ratakkarabi para compreendermos quão diferentes são os dramas de Tagore das criações abstratas de Maeterlinck”.
Este drama de Tagore é um quadro vivo da crise da civilização contemporânea do mundo. Ele trata do horrível dilema do homem moderno nas garras da sociedade acquisitiva e materializada.
Os dramas de Tagore apresentam nitidamente o reflexo de diversos complexos que atacam a sociedade moderna e diversos movimentos políticos e revoluções sociais por que ela passou. Por exemplo, Dhanajoy Bairagi é um personagem arquétipo. Ele traça claramente o seu movimento de não pagamento de impostos, muitos anos antes de Gandhi incidentalmente nos ter familiarizado com o seu célebre movimento.
E, não obstante estes retratos vivos exibidos no palco, há quem ache que os dramas de Tagore são anémicos.
É que a maior dificuldade encontrada para a nítida compreensão das peças teatrais de Tagore está em o espectador compreender o subjectivismo do dramaturgo.
A Jatra tem sido uma das vigorosas formas do teatro popular de Bengala que Tagore aproveitou admiravelmente para expor ao público os seus altos dotes de dramaturgo de raça.
Não haja dúvida que o espectador vulgar que não leu o drama de Tagore antes de ir ao teatro, não está capaz de compreender cabalmente o seu simbolismo.
As convenções do palco do teatro popular Jatra de Bengala foram aproveitados por Tagore para representar no palco certos conceitos filosóficos e morais como: Destino, Consciência e o Mal.
E é muito curioso ver conversar todos eles um com o outro, individualmente, individualizados em dramatis personae, não como alguém vê num filme cinematográfico a sequência de um sonho mas pelo modo típico de Tagore. Esta é a feição típica do teatro popular bengalês.
Basta notar cuidadosamente o diálogo entre Nandini e Bishu no Raktakarabi ou seguir atentamente as reacções psíquicas da rainha Sudarsana e Kanchiraj no Rajá para se nos convencermos das afirmações acima feitas.
Ao aproximarmo-nos das peças teatrais de Tagore é necessário esvasiarismos os nossos cérebros do peso morto de certos preconceitos acerca dos ideais do autor e bebermos com as mentes frescas o mel doce do seu lirismo e da sua poesia filosófica.
Muitas delas acham que os seus dramas são inadaptáveis para o palco por serem excessivamente sentimentais e com alta dosagem de lirismo. Importa porém aprofundar e compreender o que Tagore teria querido manifestar através dos seus personagens. Uma das principais razões para a frustração dos apreciadores dos dramas de Tagore é a preocupação errada acerca do ideal do dramaturgo. Falando com toda a franqueza, é-me penoso manifestar que as peças teatrais de Tagore traduzidas em línguas europeias são muito mal representadas nos palcos europeus.
Mas todos aqueles que têm a felicidade de as ler no original sabem quão ternas e sentimentais elas são.
Não sei até que ponto Tagore teria influído nos escritores da língua portuguesa. O que sei é que no Brasil ele teve um acolhimento melhor que em Portugal.
Não sei se as peças teatrais de Tagore foram representadas no palco português. Suponho que só o Chitra pode ser levado em cena no palco de Goa, mas muito mutilado e deveras deformado.
Num estudo bem elaborado sobre as peças teatrais de Tagore, o escritor Sombhu Mitra diz o que segue:
“As peças teatrais de Tagore têm sido muito atacadas por críticos de reputação como dramas de inacção similares em espírito e inspiração aos de Maeterlinck. Mas eu acho que tanto a discrição como a comparação é mal concebida. Temos que ver a representação bem produzida de Ratakkarabi para compreendermos quão diferentes são os dramas de Tagore das criações abstratas de Maeterlinck”.
Este drama de Tagore é um quadro vivo da crise da civilização contemporânea do mundo. Ele trata do horrível dilema do homem moderno nas garras da sociedade acquisitiva e materializada.
Os dramas de Tagore apresentam nitidamente o reflexo de diversos complexos que atacam a sociedade moderna e diversos movimentos políticos e revoluções sociais por que ela passou. Por exemplo, Dhanajoy Bairagi é um personagem arquétipo. Ele traça claramente o seu movimento de não pagamento de impostos, muitos anos antes de Gandhi incidentalmente nos ter familiarizado com o seu célebre movimento.
E, não obstante estes retratos vivos exibidos no palco, há quem ache que os dramas de Tagore são anémicos.
É que a maior dificuldade encontrada para a nítida compreensão das peças teatrais de Tagore está em o espectador compreender o subjectivismo do dramaturgo.
A Jatra tem sido uma das vigorosas formas do teatro popular de Bengala que Tagore aproveitou admiravelmente para expor ao público os seus altos dotes de dramaturgo de raça.
Não haja dúvida que o espectador vulgar que não leu o drama de Tagore antes de ir ao teatro, não está capaz de compreender cabalmente o seu simbolismo.
As convenções do palco do teatro popular Jatra de Bengala foram aproveitados por Tagore para representar no palco certos conceitos filosóficos e morais como: Destino, Consciência e o Mal.
E é muito curioso ver conversar todos eles um com o outro, individualmente, individualizados em dramatis personae, não como alguém vê num filme cinematográfico a sequência de um sonho mas pelo modo típico de Tagore. Esta é a feição típica do teatro popular bengalês.
Basta notar cuidadosamente o diálogo entre Nandini e Bishu no Raktakarabi ou seguir atentamente as reacções psíquicas da rainha Sudarsana e Kanchiraj no Rajá para se nos convencermos das afirmações acima feitas.
Ao aproximarmo-nos das peças teatrais de Tagore é necessário esvasiarismos os nossos cérebros do peso morto de certos preconceitos acerca dos ideais do autor e bebermos com as mentes frescas o mel doce do seu lirismo e da sua poesia filosófica.
Rui Peregrino da Costa - Língua Portuguesa (n.d.)
Última flor de Lácio, inculta e bela,
És a um tempo, esplendor e sepultura
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela…
Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trem e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo
Amo-te, ô rade e doloroso idioma,
Em que da voz maternal ouvi: “meu filho!”
E em que Camões chorou, no seu exílio
És a um tempo, esplendor e sepultura
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela…
Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trem e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo
Amo-te, ô rade e doloroso idioma,
Em que da voz maternal ouvi: “meu filho!”
E em que Camões chorou, no seu exílio
O génio sem ventura e o amor sem brilho!
Sunday, 13 February 2011
Joaquim de Oliveira - Review of Alberto de Menezes Rodrigues's “Caminhos de Luz" (1958)
Não resta dúvida de que Goa atravessa presentemente uma profunda crise de ordem cultural. Estamos convencidos de que esta crise em razão de múltiplos factores, tem um carácter transitório, mas importa denunciá-la com propósitos objectivos no plano intelectual. Nas artes, nas letras, no teatros, nos próprios e hesitantes programas da rádio, etc., reflecte-se notoriamente um estado de coisas que bem merece ser encarado superiormente no sentido de maior elevação de tais actividades culturais. Goa não é só paisagem, ruínas, fotografia; observa-se a luta dos que trabalham ao longo das praias, dos cais, das minas, das extensas campinas desta Goa exuberante. Existem problemas locais de grande importância que estão à espera de ser objectivados. Em que buraco se meteram os poetas, os escritores e artistas capazes de nos dar a vida do homem goês?
O último livro que me foi enviado não foge à regra das considerações expostas. O facto de o Sr. Alberto de Menezes Rodrigues classificar Caminhos de Luz como “novelas” não significa que as suas composições realmente o sejam. O primeiro quesito que um escritor deve ter presente é, pelo menos, o conhecimento dos géneros literários. Um romance, uma novela e um conto têm a sua arquitectura própria. Foram novelistas o nosso Camilo, contistas um Tchecov, um Maupassant, uma Catarina Mansfield, etc, e são actualmente extraordinários contistas e novelistas um Hemingway, um Saroyan, um Caldwell, um Steinbeck. Todas a novelística, desde a sua origem até ao presente, segue uma linha evolutiva de que é preciso ter em conta as suas principais coordenadas. É isto que o Sr. Alberto Rodrigues parece ignorar, de contrário não chamaria novelas às suas hesitantes composições buriladas ao jeito de uma Rosa ao Adro... Chamasse-lhe narrativas, lendas, etc, e a coisa escapava. A primeira composição “Almas plenas de sol” quase se encaminhava com uma novela no primeiro andamento; mas o autor perdeu-lhe o fôlego, rematando-a com digressões na paisagem e sem conflitos de maior. De resto, quando a realidade é produto de uma imaginação de gabinete ou mero quadro alegórico com fins moralísticos (o caso de Roberto, p. Ex.) torna-se-lhe difícil a sua estruturação ficcionista, ainda que queira imprimir-se-lhe um cunho de veracidade.
Isto quanto à forma e técnica do livro do Sr. Rodrigues.
Quanto ao fundo... “Caminhos de Luz” visa a intuitos apologéticos no âmbito da problemática católica. Em vez de se colocar à margem da obra como qualquer escrito imparcial, transferindo as suas ideias ou teses para os personagens, o autor caminha com eles num plano perfeitamente simétrico. É isto o que se chama arte no serviço, aliás em desacordo com certos defensores de uma Arte Pura, com exclusão de propaganda. Mas tais doutrinadores não têm razão, pois que a arte serve as ideologias (politicas, religiosas, etc.) e consequentemente, o homem. O que pode discutir-se ´´o valor das ideologias, seu processo de divulgação, contradições, etc. Sob este aspecto não cabe aqui essa destrinça; temos de observar, no entanto, que o autor força bastante a nota apologética, traduzindo mais propaganda que arte. Tanto o ecletismo de Roberto como o ateísmo do Dr. Mário são de um simplismo ingénuo, inconcebível. Um grande médico, homem de muito carácter como se diz, embrenha-se num sistema filosófico ateu. Isto não impede que a sua vida seja de alta dignidade e coerência; mas, por motivos de casamento, converte-se de um dia para o outro, especialmente porque um amigo lhe envia As Grandes Teses da Filosofoia Tomista cuja leitura, automaticamente, o mete no bom caminho que não seguia. Há nisto como se vê, um simplismo a toda a prova. Se o Sr. Alberto Rodrigues algum dia leu O Drama de João Barois (cujo autor de Prémio Nobel morreu há pouco) terá observado que problema humano de uma conversão é mais complexo, exige, pelo menos, uma arquitectura novelística em que o drama de consciência se desenrola num gráfico oscilatório bastante doloroso, e não em queda vertical como o autor o liquidou. Toda a obra literária digna de crédito tende a projectar os problemas quaisquer que eles sejam, num plano universal; ora, se o ateísmo é um problema universal, não é com uma tese local simplista que fica resolvido; de contrário bastaria que o Dr Mário tivesse lido As Grandes Teses da Filosofia Tomista mais cedo, o que muito bem poderia ter feito quando andou pela universidade e se interessou pelos problemas filosóficos.
Devemos ainda notar que as narrativas de Caminho de Luz estão eivados de artificialismo (de que as cartas são exemplo), há falta de vivência humana e de densidade artística para que se imponha como documento literário de valor. Não lhe descobrimos um fundo caracteristicamente goês, isto é um clima, uma alma, uma cor local específica, embora num ou noutro ponto haja recortes de paisagem tropical.
À parte estas restrições, o livro está moldado numa prosa bastante correcta, enriquecida ainda com localismos de linguagem que mais o valorizam. O Sr. Alberto Rodrigues denota possuir certas facilidades de tema, practica um estilo bastante sugestivo que lhe permitiria a elaboração de obras de mais larga representação humana. Agradecemos-lhe o exemplar enviado e fazemos votos para que nos dê um novo livro – um livro em que a realidade goesa venha à superfície nos seus aspectos mais exuberantes e para a reprodução da qual o autor se encontra apetrechado de qualidades literárias fundamentais.
O último livro que me foi enviado não foge à regra das considerações expostas. O facto de o Sr. Alberto de Menezes Rodrigues classificar Caminhos de Luz como “novelas” não significa que as suas composições realmente o sejam. O primeiro quesito que um escritor deve ter presente é, pelo menos, o conhecimento dos géneros literários. Um romance, uma novela e um conto têm a sua arquitectura própria. Foram novelistas o nosso Camilo, contistas um Tchecov, um Maupassant, uma Catarina Mansfield, etc, e são actualmente extraordinários contistas e novelistas um Hemingway, um Saroyan, um Caldwell, um Steinbeck. Todas a novelística, desde a sua origem até ao presente, segue uma linha evolutiva de que é preciso ter em conta as suas principais coordenadas. É isto que o Sr. Alberto Rodrigues parece ignorar, de contrário não chamaria novelas às suas hesitantes composições buriladas ao jeito de uma Rosa ao Adro... Chamasse-lhe narrativas, lendas, etc, e a coisa escapava. A primeira composição “Almas plenas de sol” quase se encaminhava com uma novela no primeiro andamento; mas o autor perdeu-lhe o fôlego, rematando-a com digressões na paisagem e sem conflitos de maior. De resto, quando a realidade é produto de uma imaginação de gabinete ou mero quadro alegórico com fins moralísticos (o caso de Roberto, p. Ex.) torna-se-lhe difícil a sua estruturação ficcionista, ainda que queira imprimir-se-lhe um cunho de veracidade.
Isto quanto à forma e técnica do livro do Sr. Rodrigues.
Quanto ao fundo... “Caminhos de Luz” visa a intuitos apologéticos no âmbito da problemática católica. Em vez de se colocar à margem da obra como qualquer escrito imparcial, transferindo as suas ideias ou teses para os personagens, o autor caminha com eles num plano perfeitamente simétrico. É isto o que se chama arte no serviço, aliás em desacordo com certos defensores de uma Arte Pura, com exclusão de propaganda. Mas tais doutrinadores não têm razão, pois que a arte serve as ideologias (politicas, religiosas, etc.) e consequentemente, o homem. O que pode discutir-se ´´o valor das ideologias, seu processo de divulgação, contradições, etc. Sob este aspecto não cabe aqui essa destrinça; temos de observar, no entanto, que o autor força bastante a nota apologética, traduzindo mais propaganda que arte. Tanto o ecletismo de Roberto como o ateísmo do Dr. Mário são de um simplismo ingénuo, inconcebível. Um grande médico, homem de muito carácter como se diz, embrenha-se num sistema filosófico ateu. Isto não impede que a sua vida seja de alta dignidade e coerência; mas, por motivos de casamento, converte-se de um dia para o outro, especialmente porque um amigo lhe envia As Grandes Teses da Filosofoia Tomista cuja leitura, automaticamente, o mete no bom caminho que não seguia. Há nisto como se vê, um simplismo a toda a prova. Se o Sr. Alberto Rodrigues algum dia leu O Drama de João Barois (cujo autor de Prémio Nobel morreu há pouco) terá observado que problema humano de uma conversão é mais complexo, exige, pelo menos, uma arquitectura novelística em que o drama de consciência se desenrola num gráfico oscilatório bastante doloroso, e não em queda vertical como o autor o liquidou. Toda a obra literária digna de crédito tende a projectar os problemas quaisquer que eles sejam, num plano universal; ora, se o ateísmo é um problema universal, não é com uma tese local simplista que fica resolvido; de contrário bastaria que o Dr Mário tivesse lido As Grandes Teses da Filosofia Tomista mais cedo, o que muito bem poderia ter feito quando andou pela universidade e se interessou pelos problemas filosóficos.
Devemos ainda notar que as narrativas de Caminho de Luz estão eivados de artificialismo (de que as cartas são exemplo), há falta de vivência humana e de densidade artística para que se imponha como documento literário de valor. Não lhe descobrimos um fundo caracteristicamente goês, isto é um clima, uma alma, uma cor local específica, embora num ou noutro ponto haja recortes de paisagem tropical.
À parte estas restrições, o livro está moldado numa prosa bastante correcta, enriquecida ainda com localismos de linguagem que mais o valorizam. O Sr. Alberto Rodrigues denota possuir certas facilidades de tema, practica um estilo bastante sugestivo que lhe permitiria a elaboração de obras de mais larga representação humana. Agradecemos-lhe o exemplar enviado e fazemos votos para que nos dê um novo livro – um livro em que a realidade goesa venha à superfície nos seus aspectos mais exuberantes e para a reprodução da qual o autor se encontra apetrechado de qualidades literárias fundamentais.
Visnum Porobo Sincró - Glória ao Herói no 4o Aniversário da Morte de Tristão Bragança Cunha (1962)
Amaste, Ó Mártir, a tua terra Natal,
Nunca a olvidaste ainda no momento fatal,
Sofreste cada momento por Goa, terra mãe,
Que a triste sina não te deixou ver em glória.
De corpo e alma pelejaste durante a vida,
Exemplo glorioso à mocidade esmorecida,
Iniciaste primeiro a obra de libertação,
Mas, sorte cruel, em vê-la liberta não tiveste satisfação.
Goa nunca esquecerá o que fizeste por ela,
Nas agruras que padeceste por causa d’ela,
Mereces ser adorado em todos os lares.
Desde os mais humildes e até mais seculares
As gerações vindouras de Goa adorarão
O Dr. Bragança Cunha do todo o coração.
Nunca a olvidaste ainda no momento fatal,
Sofreste cada momento por Goa, terra mãe,
Que a triste sina não te deixou ver em glória.
De corpo e alma pelejaste durante a vida,
Exemplo glorioso à mocidade esmorecida,
Iniciaste primeiro a obra de libertação,
Mas, sorte cruel, em vê-la liberta não tiveste satisfação.
Goa nunca esquecerá o que fizeste por ela,
Nas agruras que padeceste por causa d’ela,
Mereces ser adorado em todos os lares.
Desde os mais humildes e até mais seculares
As gerações vindouras de Goa adorarão
O Dr. Bragança Cunha do todo o coração.
Mário Cabral e Sá - Pró-Portugueses e Pró-Indianos (1964)
Certo crítico da PIDE escreveu uma vez em ‘A República’ que eram os agentes daquela polícia política os principais responsáveis pela expansão do comunismo em Portugal – porque, muitos daqueles agentes, para justificar os seus salários e provar a sua utilidade, se dedicavam ao desporto de fabricar “comunistas”. Comunista passou a ser Ismael Gracias porque no lugarejo onde advogava, uma vilória minhota, patrocinou a causa de uma mulheraça que se travara de razões com seu amante, um polícia da esquadra do sítio… E, como Ismael Gracias, muitos outros por razões não menos disparatadas.
Em Goa, chamar outrem de comunistas já esteve nos hábitos dos videirinhas, os carreiristas inveterados que chova ou faça sol, sempre estão com a situação. A moda, hoje, é chamar outrem de “pró-portugueses” e chamarem-se a si próprios “pró-indianos” – gente de má morte aqueles, divinos prodígios estes.
Como e por que ser-se “pró-português” implícita que se é “anti-indiano” e como e por que ser-se “pró-indiano” implícita que se é “anti-português” – quem o saiba que o diga... O que a nós nos surpreende é que se diga, à uma, que o responsável pela tensão nas relações indo-portuguesas é, unicamente, o governo do Dr. Oliveira Salazar, que se diga que o seu Governo não representa a nação e o povo portugueses e que se diga, sem pejo pela contradição, que ser-se amigo de Portugal e do seu belíssimo povo é ser-se inimigo de povos co quem Portugal não pode, neste momento, ter relações amigáveis, simplesmente porque tal não permite a politica adoptada pelo Governo no exercício do seu mandato.
Por outro lado, patrioteiros e patriotaços que, ainda ontem, traziam os gorgomilos enfartados com o que às mancheias lhes deitavam às gamelas os portugueses que aqui se encontravam, em paga do “portuguesismo” exibido, mestres na arte da patriotipércia, declaram-se ferrenhos “pró-indianos”. Esquecem-se de que, ser pró é ser a favor. Não se identificam indianos declarando-se “pró-indianos”. Como não se identificavam portugueses declarando-se “pró-português”... E, por isso, revelam que, nada seguros nem do que foram nem do que são nem, possivelmente, do que serão, o que querem é darem-se ares de “fiéis”, de “leais” à Pátria, seja ela quem for...
Em Pondicheri, temos Goubert que foi pró-francês e, ainda, não fez nenhum arrependimento público por o ter sido. Nem tampouco fez uma declaração negando suas velhas simpatias. Dir-se-á, uma vez mais, pela quincentésima vez, que os “franceses negociaram”, que os “portugueses não quiseram negociar”, que a França adquiriu direitos culturais na Índia e que Portugal os perdeu. O que não explicarão, porque não o podem, é a necessidade de se ser “anti-português” para se provar que se é leal à soberania que se estabeleceu em Goa em 19 de Dezembro de 1961!
Do que me foi dado ler e aprender das origens do nacionalismo indiano, e da sua evolução pelo figurino do universalismo gandhiano, derivei a noção de que o ódio é totalmente estranho à índole da politica nacionalista indiana. É por isso que é possível estar-se em estado de guerra com a China e continuar a ter-se uma representação diplomática em Pequim!
Sejam indianos todos quantos o queiram ser. Sejam bons indianos se bem querem servir a Índia. Mas chega desta brincadeira de chamar nomes que, nada significando, contudo, em vista do estado de histeria que prevalece nesta terra, prevaricam situações e falsificam-nas.
Disso, chega!
Em Goa, chamar outrem de comunistas já esteve nos hábitos dos videirinhas, os carreiristas inveterados que chova ou faça sol, sempre estão com a situação. A moda, hoje, é chamar outrem de “pró-portugueses” e chamarem-se a si próprios “pró-indianos” – gente de má morte aqueles, divinos prodígios estes.
Como e por que ser-se “pró-português” implícita que se é “anti-indiano” e como e por que ser-se “pró-indiano” implícita que se é “anti-português” – quem o saiba que o diga... O que a nós nos surpreende é que se diga, à uma, que o responsável pela tensão nas relações indo-portuguesas é, unicamente, o governo do Dr. Oliveira Salazar, que se diga que o seu Governo não representa a nação e o povo portugueses e que se diga, sem pejo pela contradição, que ser-se amigo de Portugal e do seu belíssimo povo é ser-se inimigo de povos co quem Portugal não pode, neste momento, ter relações amigáveis, simplesmente porque tal não permite a politica adoptada pelo Governo no exercício do seu mandato.
Por outro lado, patrioteiros e patriotaços que, ainda ontem, traziam os gorgomilos enfartados com o que às mancheias lhes deitavam às gamelas os portugueses que aqui se encontravam, em paga do “portuguesismo” exibido, mestres na arte da patriotipércia, declaram-se ferrenhos “pró-indianos”. Esquecem-se de que, ser pró é ser a favor. Não se identificam indianos declarando-se “pró-indianos”. Como não se identificavam portugueses declarando-se “pró-português”... E, por isso, revelam que, nada seguros nem do que foram nem do que são nem, possivelmente, do que serão, o que querem é darem-se ares de “fiéis”, de “leais” à Pátria, seja ela quem for...
Em Pondicheri, temos Goubert que foi pró-francês e, ainda, não fez nenhum arrependimento público por o ter sido. Nem tampouco fez uma declaração negando suas velhas simpatias. Dir-se-á, uma vez mais, pela quincentésima vez, que os “franceses negociaram”, que os “portugueses não quiseram negociar”, que a França adquiriu direitos culturais na Índia e que Portugal os perdeu. O que não explicarão, porque não o podem, é a necessidade de se ser “anti-português” para se provar que se é leal à soberania que se estabeleceu em Goa em 19 de Dezembro de 1961!
Do que me foi dado ler e aprender das origens do nacionalismo indiano, e da sua evolução pelo figurino do universalismo gandhiano, derivei a noção de que o ódio é totalmente estranho à índole da politica nacionalista indiana. É por isso que é possível estar-se em estado de guerra com a China e continuar a ter-se uma representação diplomática em Pequim!
Sejam indianos todos quantos o queiram ser. Sejam bons indianos se bem querem servir a Índia. Mas chega desta brincadeira de chamar nomes que, nada significando, contudo, em vista do estado de histeria que prevalece nesta terra, prevaricam situações e falsificam-nas.
Disso, chega!
Laxmanrao Sardessai - Conflagração 1966
O espírito sufoca
Na atmosfera calcinante
Vibra o ar com línguas de fogo
Crepita o vento tórrido
Arremessando sobre as cabeças
Nuvens de areia quente
Trépida a miragem
A folhagem é seca
E d’água nem uma gota
Dos animais é só esqueletos
E os homens - olhos turvos
Faces escancarados –
São antes uns lobos
À procura de presas.
E dispersos pela área,
Alguns saltimbancos
Agasalhados pelos Mahantas
Que à sombra dos vetustos pimpols,
Aparentam devoções!
Mas tudo tende
À uma conflagração medonha!
Na atmosfera calcinante
Vibra o ar com línguas de fogo
Crepita o vento tórrido
Arremessando sobre as cabeças
Nuvens de areia quente
Trépida a miragem
A folhagem é seca
E d’água nem uma gota
Dos animais é só esqueletos
E os homens - olhos turvos
Faces escancarados –
São antes uns lobos
À procura de presas.
E dispersos pela área,
Alguns saltimbancos
Agasalhados pelos Mahantas
Que à sombra dos vetustos pimpols,
Aparentam devoções!
Mas tudo tende
À uma conflagração medonha!
Saturday, 12 February 2011
RV Pandit - A mão não abarca (1968)
A riqueza do pobre
É sempre mesma.
É minúscula
Mas não pára
Nem aqui, nem acolá
Nunca
Em um lugar...
Não fica
Nem na algibeira
Nem na caixa
Nem na casa
Em parte alguma
Entra dum lado
Sair por outro
Desaparece
Num instante
Quem sabe como?
É a riqueza do pobre...
Tal qual a minha mente
É sempre mesma.
É minúscula
Mas não pára
Nem aqui, nem acolá
Nunca
Em um lugar...
Não fica
Nem na algibeira
Nem na caixa
Nem na casa
Em parte alguma
Entra dum lado
Sair por outro
Desaparece
Num instante
Quem sabe como?
Nem os dentes
A seguram...
As mãos
Por mais que façam
Não a abarcam...
A seguram...
As mãos
Por mais que façam
Não a abarcam...
É a riqueza do pobre...
Tal qual a minha mente
YS Barreto - Luís de Camões (1980)
Entre os sonhos de tanta lida
Sonhos de verdadeira fantasia
Viveste como a tua alma desvivia
Enfim, tanta lida para tão pouca vida.
Em lembranças da pátria querida
Ergueste o nome de Portugal
Com os Lusíadas, vero original
Cheio de beleza e formosura amada.
Partido o coração, a alma partida
Naqueles sonhos de vasta imensidade
Foi-te a vida, morte e a morte, vida!
Hoje, renasces na imortal saudade...
Tens nos versos a pátria aos céus erguido,
E o teu amor num templo – a Eternidade.
The newspaper that published this poem appended the following note: "este soneto ficou classificado no último lugar no concurso aberto em Maio último"
Viveste como a tua alma desvivia
Enfim, tanta lida para tão pouca vida.
Em lembranças da pátria querida
Ergueste o nome de Portugal
Com os Lusíadas, vero original
Cheio de beleza e formosura amada.
Partido o coração, a alma partida
Naqueles sonhos de vasta imensidade
Foi-te a vida, morte e a morte, vida!
Hoje, renasces na imortal saudade...
Tens nos versos a pátria aos céus erguido,
E o teu amor num templo – a Eternidade.
The newspaper that published this poem appended the following note: "este soneto ficou classificado no último lugar no concurso aberto em Maio último"
Ananta Rau Sar Dessai - 15 de Agosto (1962)
Saúdo-te, mais uma vez, jubilosamente, quinze de Agosto,
Queimando a longa escravidão iluminaste o nosso rosto.
Saúdo-te, mais uma vez, calorosamente, quinze de Agosto,
Deste-nos a liberdade, fazendo sair o Inglês com desgosto.
Saúdo-te mais uma vez, almejadamente, quinze de Agosto,
Saúdo-te, mais uma vez, delirantemente, quinze de Agosto,
Entusiasmas os jovens; molhas da comoção, dos velhos do rosto.
Saúdo-te, mais uma vez, aclamantemente, quinze de Agosto,
Saudar-te-ão, enquanto a Lua e o Sol estiver no seu posto.
Queimando a longa escravidão iluminaste o nosso rosto.
Saúdo-te, mais uma vez, calorosamente, quinze de Agosto,
Deste-nos a liberdade, fazendo sair o Inglês com desgosto.
Saúdo-te mais uma vez, almejadamente, quinze de Agosto,
Da “colónia da Coroa” deste-nos da Nação, o digno posto.
Saúdo-te, mais uma vez, fervorosamente, quinze de Agosto,
O “povo indiano” no seu lugar da honra foi por ti reposto.
Saúdo-te, mais uma vez, fervorosamente, quinze de Agosto,
O “povo indiano” no seu lugar da honra foi por ti reposto.
Saúdo-te, mais uma vez, vivamente quinze de Agosto,
O papel de animar os povos dominados lhe está imposto.
Saúdo-te, mais uma vez, animadamente, quinze de Agosto,
Um lugar de honra, no calendário do Mundo lhe está proposto.
Saúdo-te, mais uma vez, entranhadamente, quinze de Agosto.
O papel de animar os povos dominados lhe está imposto.
Saúdo-te, mais uma vez, animadamente, quinze de Agosto,
Um lugar de honra, no calendário do Mundo lhe está proposto.
Saúdo-te, mais uma vez, entranhadamente, quinze de Agosto.
Fazes dançar as crianças, mulheres; comer os doentes com gosto.
Saúdo-te, mais uma vez, delirantemente, quinze de Agosto,
Entusiasmas os jovens; molhas da comoção, dos velhos do rosto.
Saúdo-te, mais uma vez, aclamantemente, quinze de Agosto,
Saudar-te-ão, enquanto a Lua e o Sol estiver no seu posto.
Maria Elsa da Rocha - Sâdhu (1962)
Sâdhu,
Já sei porque me olhavas
Com esse olhar turvo
Das cheias do Ganges
Acaso tinha eu culpa,
Se era o que era
Qual barca vogando
No oceano da Vida?
Se vivia…
Trazendo em mim
Complexos de tendências
Adquiridas e inatas
Sob o peso asfixiante
De séculos ocidentais
Que me não deixavam em paz
Um só momento fugaz
E que me cobriam a alma
Em avalanchas de neve
De Saudade distante?
Se, receosa…
Ia vogando sozinha,
À volta sentindo
Falésias ruins?
Já sei porque me olhavas
Com esse olhar turvo
Das cheias do Ganges
Acaso tinha eu culpa,
Se era o que era
Qual barca vogando
No oceano da Vida?
Se vivia…
Trazendo em mim
Complexos de tendências
Adquiridas e inatas
Sob o peso asfixiante
De séculos ocidentais
Que me não deixavam em paz
Um só momento fugaz
E que me cobriam a alma
Em avalanchas de neve
De Saudade distante?
Se, receosa…
Ia vogando sozinha,
À volta sentindo
Falésias ruins?
Não desfrutando da Vida
A essência subtil
Que aliás nos tornava
Assim tão afins?
Sadhu?
Porque me olhavas assim?
Acaso não te lembravas
Que um Brahmane em Goa
Sob um forçado de séculos
A que o havia votado
Um mero capricho do Fado
Inda há pouco
Tinha de ser assim?...
Jai Hind!
A essência subtil
Que aliás nos tornava
Assim tão afins?
Sadhu?
Porque me olhavas assim?
Acaso não te lembravas
Que um Brahmane em Goa
Sob um forçado de séculos
A que o havia votado
Um mero capricho do Fado
Inda há pouco
Tinha de ser assim?...
Jai Hind!
Renato de Sá’s Review of “Flor Campestre” (1968)
O conhecido poeta Alberto de Menezes Rodrigues acaba de dar à publicidade um livro de contos e novelas sob o título geral de “Flor Campestre”, numa bela edição da Tipogragia Rangel.
São contos e narrativas, de maior ou menor extensão em que o drama de certas vidas é narrada com objectividade e leveza de estilo.
Aqui no primeiro conto “Flor Campestre”, trata-se de um jovem médico, de avantajada condição social que se apaixonou por uma jovem aldeã que certa manha surpreendeu donairosa ao regressar a casinha humilde com o cântaro de água a saltitar no antebraço e como diria o ronha da aldeia “revelando mais e escondendo menos...” a entoar uma terna canção.
Porém isso é simples platonismo ou a cousa caminha de vento em poupa perguntava um realista das redondezas.
Alberto de Menezes Rodrigues descreve o ambiente da aldeia em que decorre a acção do conto, as horas duras que o jovem médico tem de passar numa luta de verdadeira tração entre o preconceito social e as preocupações da família da jovem camponesa que procura arrumar o futuro da filha com um moço que se ajusta mais à sua condição, luta tremenda que o consome, mas em que o destino por fim pondo-se de permeio realiza a almejada aliança.
Perguntar-se-ia porém ao autor desse conto: assim teria acontecido de facto?
Todavia é o autor que no-lo narra, e temos de admitir que não seria cousa insusceptível de suceder nesta vida.
São contos e narrativas, de maior ou menor extensão em que o drama de certas vidas é narrada com objectividade e leveza de estilo.
Aqui no primeiro conto “Flor Campestre”, trata-se de um jovem médico, de avantajada condição social que se apaixonou por uma jovem aldeã que certa manha surpreendeu donairosa ao regressar a casinha humilde com o cântaro de água a saltitar no antebraço e como diria o ronha da aldeia “revelando mais e escondendo menos...” a entoar uma terna canção.
Porém isso é simples platonismo ou a cousa caminha de vento em poupa perguntava um realista das redondezas.
Alberto de Menezes Rodrigues descreve o ambiente da aldeia em que decorre a acção do conto, as horas duras que o jovem médico tem de passar numa luta de verdadeira tração entre o preconceito social e as preocupações da família da jovem camponesa que procura arrumar o futuro da filha com um moço que se ajusta mais à sua condição, luta tremenda que o consome, mas em que o destino por fim pondo-se de permeio realiza a almejada aliança.
Perguntar-se-ia porém ao autor desse conto: assim teria acontecido de facto?
Todavia é o autor que no-lo narra, e temos de admitir que não seria cousa insusceptível de suceder nesta vida.
Alberto de Menezes Rodrigues |
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Num outro conto que se intitula “Lua-de-Mel em Caxemira” que tem por fim um desfecho fatal e depois sob outras circunstâncias uma Lua-de-Mel; as “Belezas Naturais do Mundo” ou “Dádiva do Céu” em que após anos de esterilidade se volta a página atormentadora da vida de um casal e ainda a tragédia Celeste todas essas constituem narrativas sentimentais da existência para muitas das quais a vida jamais sorri.
Nas páginas do livro que estamos a revistar surgem aqui e além quadros campestres e recortes de paisagem goesa evocada com sentimento e vibração da alma: Calangute com o seu vasto areal batidos pelas vagas alterosas do Índico, uma casinha recortada ao fundo duma duna onde teve lugar um devaneio amoroso, o cruzeiro de Bambolim, a encosta que conduz para o mar, vista a hora do recolhimento quando uma voz melodiosa ressoa naquela verdajante solidão:
“Meu Deus,/E tantas gotas desperdiças/Pelas charnecas áridas, nos montes/Nos areais e campos e caminhos/Onde há florinhas brancas a brilhar!"
Outros quadros matizam ainda estes solilóquos: a faina campestre, o espectro da estiagem que consome o homem do campo, depois ainda, as searas reluzentes ao sol etc., toda essa terna evocação de paisagens conhecidas, onde se desenvolvere a acção das suas narrativas, dão ao novo livro de Alberto de Menezes Rodrigues um doce sabor e de onde se espelha ao mesmo tempo o travo de melancolia do seu espírito, aliás, já manifesto, em algumas páginas da sua obra de poeta.
Num outro conto que se intitula “Lua-de-Mel em Caxemira” que tem por fim um desfecho fatal e depois sob outras circunstâncias uma Lua-de-Mel; as “Belezas Naturais do Mundo” ou “Dádiva do Céu” em que após anos de esterilidade se volta a página atormentadora da vida de um casal e ainda a tragédia Celeste todas essas constituem narrativas sentimentais da existência para muitas das quais a vida jamais sorri.
Nas páginas do livro que estamos a revistar surgem aqui e além quadros campestres e recortes de paisagem goesa evocada com sentimento e vibração da alma: Calangute com o seu vasto areal batidos pelas vagas alterosas do Índico, uma casinha recortada ao fundo duma duna onde teve lugar um devaneio amoroso, o cruzeiro de Bambolim, a encosta que conduz para o mar, vista a hora do recolhimento quando uma voz melodiosa ressoa naquela verdajante solidão:
“Meu Deus,/E tantas gotas desperdiças/Pelas charnecas áridas, nos montes/Nos areais e campos e caminhos/Onde há florinhas brancas a brilhar!"
Outros quadros matizam ainda estes solilóquos: a faina campestre, o espectro da estiagem que consome o homem do campo, depois ainda, as searas reluzentes ao sol etc., toda essa terna evocação de paisagens conhecidas, onde se desenvolvere a acção das suas narrativas, dão ao novo livro de Alberto de Menezes Rodrigues um doce sabor e de onde se espelha ao mesmo tempo o travo de melancolia do seu espírito, aliás, já manifesto, em algumas páginas da sua obra de poeta.
RV Pandit - O Número Dez (translated from the Konkani by Mucunda Quelecar)
Deus,
Uma vez,
Deu números
Às coisas venenosas.
Coube
O número um
À ambição humana.
Dois à traição
E à sua malquerença.
O número três,
Uma vez,
Deu números
Às coisas venenosas.
Coube
O número um
À ambição humana.
Dois à traição
E à sua malquerença.
O número três,
À intrujice,
O número quarto.
Cinco,
Ao ódio.
À inveja
Número seis.
Sete
O número quarto.
Cinco,
Ao ódio.
À inveja
Número seis.
Sete
À intriga.
À leviandade feminina
Número oito.
E nove
Á arrogância dos homens.
E, vendo
Que os primeiros
Nove números
Foram ganhos
Pela peçonha humana,
A cobra
Deseperou...
E começou
A chorar...
Porque não tinha valia
O seu veneno
À leviandade feminina
Número oito.
E nove
Á arrogância dos homens.
E, vendo
Que os primeiros
Nove números
Foram ganhos
Pela peçonha humana,
A cobra
Deseperou...
E começou
A chorar...
Porque não tinha valia
O seu veneno
Perante outros maiores...
Então Deus,
Compadecido
Marcou sobre a sua fronte
O último número
O número dez!
Então Deus,
Compadecido
Marcou sobre a sua fronte
O último número
O número dez!
A Minha Primeira Composição – Premchand (tradução de Evágrio Jorge, 1968)
Ao tempo eu tinha cerca de treze anos de idade. Não sabia hindi, tinha uma paixão pelas novelas em urdu. Maulana Sharar, Pandit Ratan Nath Sarsber, Mirza Ruswa, Maulvi Mohamad Ali de Hardoi eram os romancistas populares da época. Todas as vezes que tivesse à mão quaisquer obras suas, esquecia completamente os assuntos da escola e não descansava sem que as lesse de capa a capa. Naqueles tempos as novelas de Reynold estavam muito em voga e suas traduções em urdu eram publicadas em sucessivas edições e vendiam-se como bolos quentes. Também estas eram da minha predilecção. O saudoso Hazrat Ryas, um poeta de renome que faleceu há pouco, traduzira uma novela de Reynolds sob o título de “Haram Sara”, enquanto o director do seminário de Lucknow, ‘Oudh Punch’, um dos imortais entre os humoristas indianos – Maulana Sajad Hussain – traduzira outra novela de Reynolds com o título “Shokha ou Tilasmi Fanus”. Li todos estes livros naqueles dias. Nunca fiquei enfastiado com Ratan Nath Sarshar, embora tivesse acabado de ler todas as suas novelas.
Naqueles tempos meu pai vivia em Gorakhpur, onde eu frequentava a sétima classe, ou terceiro ano como era então conhecido, da Escola Missionária local. Havia um livreiro de nome Buddhilal, em Reti. Costumava frequentar a sua livraria e ler as novelas do seu depósito. Mas como não podia sentar lá todo o dia, levava cópias de “Chaves” aos textos em inglês e de “Notas” e vendia-se entre os estudantes da minha escola. Em compensação por este trabalho, o livreiro deixava-me levar para casa as novelas que quisesse ler. Quando acabasse com a colecção de novelas da livraria lia as traduções da “Purana” publicadas por Nowal Kishore Press bem como vários volumes de “Tilssmi Hoshruba” – um volume grosso de contos românticos. Até então estavam publicadas dezassete deles, e cada um não tinha menos de duas mil páginas de grande formato. Além destes dezassete volumes lera não poucos daqueles volumes que haviam sido publicados em outras ocasiões. Pode-se concluir daqui quão fértil era a imaginação do autor. Diz-se que estes contos tinham sido escritos por Maulana Faizi em língua persa para a diversão de Akbar. Quanto disto era verdade, ninguém poderá dizer. Talvez em nenhuma outra língua existirá uma obra tão grandiosa. É uma verdadeira enciclopédia. Mesmo que alguém tivesse de tirar uma cópia durante o período duma vida inteira de trêira (sic) vintenas de anos, ele não o poderia fazer. Quanto mais difícil não teria sido a sua composição?
Naquela época um tio dum parente meu costumava visitar-nos frequentemente. Embora estivesse avançado na idade, continuava solteiro. Possuía uma pequena herdade e uma casa, mas sem mulher essas coisas não tinham valor para ele, e por isso não tinha apego a elas. Visitava todos os parentes na esperança de que eles lhe arranjariam uma consorte. E para esse fim estava sempre pronto a gastar cem ou duzentas rupias. Era de facto de surpreender que não se tivesse casado, pois tinha um físico vigoroso, bigodes compridos, estatura média e compleição trigueira. Tinha o vício de fumar cânhamo, donde os seus olhos eram invariavelmente vermelhos. Era religioso à sua maneira. Fazia oblação de água a Xiva todos os dias, e abstinha-se de comer peixe ou carne de galinha.
Até que enfim caiu na esparrela em que os solteiros geralmente caem. Foi vitima dos raios Cupido, disparados dos olhos duma “chamar” (fara zoa), que costumava fazer bolos de bosta em casa, dar água e palha aos bois e fazer outros trabalhos desta natureza. Era jovem e traquinas e como as mulheres da sua classe, também duma face sorridente e de natureza divertida. Era o caso dum porco querer ser um modelo de beleza! O seu coração sedento tropeçou no momento em que viu o caudal de água doce. Logo, no meio, duma conversação, começou a brincar com ela. Ela não levou tempo para compreender as suas intenções, pois não era tão simplória. Passou a ser “coquette” a arranjar o seu cabelo com mais óleo, mesmo que fosse de gergelim, lustrar os seus olhos com coltrio e pintar os seus lábios. Entrou mais lassidão no seu trabalho. Por vezes ela simplesmente entrava em casa por um momento e saia logo, ou lançava um olhar sobre ele numa tarde e desaparecia. O resultado era que ele tinha que tratar dos bois e fazer outros trabalhos. Porque sentia que não podia afoitar-se a incomodá-la. Até que afinal nascera amor no seu coração. Pela festa de Holi, de acordo com o hábito, ele tinha que lhe oferecer um presente, mas este ano, deu-lhe um bonito sari de rico material e mais dispendioso, e uma espórtula quatro vezes maior. As coisas foram tão longe que praticamente a criada tornou-se dona de casa.
Uma tarde os “Chamars” reuniram o seu “panchayat”. Os sócios não temiam o tio do meu parente só porque ele era mais rico ou influente do que eles. Pois, o que eles ressentiam era o flagrante contraste entre a conduta de seu pai, que nunca olhara a uma mulher na sua vida (o que de resto não era verdade), e a sua, pois ele olhava desavergonhadamente às mulheres da classe servil. Eles acharam que a persuasão não daria resultado. E esperavam, ao contrário, que ele criasse alguma situação séria. Acharam que podiam corrigir tudo duma pancada. Decidiram por isso ensinar-lhe uma lição que não pudesse esquecer por toda a vida. As questões de honra só podem derimidas (sic – ser redimidas?) com sangue mas o castigo também pode arrumar e arruma-os até certo ponto.
No dia seguinte, à tarde, quanto Champá, a criada, entrou na casa, ele fechou a porta do quarto interior.
Os “Chamars” que esperavam por uma oportunidade destas, começaram a bater à porta exterior. Ao principio ele pensou que talvez, um seu manducar tivesse vindo vê-lo e, achando a porta fechada, tivesse ido embora. Mas quando ouviu o barulho feito pela multidão ficou perplexo. Olhou pelo buraco da chave e viu cerca de vinte ou vinte cinco “Chamars”, arrumados de pais, procurando forçar a porta. Que fazer? Não havia forma de fugir, nem de esconder Champá. Compreendeu que teria de fazer face a dificuldades. Não esperava que a sua amante havia de procurar uma situação destas tão cedo, aliás seria cauteloso, em oferecer a sua coração a ela. Pelo seu turno, Campa picava-o dizendo: “De qualquer forma o Sr. não tem muito a perder, é a minha honra que ficará manchada. A minha gente não me deixará viva. Pedi-lhe com mãos postas para não fechar a porta. Mas o Sr. estava tomado de paixão. O Sr. está de facto, bem servido, porque sujou a própria cara”.
Pobre tio! Ele nunca havia experimentado uma coisa destas. Se no seu lugar estivesse um perito no jogo, havia de deparar com cento e um expedientes para se sair da dificuldade. Mas ele ficou completamente atrapalhado. Ficou no pátio interno recitar as suas escrituras.
Fora da porta m murmurinho foi crescendo até que a aldeia se reuniu aí. O brâmane, o thakur, o kayasta todos vieram ver a força e dar uma boa tareia no delinquente. O que podia ser mais engraçado de que descobrir um homem e uma mulher fechados num quarto juntos! E por mais humilde ou altamente colocado que um homem fosse, o público não perdoaria. Foi chamado o carpinteiro, aberta a porta com instrumentos e o tio, depois de uma busca foi achado no depósito de palha. Champá foi vista de pé no pátio interno, a gritar. Logo que se abriu a porta, ela correu e bom correr. Ninguém lhe disse uma palavra sequer. Mas aonde podia o tio correr? Ele sabia muito bem que não havia saída para aí. Preparou-se por isso para receber qualquer castigo que lhe fosse infligido. E teve um castigo exemplar! Todo o instrumento a que se pudesse lançar mão – sobreiro, paus, sapatos, murros, pontapés – foi utilizado até que enfim caiu estatelado e eles, tomando-o por morto, deixaram-no só. Mesmo que sobrevivesse, arguiram ele não poderia continuar a viver na aldeia porque a sua herdade passaria para a posse doutra pessoa.
A notícia deste infeliz acontecimento chegou-nos nas asas do boato. E eu saboreei-o imensamente. Dei uma gargalhada estrondosa quando procurei imaginar a cara do tio enquanto era sovado pelos aldeões.
Por cerca de um mês, bebeu, para tratamento, uma mistura de melaço e açafrão. E logo que pôde andar, veio ter-se connosco porque queria instaurar na nossa cidade um processo crime contra os seus coaldeanos pelo assalto de que fora vítima.
Se apresentasse algum arrependimento ou humildade, talvez me simpatizasse com ele, mas era tão vaidoso como sempre. Ameaçou informar o meu pai acerca do meu apego por novelas e por teatro como para me ameaçar – uma coisa que não podia aturar. Porque agora tinha factos seguros contra o seu carácter.
Enfim, um dia, incorporei tudo quanto sucedera ao pobre diabo num drama que mais tarde li aos meus amigos. Todos eles sorriram a valer quando ouviram. Senti-me encorajado. Tirei uma cópia dele e deixando-a debaixo do chumaço do tio, fui à escola. Estava meio divertido e meio receoso na minha própria mente. Estava curioso de saber que o meu tio diria depois de ler o drama. Por isso, aquele dia, o meu coração não estava nos meus livros, mas em casa. Logo que terminou a escola segui para casa. Mas quando cheguei perto hesitei. Receei que o meu tio me desse bordoada. Mas estava seguro de uma coisa – que não me daria senão uma bofetada, pois não era dos tais que toleravam estas coisas.
Mas imaginem! O tio não estava lá na cama onde costumava estirar as suas pernas. Teria ido dentro de casa? Olhei pelo quarto mas só reinava silêncio lá. Não havia indício dos seus sapatos, roupa e trouxa. Perguntei aos membros da família e fui informado que o tio regressou à sua casa, sem tomar refeição, para um assunto urgente...
Saí dai e dei rigorosa busca ao quarto para desencantar o meu primeiro drama e minha primeira composição mas não pude achá-la em parte alguma. Não sei se o tio lançou-o ao fogo ou levou consigo ao céu!
Naqueles tempos meu pai vivia em Gorakhpur, onde eu frequentava a sétima classe, ou terceiro ano como era então conhecido, da Escola Missionária local. Havia um livreiro de nome Buddhilal, em Reti. Costumava frequentar a sua livraria e ler as novelas do seu depósito. Mas como não podia sentar lá todo o dia, levava cópias de “Chaves” aos textos em inglês e de “Notas” e vendia-se entre os estudantes da minha escola. Em compensação por este trabalho, o livreiro deixava-me levar para casa as novelas que quisesse ler. Quando acabasse com a colecção de novelas da livraria lia as traduções da “Purana” publicadas por Nowal Kishore Press bem como vários volumes de “Tilssmi Hoshruba” – um volume grosso de contos românticos. Até então estavam publicadas dezassete deles, e cada um não tinha menos de duas mil páginas de grande formato. Além destes dezassete volumes lera não poucos daqueles volumes que haviam sido publicados em outras ocasiões. Pode-se concluir daqui quão fértil era a imaginação do autor. Diz-se que estes contos tinham sido escritos por Maulana Faizi em língua persa para a diversão de Akbar. Quanto disto era verdade, ninguém poderá dizer. Talvez em nenhuma outra língua existirá uma obra tão grandiosa. É uma verdadeira enciclopédia. Mesmo que alguém tivesse de tirar uma cópia durante o período duma vida inteira de trêira (sic) vintenas de anos, ele não o poderia fazer. Quanto mais difícil não teria sido a sua composição?
Naquela época um tio dum parente meu costumava visitar-nos frequentemente. Embora estivesse avançado na idade, continuava solteiro. Possuía uma pequena herdade e uma casa, mas sem mulher essas coisas não tinham valor para ele, e por isso não tinha apego a elas. Visitava todos os parentes na esperança de que eles lhe arranjariam uma consorte. E para esse fim estava sempre pronto a gastar cem ou duzentas rupias. Era de facto de surpreender que não se tivesse casado, pois tinha um físico vigoroso, bigodes compridos, estatura média e compleição trigueira. Tinha o vício de fumar cânhamo, donde os seus olhos eram invariavelmente vermelhos. Era religioso à sua maneira. Fazia oblação de água a Xiva todos os dias, e abstinha-se de comer peixe ou carne de galinha.
Até que enfim caiu na esparrela em que os solteiros geralmente caem. Foi vitima dos raios Cupido, disparados dos olhos duma “chamar” (fara zoa), que costumava fazer bolos de bosta em casa, dar água e palha aos bois e fazer outros trabalhos desta natureza. Era jovem e traquinas e como as mulheres da sua classe, também duma face sorridente e de natureza divertida. Era o caso dum porco querer ser um modelo de beleza! O seu coração sedento tropeçou no momento em que viu o caudal de água doce. Logo, no meio, duma conversação, começou a brincar com ela. Ela não levou tempo para compreender as suas intenções, pois não era tão simplória. Passou a ser “coquette” a arranjar o seu cabelo com mais óleo, mesmo que fosse de gergelim, lustrar os seus olhos com coltrio e pintar os seus lábios. Entrou mais lassidão no seu trabalho. Por vezes ela simplesmente entrava em casa por um momento e saia logo, ou lançava um olhar sobre ele numa tarde e desaparecia. O resultado era que ele tinha que tratar dos bois e fazer outros trabalhos. Porque sentia que não podia afoitar-se a incomodá-la. Até que afinal nascera amor no seu coração. Pela festa de Holi, de acordo com o hábito, ele tinha que lhe oferecer um presente, mas este ano, deu-lhe um bonito sari de rico material e mais dispendioso, e uma espórtula quatro vezes maior. As coisas foram tão longe que praticamente a criada tornou-se dona de casa.
Uma tarde os “Chamars” reuniram o seu “panchayat”. Os sócios não temiam o tio do meu parente só porque ele era mais rico ou influente do que eles. Pois, o que eles ressentiam era o flagrante contraste entre a conduta de seu pai, que nunca olhara a uma mulher na sua vida (o que de resto não era verdade), e a sua, pois ele olhava desavergonhadamente às mulheres da classe servil. Eles acharam que a persuasão não daria resultado. E esperavam, ao contrário, que ele criasse alguma situação séria. Acharam que podiam corrigir tudo duma pancada. Decidiram por isso ensinar-lhe uma lição que não pudesse esquecer por toda a vida. As questões de honra só podem derimidas (sic – ser redimidas?) com sangue mas o castigo também pode arrumar e arruma-os até certo ponto.
No dia seguinte, à tarde, quanto Champá, a criada, entrou na casa, ele fechou a porta do quarto interior.
Os “Chamars” que esperavam por uma oportunidade destas, começaram a bater à porta exterior. Ao principio ele pensou que talvez, um seu manducar tivesse vindo vê-lo e, achando a porta fechada, tivesse ido embora. Mas quando ouviu o barulho feito pela multidão ficou perplexo. Olhou pelo buraco da chave e viu cerca de vinte ou vinte cinco “Chamars”, arrumados de pais, procurando forçar a porta. Que fazer? Não havia forma de fugir, nem de esconder Champá. Compreendeu que teria de fazer face a dificuldades. Não esperava que a sua amante havia de procurar uma situação destas tão cedo, aliás seria cauteloso, em oferecer a sua coração a ela. Pelo seu turno, Campa picava-o dizendo: “De qualquer forma o Sr. não tem muito a perder, é a minha honra que ficará manchada. A minha gente não me deixará viva. Pedi-lhe com mãos postas para não fechar a porta. Mas o Sr. estava tomado de paixão. O Sr. está de facto, bem servido, porque sujou a própria cara”.
Pobre tio! Ele nunca havia experimentado uma coisa destas. Se no seu lugar estivesse um perito no jogo, havia de deparar com cento e um expedientes para se sair da dificuldade. Mas ele ficou completamente atrapalhado. Ficou no pátio interno recitar as suas escrituras.
Fora da porta m murmurinho foi crescendo até que a aldeia se reuniu aí. O brâmane, o thakur, o kayasta todos vieram ver a força e dar uma boa tareia no delinquente. O que podia ser mais engraçado de que descobrir um homem e uma mulher fechados num quarto juntos! E por mais humilde ou altamente colocado que um homem fosse, o público não perdoaria. Foi chamado o carpinteiro, aberta a porta com instrumentos e o tio, depois de uma busca foi achado no depósito de palha. Champá foi vista de pé no pátio interno, a gritar. Logo que se abriu a porta, ela correu e bom correr. Ninguém lhe disse uma palavra sequer. Mas aonde podia o tio correr? Ele sabia muito bem que não havia saída para aí. Preparou-se por isso para receber qualquer castigo que lhe fosse infligido. E teve um castigo exemplar! Todo o instrumento a que se pudesse lançar mão – sobreiro, paus, sapatos, murros, pontapés – foi utilizado até que enfim caiu estatelado e eles, tomando-o por morto, deixaram-no só. Mesmo que sobrevivesse, arguiram ele não poderia continuar a viver na aldeia porque a sua herdade passaria para a posse doutra pessoa.
A notícia deste infeliz acontecimento chegou-nos nas asas do boato. E eu saboreei-o imensamente. Dei uma gargalhada estrondosa quando procurei imaginar a cara do tio enquanto era sovado pelos aldeões.
Por cerca de um mês, bebeu, para tratamento, uma mistura de melaço e açafrão. E logo que pôde andar, veio ter-se connosco porque queria instaurar na nossa cidade um processo crime contra os seus coaldeanos pelo assalto de que fora vítima.
Se apresentasse algum arrependimento ou humildade, talvez me simpatizasse com ele, mas era tão vaidoso como sempre. Ameaçou informar o meu pai acerca do meu apego por novelas e por teatro como para me ameaçar – uma coisa que não podia aturar. Porque agora tinha factos seguros contra o seu carácter.
Enfim, um dia, incorporei tudo quanto sucedera ao pobre diabo num drama que mais tarde li aos meus amigos. Todos eles sorriram a valer quando ouviram. Senti-me encorajado. Tirei uma cópia dele e deixando-a debaixo do chumaço do tio, fui à escola. Estava meio divertido e meio receoso na minha própria mente. Estava curioso de saber que o meu tio diria depois de ler o drama. Por isso, aquele dia, o meu coração não estava nos meus livros, mas em casa. Logo que terminou a escola segui para casa. Mas quando cheguei perto hesitei. Receei que o meu tio me desse bordoada. Mas estava seguro de uma coisa – que não me daria senão uma bofetada, pois não era dos tais que toleravam estas coisas.
Mas imaginem! O tio não estava lá na cama onde costumava estirar as suas pernas. Teria ido dentro de casa? Olhei pelo quarto mas só reinava silêncio lá. Não havia indício dos seus sapatos, roupa e trouxa. Perguntei aos membros da família e fui informado que o tio regressou à sua casa, sem tomar refeição, para um assunto urgente...
Saí dai e dei rigorosa busca ao quarto para desencantar o meu primeiro drama e minha primeira composição mas não pude achá-la em parte alguma. Não sei se o tio lançou-o ao fogo ou levou consigo ao céu!
RV Pandit - A Virtude Peregrina (1963)
Ia em peregrinação
A virtude…
No caminho
O vício encontrou.
Este, sorridente,
Amigável,
Disse à virtude…
“Passemos a noite
Juntos
Na estalagem.
Dia seguinte,
Manhã cedo,
Após um banho
Vamos visitar
Os deuses…”
A virtude reflectiu um pouco
E disse:
“Pode ser…”
De si para si.
Pensou:
“O diabo não é
Tão feio
Como o pintam”
Noite inteira
Os dois
Folgaram
Dançaram e riram
Em orgia…
O dia seguinte
Passaram
Em sono pesado.
Desde então
Até hoje
A virtude
A Deus não visitou…
E Deus, à espera,
Pensando:
“A virtude ainda não veio!
Porque sera?”
A virtude…
No caminho
O vício encontrou.
Este, sorridente,
Amigável,
Disse à virtude…
“Passemos a noite
Juntos
Na estalagem.
Dia seguinte,
Manhã cedo,
Após um banho
Vamos visitar
Os deuses…”
A virtude reflectiu um pouco
E disse:
“Pode ser…”
De si para si.
Pensou:
“O diabo não é
Tão feio
Como o pintam”
Noite inteira
Os dois
Folgaram
Dançaram e riram
Em orgia…
O dia seguinte
Passaram
Em sono pesado.
Desde então
Até hoje
A virtude
A Deus não visitou…
E Deus, à espera,
Pensando:
“A virtude ainda não veio!
Porque sera?”
Telo de Mascarenhas - Dois Poemas (1975)
Canto de Vitória
Grande ou pequena,
rica ou pobre,
esta Terra é nossa,
uma herança ancestral;
nós lutámos e sofremos
para a LIBERTAR.
Único anseio nos guiou
na nossa luta insane
sem tréguas e sem quartel,
na alegria e na dor:
fazer ressurgir Goa
com o seu prestino esplendor;
Fazer da Nossa Terra
um manancial
de leite e mel:
dar um palmo de terra
a todos, para cultivar;
um tecto para abrigar
os deserdados sem lar
Esta Terra é nossa,
legitimamente nossa,
uma herança ancestral;
nós lutámos e sofremos
para a RESGATAR.
Não consentiremos
que politicos sem escrúpulos
façam da Nossa Terra
um tabuleiro de xadrez
para o jogo dos seus interesses
sujeitando-nos ao revês
de perder o que ganhamaos.
Esta Terra é nossa,
legitimamente nossa,
uma herança ancestral;
nós lutamos e sofremos
para a LIBERTAR.
No seio da Mãe-Índia
nós queremos viver
como seus legítimos filhos que somos;
mas em nome da UNIDADE
não venham subverter
a nossa IDENTIDADE.
Do mesmo modo que lutamos
com os nossos dominadores
nós lutaremos
com os nossos exploradores.
Esta terra é nossa,
legitimamente nossa,
uma herança ancestral;
nós lutámos e sofremos para a RESGATAR.
Grande ou pequena,
rica ou pobre,
esta Terra é nossa,
orgulhamo-nos dela.
Num solar ou num tugúrio
nós sabemos viver
com altivez e orgulho,
porque esta Terra é nossa,
legitimamente nossa;
uma herança ancestral
nós lutámos e sofremos
para a LIBERTAR.
A Unidade
Balkrishna, dá-me a tua mão.
Somos filhos da mesma mãe,
gerados no mesmo ventre,
tu Hindu e eu Cristão.
Manuel António, meu irmão,
nós demos o corpo ao manifesto
com coragem e decisão;
mas são os dúbios que colhem
os frutos da LIBERTAÇÃO.
Por Allah, eu juro;
soa o traço de união
entre o Hindu e o Cristão,
no passado, no presente, no futuro.
A nossa raiz é a mesma,
somos três elos
da mesma geração.
Por isso nós demos a mão,
na luta da Libertação.
Grande ou pequena,
rica ou pobre,
esta Terra é nossa,
uma herança ancestral;
nós lutámos e sofremos
para a LIBERTAR.
Único anseio nos guiou
na nossa luta insane
sem tréguas e sem quartel,
na alegria e na dor:
fazer ressurgir Goa
com o seu prestino esplendor;
Fazer da Nossa Terra
um manancial
de leite e mel:
dar um palmo de terra
a todos, para cultivar;
um tecto para abrigar
os deserdados sem lar
Esta Terra é nossa,
legitimamente nossa,
uma herança ancestral;
nós lutámos e sofremos
para a RESGATAR.
Não consentiremos
que politicos sem escrúpulos
façam da Nossa Terra
um tabuleiro de xadrez
para o jogo dos seus interesses
sujeitando-nos ao revês
de perder o que ganhamaos.
Esta Terra é nossa,
legitimamente nossa,
uma herança ancestral;
nós lutamos e sofremos
para a LIBERTAR.
No seio da Mãe-Índia
nós queremos viver
como seus legítimos filhos que somos;
mas em nome da UNIDADE
não venham subverter
a nossa IDENTIDADE.
Do mesmo modo que lutamos
com os nossos dominadores
nós lutaremos
com os nossos exploradores.
Esta terra é nossa,
legitimamente nossa,
uma herança ancestral;
nós lutámos e sofremos para a RESGATAR.
Grande ou pequena,
rica ou pobre,
esta Terra é nossa,
orgulhamo-nos dela.
Num solar ou num tugúrio
nós sabemos viver
com altivez e orgulho,
porque esta Terra é nossa,
legitimamente nossa;
uma herança ancestral
nós lutámos e sofremos
para a LIBERTAR.
A Unidade
Balkrishna, dá-me a tua mão.
Somos filhos da mesma mãe,
gerados no mesmo ventre,
tu Hindu e eu Cristão.
Manuel António, meu irmão,
nós demos o corpo ao manifesto
com coragem e decisão;
mas são os dúbios que colhem
os frutos da LIBERTAÇÃO.
Por Allah, eu juro;
soa o traço de união
entre o Hindu e o Cristão,
no passado, no presente, no futuro.
A nossa raiz é a mesma,
somos três elos
da mesma geração.
Por isso nós demos a mão,
na luta da Libertação.
Friday, 11 February 2011
Leonardo da Rocha's 1963 review of Vimala Devi's Monção
Consola verificar que na triste conjuntura em que se debate a língua portuguesa em Goa, escritores nossos se esforçam por preencher as lacunas herdadas no género literário de obras de ficção goesas. Orlando da Costa em O Signo da Ira marcou um vigoroso passo e sugiram lentamente outros na peugada, afirmando-se com não pouco talento.
Chega-nos ora à mão o livro de contos, intitulado Monção da nossa distinta conterrânea Maria Teresa de Almeida, que assina pelo pseudónimo literário de Vimala Devi. Oriunda de uma ilustre família de Britona, Teresa de Almeida radicou-se, faz anos, em Portugal e é ora casada com o conhecido escritor português Manuel de Seabra, autor de vários livros, como Terra de Ninguém (romance), O Retrato Esboçado (novela), O Fogo Sagrado (romance) etc.
Já quando em Goa, e muito jovem, Vimala Devi mostrou o seu pendor para as letras em apreciados escritos, publicados na imprensa local. Mas a obra que lhe grangeou unânimes aplausos da crítica foi o pequeno livro de poemas Súria (1962). No dizer do critico literário do influente Diário de Noticias, Súria assinala “um sério caso poético, uma poesia que vem colocar a autora entre os mais puros valores revelados nos últimos vinte anos”. E João Gaspar Simões, para citar só este, descobriu na poética de vimala Devi “um acento fundo de sensualidade mística, de pureza conturbada” pelas tentações em surto na carne de uma mulher.
É deveras curioso que tanta aclamação critica não animasse a autora a prosseguir no caminho da poesia, para lá de uma mera tentativa experimental, pois no ano seguinte ao da publicação de Súria, Vimala Devi dá à estampa Monção, um feixe de contos que, na fachada da própria capa, se denominam contos de Goa, ainda em concani, por sinal pouco feliz, escrito em devanágri.
Vimala Devi afronta pois, desta feita, o difícil veículo de expressão do short-story e se transporta à ambiência humana nossa, de Goa. A empresa é, na realidade, arrojada. Não só o género exige do artista grande capacidade de síntese, como o regionalismo a que a autora lança mão, requer seja manejado numa dosagem bem equilibrada em vista a um fim superior, qual é o da tradução duma humanidade típica, dum ser anímico dum povo, duma gente. Consegue-o a autora?
Uma notável galeria de tipos, como hindus, católicos – curumbins, pescadores, batecares, mestiços – é verdade nos oferece o livro de contos de Vimala Devi. O estilo é simples e agradável no descritivo, que a autora se esforça por manter objectivo e fiel. Eis como nos pinta Pangim na época do Ganês: “Acorria gente da toda a parte, mesmo da União Indiana, enchendo as ruas e as lojas de panos coloridos. Homens tisnados, de puddvém, batiam os mercados; mulheres delgadas, de saris berrantes, cobertas de manilhas de oiro, cucume bem rubro, adornavam-se com colares de zaiéus e compravam guloseimas. Pangim transformava-se numa aguarela estranha, mergulhada em aromas vivos de betle e chondor-vatt” (p.83).
A autora foi igualmente feliz em intuir aquelas situações que mais possibilidades oferecem de espelhar a realidade goesa.
Não obstante, fica-nos após a leitura, a impressão de que esta realidade se apresenta vaga e imprecisa. Não vemos focada bem a funda aquela face autêntica de Goa que esperávamos. Sentimos predominar a topografia, o regionalismo exótico, visto de fora, sobre a recriação do genuíno ambiente goês com as situações humanas e seus tipos bem analisados e não meramente esboçados.
Passando ora a uma análise mais particular. A história de “O Genro Comensal” gira à volta do velho casarão onde viviam desesperadamente solteiras quatro manas já entradas na idade, em companhia de algumas criadas velhas, do tempo de papá. “Porque não havia varões na família, a casa ia extinguir-se. E as quatro manas Fonsecas resignadas carpiam a mágoa de verem uma família de tão vetustas tradições (de Margão) mergulhar no vazio, desaparecer sem herdeiros ou continuadores” (p.33). Mas assim não sucedeu, graças a Deus, um casamento sempre se arranjou...
É um dos melhores contos que, pela veia satírica, foca um pitoresco problema do nossa vida social, certamente hoje em vias de acabar. O processo recorda algo de Jacob e Dulce. Eis, como pano de amostra, o diálogo entre o raibari (Ti-Aureliano) e o noivo (Franjoão). O noivo apura os teres e haveres da casa da futura noiva:
- Ainda tem o prédio de Divar?
- Sim.
- Quantos candis de bate dá?
- Sete.
- E coco?
- Dois mil cocos.
- E mais? Bananas, mangas, jacas?
- Também. Há outras propriedades.
- Onde?
- Em Dongrim.
- O que produz?
- Arroz. Várias qualidades. E muita manga, em Benaulim.
- Tem mangas em casa? Mangas ou chupadeiras?
- Qual! Manga boa. Xavier, fernandina. É boa casa. Brâmanes bem antigos, bem sabes. Aquilo tudo fica para Teodolinda.
- Sério?
- Claro. O que elas querem é um homem de carácter, que se dá bem com elas e traga respeito a casa!
Franjoão baixou a cabeça pensativo. (p.43)
De idêntica veia é o conto “A Subvenção” onde a mania de outrora de se identificar com o europeu-português assume um tom grotesco no comportamento do ‘descendente’ Eurcaristino, Terceiro Oficial de Fazenda. Aqui a maneira esquemática do tratamento da história e a sensação de anedota que fica no fim, tiram bastante à tese em si feliz, merecedora de melhor elaboração.
Em “Nâttak”, “Druva”, “Padmini” e “A Droga”, o mundo social e a psicologia do hindu goês despertam o interesse da autora. O último desses contos narra a história do amor proibido de dois amantes, Rosú e Caxinata, no contexto do código implacável que deita barreiras entre cristãos e hindus. Embora, à primeira impressão, nos agradem estas histórias, no plano de arte realizada, a uma demorada análise, não deixam de nos trair uma Vimala diletante, a que tivesse o prurido de abrir o véu ao mundo hindu só com as leves reminiscências hauridas de um superficial contacto que une os cristãos e hindus em Goa.
Enfim, contos como “Filhos de Job”, “Vénus e Sues Braços” tiram efeito artístico duma exploração literária do pauperismo existente em certas camadas nossas. Para alguns leitores de agora os casos humanos descritos, em cor tão berrante, talvez se desfiguremdépassés e só porventura viverão na memória de uma época que se foi. Todavia, mitigada desta ou daquela forma, a miséria de irmãos nossos lá está, trágica na sua impotência, comovente no silêncio da resignação. E há para nós arte e beleza nestas histórias em que sentimos a dor partilhada por um coração feminino, terno e sensível, da escritora e poetisa Vimala Devi.
I wish to thank Leopoldo da Rocha for his permission for me to reproduce this review. To anyone out there with an interest in Goan writing in Portuguese, I suggest you read Leopoldo da Rocha's recently published Casa Grande and that you look up his own blog:
http://lusogoanus.wordpress.com/
Chega-nos ora à mão o livro de contos, intitulado Monção da nossa distinta conterrânea Maria Teresa de Almeida, que assina pelo pseudónimo literário de Vimala Devi. Oriunda de uma ilustre família de Britona, Teresa de Almeida radicou-se, faz anos, em Portugal e é ora casada com o conhecido escritor português Manuel de Seabra, autor de vários livros, como Terra de Ninguém (romance), O Retrato Esboçado (novela), O Fogo Sagrado (romance) etc.
Já quando em Goa, e muito jovem, Vimala Devi mostrou o seu pendor para as letras em apreciados escritos, publicados na imprensa local. Mas a obra que lhe grangeou unânimes aplausos da crítica foi o pequeno livro de poemas Súria (1962). No dizer do critico literário do influente Diário de Noticias, Súria assinala “um sério caso poético, uma poesia que vem colocar a autora entre os mais puros valores revelados nos últimos vinte anos”. E João Gaspar Simões, para citar só este, descobriu na poética de vimala Devi “um acento fundo de sensualidade mística, de pureza conturbada” pelas tentações em surto na carne de uma mulher.
É deveras curioso que tanta aclamação critica não animasse a autora a prosseguir no caminho da poesia, para lá de uma mera tentativa experimental, pois no ano seguinte ao da publicação de Súria, Vimala Devi dá à estampa Monção, um feixe de contos que, na fachada da própria capa, se denominam contos de Goa, ainda em concani, por sinal pouco feliz, escrito em devanágri.
Vimala Devi afronta pois, desta feita, o difícil veículo de expressão do short-story e se transporta à ambiência humana nossa, de Goa. A empresa é, na realidade, arrojada. Não só o género exige do artista grande capacidade de síntese, como o regionalismo a que a autora lança mão, requer seja manejado numa dosagem bem equilibrada em vista a um fim superior, qual é o da tradução duma humanidade típica, dum ser anímico dum povo, duma gente. Consegue-o a autora?
Uma notável galeria de tipos, como hindus, católicos – curumbins, pescadores, batecares, mestiços – é verdade nos oferece o livro de contos de Vimala Devi. O estilo é simples e agradável no descritivo, que a autora se esforça por manter objectivo e fiel. Eis como nos pinta Pangim na época do Ganês: “Acorria gente da toda a parte, mesmo da União Indiana, enchendo as ruas e as lojas de panos coloridos. Homens tisnados, de puddvém, batiam os mercados; mulheres delgadas, de saris berrantes, cobertas de manilhas de oiro, cucume bem rubro, adornavam-se com colares de zaiéus e compravam guloseimas. Pangim transformava-se numa aguarela estranha, mergulhada em aromas vivos de betle e chondor-vatt” (p.83).
A autora foi igualmente feliz em intuir aquelas situações que mais possibilidades oferecem de espelhar a realidade goesa.
Não obstante, fica-nos após a leitura, a impressão de que esta realidade se apresenta vaga e imprecisa. Não vemos focada bem a funda aquela face autêntica de Goa que esperávamos. Sentimos predominar a topografia, o regionalismo exótico, visto de fora, sobre a recriação do genuíno ambiente goês com as situações humanas e seus tipos bem analisados e não meramente esboçados.
Passando ora a uma análise mais particular. A história de “O Genro Comensal” gira à volta do velho casarão onde viviam desesperadamente solteiras quatro manas já entradas na idade, em companhia de algumas criadas velhas, do tempo de papá. “Porque não havia varões na família, a casa ia extinguir-se. E as quatro manas Fonsecas resignadas carpiam a mágoa de verem uma família de tão vetustas tradições (de Margão) mergulhar no vazio, desaparecer sem herdeiros ou continuadores” (p.33). Mas assim não sucedeu, graças a Deus, um casamento sempre se arranjou...
É um dos melhores contos que, pela veia satírica, foca um pitoresco problema do nossa vida social, certamente hoje em vias de acabar. O processo recorda algo de Jacob e Dulce. Eis, como pano de amostra, o diálogo entre o raibari (Ti-Aureliano) e o noivo (Franjoão). O noivo apura os teres e haveres da casa da futura noiva:
- Ainda tem o prédio de Divar?
- Sim.
- Quantos candis de bate dá?
- Sete.
- E coco?
- Dois mil cocos.
- E mais? Bananas, mangas, jacas?
- Também. Há outras propriedades.
- Onde?
- Em Dongrim.
- O que produz?
- Arroz. Várias qualidades. E muita manga, em Benaulim.
- Tem mangas em casa? Mangas ou chupadeiras?
- Qual! Manga boa. Xavier, fernandina. É boa casa. Brâmanes bem antigos, bem sabes. Aquilo tudo fica para Teodolinda.
- Sério?
- Claro. O que elas querem é um homem de carácter, que se dá bem com elas e traga respeito a casa!
Franjoão baixou a cabeça pensativo. (p.43)
De idêntica veia é o conto “A Subvenção” onde a mania de outrora de se identificar com o europeu-português assume um tom grotesco no comportamento do ‘descendente’ Eurcaristino, Terceiro Oficial de Fazenda. Aqui a maneira esquemática do tratamento da história e a sensação de anedota que fica no fim, tiram bastante à tese em si feliz, merecedora de melhor elaboração.
Em “Nâttak”, “Druva”, “Padmini” e “A Droga”, o mundo social e a psicologia do hindu goês despertam o interesse da autora. O último desses contos narra a história do amor proibido de dois amantes, Rosú e Caxinata, no contexto do código implacável que deita barreiras entre cristãos e hindus. Embora, à primeira impressão, nos agradem estas histórias, no plano de arte realizada, a uma demorada análise, não deixam de nos trair uma Vimala diletante, a que tivesse o prurido de abrir o véu ao mundo hindu só com as leves reminiscências hauridas de um superficial contacto que une os cristãos e hindus em Goa.
Enfim, contos como “Filhos de Job”, “Vénus e Sues Braços” tiram efeito artístico duma exploração literária do pauperismo existente em certas camadas nossas. Para alguns leitores de agora os casos humanos descritos, em cor tão berrante, talvez se desfiguremdépassés e só porventura viverão na memória de uma época que se foi. Todavia, mitigada desta ou daquela forma, a miséria de irmãos nossos lá está, trágica na sua impotência, comovente no silêncio da resignação. E há para nós arte e beleza nestas histórias em que sentimos a dor partilhada por um coração feminino, terno e sensível, da escritora e poetisa Vimala Devi.
I wish to thank Leopoldo da Rocha for his permission for me to reproduce this review. To anyone out there with an interest in Goan writing in Portuguese, I suggest you read Leopoldo da Rocha's recently published Casa Grande and that you look up his own blog:
http://lusogoanus.wordpress.com/
Laxmanrao Sardessai - "Na Mão de Deus..." (1966)
Na mão de Deus, na sua mão direita,
Descansou, afinal, o meu coração,
Cantou assim Antero de Quental,
O poeta português, mas em vão,
Poeta filósofo, torturado pela dúvida,
Pela interrogação.
Pobre poeta, que, num momento de exaltado
Disse o que na verdade nunca sentiu
Nem nunca realizou...
O seu coração, atormentado, dilacerado,
Nunca alcançou a paz, o descanso
A que aspirava, indo pousar na mão de Deus,
Na sua mão direita...
Pois, foi procurar na morte esse descanso
Pondo termo à sua existência genial,
Foi poeta-filósofo, sim...
Mas não pôde conciliar
A poesia da vida com a filosofia do Universo.
Se eu fosse Antero, diria:
“Na mão de Deus, na sua esquerda
Descansou, afinal, o meu coração...
A deusa é a minha amada em carne e osso
E não uma imaginação... uma ilusão.
Na sua mão, na sua mão direita,
Mão de carne, mas mão divina
Onde corre a raiva de ternura e compaixão,
Onde o amor palpita como o pulso
Onde toda a graça da sua alma
Se torna manifesta
Nessa mão se levou o bálsamo
A tantos corações amargurados
E guiou pela senda do dever,
Através das trevas,
Tantos espíritos desvairados,
Eu encontrei o descanso,
E que é da sua mão esquerda?
Essa, meu querido leitor, está entretida
Em afagar-me, acariciar-me
E nós, ambos, um dia,
Quando a morte nos vier chamar,
Iremos juntos descansar
Na mão esquerda de Deus
Que o poeta filósofo ainda deixou intacta!
The original "Na Mão de Deus" by Antero de Quental can be found here: http://ocanto.esenviseu.net/apoio/maosdeus.htm
Descansou, afinal, o meu coração,
Cantou assim Antero de Quental,
O poeta português, mas em vão,
Poeta filósofo, torturado pela dúvida,
Pela interrogação.
Pobre poeta, que, num momento de exaltado
Disse o que na verdade nunca sentiu
Nem nunca realizou...
O seu coração, atormentado, dilacerado,
Nunca alcançou a paz, o descanso
A que aspirava, indo pousar na mão de Deus,
Na sua mão direita...
Pois, foi procurar na morte esse descanso
Pondo termo à sua existência genial,
Foi poeta-filósofo, sim...
Mas não pôde conciliar
A poesia da vida com a filosofia do Universo.
Se eu fosse Antero, diria:
“Na mão de Deus, na sua esquerda
Descansou, afinal, o meu coração...
A deusa é a minha amada em carne e osso
E não uma imaginação... uma ilusão.
Na sua mão, na sua mão direita,
Mão de carne, mas mão divina
Onde corre a raiva de ternura e compaixão,
Onde o amor palpita como o pulso
Onde toda a graça da sua alma
Se torna manifesta
Nessa mão se levou o bálsamo
A tantos corações amargurados
E guiou pela senda do dever,
Através das trevas,
Tantos espíritos desvairados,
Eu encontrei o descanso,
E que é da sua mão esquerda?
Essa, meu querido leitor, está entretida
Em afagar-me, acariciar-me
E nós, ambos, um dia,
Quando a morte nos vier chamar,
Iremos juntos descansar
Na mão esquerda de Deus
Que o poeta filósofo ainda deixou intacta!
The original "Na Mão de Deus" by Antero de Quental can be found here: http://ocanto.esenviseu.net/apoio/maosdeus.htm
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